A história da JBS, maior produtora de proteína animal do mundo, se confunde com a história recente do Brasil. Lula saiu de pau de arara dos confins do Nordeste e se tornou presidente da República. Os irmãos Wesley e Joesley Batista transformaram um açougue do interior de Goiás na maior exportadora de carnes do planeta. O petista foi preso por corrupção, mas voltou triunfante ao poder. Os Batistas foram presos e, depois, retornaram impunes.
Fundada em 1953, a JBS hoje exporta para cerca de 180 países e opera plantas e escritórios de vendas em quase todos os continentes, por meio de subsidiárias. Nas últimas décadas, o mundo testemunhou o crescimento frenético da empresa e o enriquecimento de seus donos.
No ápice dessa trajetória, Joesley substituiu seu iate, chamado Blessed (“Abençoado”), por um ainda mais imponente e luxuoso, batizado de Why Not, ou “Por que não?”.
Essa pergunta é pertinente para o empresário brasileiro, que praticamente não encontra obstáculo para expandir os negócios no país e ainda consegue exportar seus produtos em escala global. Em 2022, por exemplo, a JBS fechou o ano com receita recorde de quase R$ 375 bilhões, uma alta de 6,9% sobre o ano anterior. Isso mesmo depois de a companhia enfrentar uma década repleta de escândalos de corrupção e crises financeiras.
Mas os irmãos sempre almejaram seguir um caminho que os faria crescer ainda mais: negociar suas ações na Bolsa de Nova York, a New York Stock Exchange (Nyse). Maior bolsa de valores do mundo, com capitalização de mercado de cerca de US$ 27 trilhões, a movimentação financeira da Nyse representa mais de 30% da capitalização do mercado mundial. Isso é quase 13 vezes mais que o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil.
As maiores companhias do mundo estão listadas na Nyse, menos a JBS. E o cenário para a multinacional não está nada favorável. Isso porque políticos e lobistas ingleses e norte-americanos levantaram uma série de movimentos para boicotar a venda de papéis da gigante brasileira no mercado internacional. Eles acusam a empresa de provocar danos ambientais e, principalmente, de envolvimento em casos de corrupção.
No Brasil, em juízo, a empresa se declarou culpada “por violar a Lei de Práticas de Corrupção no Exterior dos Estados Unidos”, em 2020. Em seguida, firmou um acordo de leniência com o Ministério Público Federal, no âmbito da Operação Greenfield.
Em dezembro passado, contudo, o ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal
(STF), livrou a empresa J&F, holding de Joesley e Wesley, de pagar a multa ajuizada em R$ 10 bilhões. Em sua decisão, o magistrado atendeu a um recurso da defesa da companhia.
À época, a advogada Roberta Rangel, mulher de Toffoli, trabalhava para o grupo dos irmãos Batista. Ela era encarregada pela atuação da disputa entre a empresa e a Paper Excellence para obter o controle da Eldorado Celulose.
Poucos meses antes, em agosto, o próprio Toffoli tinha votado a favor de uma decisão do STF que permitiu que magistrados julguem casos em que as partes sejam clientes de escritórios de cônjuges, parceiros e parentes.
Enquanto o Brasil assiste passivamente à decisão de ministros, no exterior indícios de improbidade são motivo suficiente para impedir até o acesso ao mercado de capitais.
Desde novembro, parlamentares e lobistas dos EUA e do Reino Unido lideram o movimento “Ban the Batistas”, uma referência aos irmãos. A ação tem um único objetivo: “Bloquear o plano da JBS de se listar na New York Stock Exchange”.
Hoje, a companhia negocia seus papéis somente na B3, Bolsa de Valores de São Paulo. O plano é fazer uma dupla listagem para poder vender suas ações simultaneamente nos mercados nacional e internacional.
No entanto, o Senado dos EUA está alerta com a atuação da JBS no país. Junto do deputado Jamie Raskin, a senadora Elizabeth Warren cobrou que o Departamento de Agricultura dos EUA (USDA) considere impedir contratos entre a empresa e o governo norte-americano. Na carta, os parlamentares lembraram do “histórico de comportamento criminoso” da companhia. Também argumentaram sobre a necessidade de o departamento reduzir a má conduta no setor.
