Em um de seus primeiros votos como ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Flávio Dino teve a chance de realizar um desejo do seu antigo partido, o PSB. Para a sigla, era uma prioridade que as chamadas “sobras eleitorais” valessem também para as eleições de 2022.
Os ministros da Corte julgavam justamente isso naquela votação. Ações protocoladas pelos partidos Rede Sustentabilidade, Podemos e PSB, do qual Dino havia se desfiliado dez dias antes, contestavam trechos da minirreforma eleitoral de 2021. A reivindicação dos partidos era que essas alterações na distribuição das vagas aos deputados fossem retroativas.
Se isso ocorresse, o PSB ganharia mais um deputado federal para a Câmara. Este substituiria um dos sete deputados que teriam as suas eleições anuladas por não atingirem quociente eleitoral.
Pelo fato de Dino já ter, como político, se envolvido na questão, o voto dele como ministro do STF deu margem para a afirmação de que houve conflito de interesses. A tese defendida por Dino foi derrotada por 6 a 5. Mas seu voto poderia ter sido decisivo.
No dia seguinte, Dino também votou pela condenação de réus no ato de 8 de janeiro, que ocorreu quando ele era ministro da Justiça e Segurança Pública. E sobre o qual sua atuação ainda é questionada.
Essa espécie de distorção, marcada pelo envolvimento dos julgadores e que suscita dúvidas, é algo que tem se repetido em várias votações de ministros do Supremo.
Basta lembrar, por exemplo, da decisão, em caráter monocrático, do ministro José Antonio Dias Toffoli de suspender, no fim do ano passado, a multa de R$ 10,3 bilhões do acordo de leniência do grupo J&F, assinado com o Ministério Público Federal em 2017.
O parecer já poderia ser questionado apenas pelo lado político, em função dos altos valores obtidos pela empresa, grande parte deles admitidos pelos donos Wesley e Joesley Batista, por meio de irregularidades.
Além disso, o fato de Roberta Rangel, mulher de Toffoli, advogar para a J&F na briga jurídica com a Paper Excellence pelo controle da Eldorado Brasil Celulose coloca a decisão ainda mais em xeque.
Até no futebol
Em janeiro, esse tipo de polêmica chegou ao futebol. Uma liminar concedida, também em caráter monocrático, pelo ministro Gilmar Mendes reconduziu o presidente da CBF, Ednaldo Rodrigues, ao cargo.
Ele havia sido afastado depois de o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro anular o pleito que o elegeu. Mendes aceitou ação de inconstitucionalidade do PCdoB e determinou que Ednaldo retornasse.
O ministro não se declarou impedido de atuar no julgamento, mesmo sendo proprietário do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa, que em agosto de 2023 assinou um contrato de parceria com a CBF para realizar cursos na CBF Academy.
Também o ministro Alexandre de Moraes tem se deparado com esse tipo de acusação, em meio à investigação sobre a suposta tentativa de golpe do ex-presidente Jair Bolsonaro e de seus aliados.
Isso porque o próprio Moraes já se disse alvo de ameaças feitas por investigados, o que, para muitos, deveria deixá-lo impedido de julgar o caso. O argumento é que, sob esse tipo de pressão, fica muito difícil para um magistrado separar a razão da emoção nas deliberações.
“Esses casos parecem ter em comum a proibição do artigo 145, inciso IV, do Código de Processo Civil (CPC), que diz que há suspeição do juiz quando ele é ‘interessado no julgamento do processo em favor de qualquer das partes'”, diz o jurista Deltan Dallagnol, ex-procurador da República. Oeste enviou questionamentos aos ministros citados, mas não obteve resposta até a conclusão desta reportagem.
“Essa regra se aplica igualmente ao processo penal por força do artigo 3º do CPC. No caso específico de Moraes, que se considera vítima dos crimes, estaria impedido de acordo com o artigo 252, inciso IV, do Código de Processo Penal, que é uma regra objetiva.”
Uma das figuras de maior relevância nas investigações da Operação Lava Jato (2014-2021), Dallagnol foi eleito deputado federal com maior número de votos no Paraná.
Foi, porém, cassado em junho de 2023, quatro meses depois de assumir, por ação de partidos de esquerda que o acusaram de deixar o cargo de procurador antes do resultado de processos que poderiam torná-lo inelegível.