A JBS já estava sob escrutínio quanto ao seu histórico ambiental e suas práticas trabalhistas. Em 2017, sua holding admitiu ter subornado funcionários públicos brasileiros para assinarem investimentos para que pudesse expandir os seus negócios internacionalmente.
A J&F está entre as companhias que mais receberam recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) na política de “campeãs nacionais”, conduzida de 2008 a 2013 pelo governo Lula
Agenda verde contra a JBS
Nos Estados Unidos, a JBS atua por meio da marca Pilgrim’s Pride Corporation, que detém unidades de processamento de suínos e aves. Em janeiro, 12 parlamentares de diferentes partidos do bloco mandaram uma carta à Comissão de Valores Mobiliários dos EUA (SEC), órgão que regula o mercado imobiliário norte-americano.
No documento, os parlamentares “imploram” para que o pedido da oferta pública inicial de ações (IPO) de sua subsidiária JBS Foods seja rejeitado. Com isso, os políticos americanos querem deixar clara a mensagem de que “os EUA permanecem firmes em seu compromisso de combater as mudanças climáticas”.
Greenwashing
A JBS já enfrenta uma acusação da Procuradoria-Geral de Nova York pela prática de greenwashing — “lavagem verde”, que consiste na divulgação exagerada ou até mesmo falsa sobre ações de sustentabilidade.
A procuradora-geral Letitia James anunciou, no início de março, que entrou com uma ação judicial contra o braço norte-americano da JBS. Letitia alegou que, para aumentar as vendas, a empresa adulterou seu real impacto ambiental com “falsas alegações de sustentabilidade”.
Segundo o processo, “o maior frigorífico do mundo se comprometeu, em 2021, a reduzir a zero as suas emissões líquidas de gases de efeito estufa até 2040”. Mas a companhia nunca apresentou um plano de ação viável para atingir a meta.
“As empresas anunciam falsamente o seu compromisso com a sustentabilidade, enganam os consumidores e põem o nosso planeta em perigo”, sustentou a procuradora, em comunicado. “O greenwashing da JBS nos EUA explora o bolso dos norte-americanos comuns com a promessa de um planeta saudável.”
Em nota à imprensa norte-americana, a JBS disse discordar de tais alegações. Afirmou que continuaria o seu trabalho “para ajudar a alimentar uma população crescente, utilizando menos recursos e reduzindo o impacto ambiental da agricultura”.
Campeãs nacionais
Não foi com recursos próprios que a J&F se tornou uma potência mundial. Ela está entre as companhias que mais receberam recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) na política de “campeãs nacionais”, conduzida de 2008 a 2013 pelo governo Lula. Boa parte dessas companhias se envolveu em problemas judiciais.
Depois de ter acesso ao dinheiro do pagador de impostos, a empresa de telecomunicações Oi entrou com processo de recuperação judicial, não sem antes ter sido acusada de uma série de falcatruas: Joesley Batista sofreu busca e apreensão e foi alvo da Operação Lava Jato; e o grupo EBX, de Eike Batista, foi citado pelo pagamento de propina para obter recursos do FGTS.
A estratégia das “campeãs nacionais”, criada no segundo mandato do petista, era alavancar o desenvolvimento de determinadas empresas com potencial de ganhar projeção internacional. Essa iniciativa contava com o apoio do BNDES, do Banco do Brasil e dos fundos de pensão de estatais. O plano foi concebido como uma resposta à crise econômica de 2008. A ideia era utilizar o poder do Estado para fortalecer empresas brasileiras escolhidas a dedo pelo governo.
Através dos bancos públicos, o Estado emprestava dinheiro a uma taxa de juros subsidiada, ou seja, abaixo da praticada pelo mercado, e comprava ações e títulos da dívida dessas companhias, tornando-se sócio delas.
A holding da família Batista, que também controla a fábrica de celulose Eldorado Brasil, o Banco Original, a Alpargatas e o Canal Rural, recebeu dos cofres públicos R$ 12,8 bilhões de 2002 a 2013, segundo o site Contas Abertas. O grupo teve acesso, ainda, a recursos da União, como o Fundo de Investimentos do FGTS (FI-FGTS).
Em julho de 2016, no âmbito da Operação Sépsis, um desdobramento da Lava Jato, a Eldorado Brasil, em São Paulo, e a casa de Joesley Batista foram alvo de busca e apreensão da Polícia Federal (PF).
Em meio às investigações, o ex-vice-presidente da Caixa, Fábio Cleto, responsável pela gestão do FI-FGTS, confessou em delação premiada que a Eldorado pagou propina a ele e ao então presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), para obter recursos no valor de R$ 940 milhões do fundo de investimentos.
Em nota dirigida a seus acionistas e ao mercado, a JBS alegou que nem a empresa nem seus executivos são alvo ou estão relacionados com a operação da PF.
Paper Excellence
Em setembro de 2017, a empresa deu início à maior disputa empresarial da história do Brasil. Naquele ano, a Paper Excellence firmou contrato com a J&F para adquirir a totalidade das ações da Eldorado Celulose por R$ 15 bilhões. A transferência dos papéis, assim como o pagamento, seria gradativa e dentro do prazo de um ano.
Mas, no momento da transferência dos 50,59% restantes das ações da J&F para a Paper, o que daria à companhia estrangeira o controle total da empresa, começou um imbróglio que já dura sete anos.
Em abril de 2018, sete meses depois da assinatura do contrato com a Paper, seus dirigentes perceberam mudanças na relação com os vendedores. Isso atrasaria o cumprimento dos prazos. Inconformada — e pressionada, porque a transferência se encerraria em 2 de setembro de 2018 —, a Paper entrou com uma ação no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) para que o contrato fosse cumprido. Nele havia uma cláusula arbitral que direcionava a cortes internacionais de arbitragem qualquer diferença entre as partes.
Em meio ao impasse, muitos questionaram se houve ingenuidade do dono da Paper, o bilionário indonésio Jackson Widjaja, de 44 anos, por fazer negócios com um grupo envolvido em denúncias de corrupção e propina. A resposta do comando da Paper era que, nos bastidores, os irmãos Batista eram considerados deal makers (“cumpridores de acordos”) em negócios privados.
Em setembro de 2018, o TJ-SP determinou a utilização da cláusula arbitral. E entendeu a competência do Tribunal Arbitral da Câmara de Comércio Internacional (ICC) para julgar o conflito.
A J&F perdeu a causa e pediu a anulação da decisão da ICC. Na Justiça, a juíza Renata Maciel, da 2ª Vara Empresarial e de Conflitos de Arbitragem, negou o pedido da multinacional brasileira.
Contrariada, a J&F ingressou com outra ação no TJ-SP para tentar anular a decisão. Segundo informações obtidas por Oeste, a Eldorado está atuando no processo como parte interessada ao lado da holding. Procurada pela reportagem, a J&F não se manifestou.
Defesa dos sonhos
A J&F tem contratado nomes influentes na tentativa de fazer a Justiça brasileira decidir em seu favor. Pouco antes de assumir seu posto no Supremo Tribunal Federal (STF), Cristiano Zanin, advogado do presidente Lula na Lava Jato, fazia parte da defesa da J&F contra a Paper.
Como uma dança das cadeiras, em 2023, logo depois de deixar o cargo no STF (espaço que foi ocupado por Zanin), o ex-ministro da Corte e atual ministro da Justiça Roberto Lewandowski obteve autorização para voltar a advogar e entrou para a defesa da J&F.
Como ministro do STF, Lewandowski julgou casos que envolvem a J&F. Em um deles, o magistrado determinou a suspensão de um processo contra a empresa no Tribunal de Contas da União (TCU) que pedia ressarcimento de R$ 670 milhões em reparação por supostas irregularidades.
De acordo com o jornal O Globo, a remuneração de Lewandowski para o caso da Paper foi de R$ 800 mil — o valor dobraria em caso de êxito. Além disso, o jornal afirmou que ele receberia R$ 250 mil mensais, por dois anos, para prestar consultoria à J&F. Seu primeiro trabalho fora do STF seria buscar reverter as decisões judiciais desfavoráveis ao cliente.
Ao anunciar Lewandowski como novo ministro da Justiça, em fevereiro, Lula celebrou. “Sabia das atividades privadas dele, conheço a família dele”, disse. “Ganha o Ministério da Justiça, ganha o Supremo, ganha o povo brasileiro.”
Em sua nova posição, espera-se que Lewandowski abra mão da disputa bilionária para cumprir a Lei de Conflitos de Interesses, que impede que ministros de Estado atuem como consultores ou assessores de interesses privados em qualquer um dos Poderes da União.
Não se sabe ainda o que Lewandowski decidirá. Mas os irmãos Batista já descobriram que, nas cortes dos chamados países de Primeiro Mundo, não há um Zanin, um Gilmar Mendes ou um Luís Roberto Barroso. Muito menos um Toffoli.
Leia também “Os irmãos Batista atacam de novo”
O Pacheco têm de receber impeachment e imediatamente após impeachment tambem para 9 dos STF. Tudo sem deixa-los reagir, pois suas reações é que mantém esse estado indecente de situações absurdas. Impeachment já!
Toca fogo no BNDES e bota tudo no xadrez Marta suplicy ia todo mês buscar 200 mil lá na mansão de Joesley pra campanha mesmo não tenho campanha, ela agora é do MDB, como se isso mudasse alguma coisa
Sempre admirei a Oeste pela qualidade de seus artigos e de seus autores, mas esse contém alguns erros básicos que demonstram a falta de uma rápida revisão antes de sua publicação. A SEC é responsável pelo mercado mobiliário e não imobiliário. O nome do atual ministro da justiça é Ricardo e não Roberto. Oeste, por favor mantenha a qualidade editorial!
aqui eles zombam de todos nós, diariamente.
lá a mão da justiça não perdoa.
que sejam atingidos lá, pelo menos.
Impressionante como a JBS é ”enlameada” na corrupção.
Os brasileiros precisa ser mais atentos a isso, e não consumir produtos advindos desta quadrilha. Friboi, El Dourado, Alpargatas, e outros.
Os ministros da mais alta corte brasileira, sendo nove entre os onze, não tem pudor nenhum em arbitrar favoravelmente para corruptos convessos, usando de suas capas pretas como se advogados da ação judicial fossem. Diante de tantos arbítrios praticados por essa corja podemos concluir que a justiça no Brasil foi para o ralo.
É insano! Estamos ficando bem à frente do México na questão do envolvimento dos tribunais, legislativo e executivo com o crime organizado.
Infelizmente um artigo desses, não chega para a grande maioria de brasileiros, inclusive pessoas alfabetizadas e com boas intenções. Mas, estão preocupadas com a “falsificação” de um comprovante de vacina…….
Mais um Rivotril…aff!
Mais um Rivotril…aff!
Myllena, excelentes informações sobre essa cambada criminosa, e gostaria que você proporcionasse aos leitores da Revista Oeste a farsa da delação premiadíssima forjada e fajuta desses criminosos em 2017 contra o governo do presidente Temer, envolvendo até procuradores nessa armação que sem qualquer pericia nas gravações foi homologada por FACHIN e ardorosamente defendida por Barroso, quando questionada no STF. Foi algo cinematográfico o que fez o quarteto formado JANOT/JOESLEY/FACHIN e GLOBO naquela insana perseguição à um governo que além da reforma trabalhista, tinha a reforma da previdência praticamente aprovada em Maio/17. O presidente Temer só não caiu porque era um excelente articulador no Congresso e doutor em Direito Constitucional, para dizer “não renunciarei”.
Creio que essa historia bem explorada poderá nos revelar os interesses buscados pelas autoridades envolvidas (notoriamente petistas), para gravar somente Temer e Aécio Neves e não Lula e Dilma que constavam também de suas delações. A Globo não se conteve e repetidas vezes mostrava um sujeito saindo de uma pizzaria com uma maleta de R$500 mil, que seriam semanais durante 25 anos.
Millena, recomendo buscar na internet vídeo da UOL em 20/05/2017 quando Temer da esclarecimentos a nação sobre essas figuras envolvidas nessa farsa.
No Brasil, se você não é uma pessoa equilibrada, com fé e valores sólidos, você perde as estribeiras ao ver tanto absurdo, em todo tipo de esfera!
Uma verdadeira vergonha, como podem usar nosso dinheiro para tanta fraucaturas.
Milhares de aposentados da Caixa, eu entre eles, seremos diretamente atingidos pelo perdão concedido à J&F, que deve à Funcef mais de 1 bilhão de reais.
Se fazem parte das amizades do Stalinácio, fazem parte da quadrilha e agem como quadrilha. Tomara que outros países percebam as malandragens apoiadas pela nossa justiça, aliás, a justiça que é amiga só dos integrantes e amigos do desgoverno.
Ótimo artigo !