A cultura do abuso de poder
Dallagnol lembra que o próprio STF se valeu da tese de conflito de interesses em outras votações, como a que anulou as investigações da Lava Jato por suspeitas em relação à conduta do então juiz Sergio Moro.
“No julgamento da suspeição do juiz Sergio Moro, o Supremo teve que fazer várias ginásticas mentais e interpretativas para dizer que Moro era parcial e suspeito, pelo ‘conjunto da obra'”, afirma o ex-procurador. “Mas eles nunca se declaram impedidos ou suspeitos para julgar, tampouco julgam a suspeição dos colegas, sendo que em cada um dos exemplos mencionados há hipóteses claras de quebra de parcialidade, seja ela subjetiva ou objetiva [percepção de parcialidade].”
O próprio STF tem buscado acabar com a discussão, mas de maneira inversa. Em vez de fortalecer o controle para evitar abusos, tem procurado abrir caminho para os juízes votarem em situações polêmicas.
Exemplo disso foi a invalidação, em agosto último, da regra do CPC que impede o juiz de votar nos processos em que a parte for cliente de escritório de advocacia de cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo.
O conflito de interesses, pelo que afirma Dallagnol, requer acima de tudo um arcabouço moral que serve como referência. Para ele, o descaso em relação a esse tema tem refletido uma característica cada vez mais enraizada na Justiça do Brasil.
“Isso se deve a uma cultura de abuso de poder”, afirma Dallagnol. “Os donos do poder fazem o que querem, praticam corrupção, violam as regras, cometem arbítrios, e nada acontece com eles. Nas mãos dos poderosos, o Direito é um instrumento político de realização de suas vontades. A Lava Jato foi o primeiro movimento que buscou romper isso e estabelecer o império da lei.”
Para Dallagnol, a falta de um verdadeiro Estado de Direito é o pano de fundo para esse cenário. “Sem isso, não há segurança jurídica, essencial para atrair investimentos nacionais e estrangeiros”, observa ele. “E investimentos são essenciais para o desenvolvimento econômico.”
Dallagnol cita como exemplo a última pesquisa Quaest, segundo a qual 74% dos brasileiros acreditam que o STF incentiva a corrupção ao anular casos da Lava Jato.
“A legitimidade do Poder Judiciário está assentada na percepção de que juízes decidirão de forma técnica, com base nas provas, nos fatos e na lei, e de que o julgador é imparcial e distante das partes.”
Gilmar Mendes, comentarista
A Suprema Corte norte-americana enfrentou uma situação que levou a instituição a adotar, em novembro de 2023, o seu primeiro Código de Ética. Dois meses antes, o juiz Clarence Thomas foi flagrado recebendo presentes e viagens de luxo de amigos bilionários. Ele admitiu o fato.
O episódio que envolveu Thomas foi considerado um escândalo. O que mostra que, nos Estados Unidos, há um cuidado muito maior em relação ao conflito de interesses, conforme diz Dallagnol.
A falta de cumprimento das regras de suspeição e impedimento, que garantem a imparcialidade da Justiça, poderia ser compensada com uma fiscalização do Senado
“Há orientações para que os juízes não se deixem influenciar por relações familiares, sociais, políticas e financeiras na hora de decidir, além de restrições na hora de aceitar presentes”, afirma o ex-procurador.
“Além disso, nos EUA seria inaceitável fazer o que alguns ministros do Supremo fazem aqui, como Gilmar Mendes, que é quase um comentarista político, dá entrevistas o tempo inteiro, fala fora dos autos e antecipa opiniões sobre os casos que ele vai julgar.”
Sistema disfuncional
Mesmo como órgão jurídico supremo, há formas de frear eventuais desmandos do STF.
Segundo Dallagnol, a falta de cumprimento das regras de suspeição e impedimento, que garantem a imparcialidade da Justiça, poderia ser compensada com uma fiscalização do Senado. A Casa, entre outras atribuições, é responsável por analisar processos de impeachment de ministros do STF em caso de abuso.
“Contudo, nosso sistema está disfuncional, o Senado não cumpre seu papel. Por quê?” O próprio ex-procurador dá a resposta: “Principalmente em razão do foro privilegiado: mais da metade dos senadores têm processos em curso no Supremo e têm tanto interesse em favorecimento como medo de retaliações”.
A questão é mesmo delicada, segundo o advogado Alexandre Rollo, doutor em Direito das Relações Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. E sempre tem gerado polêmica em relação ao STF.
“No mensalão [2005], por exemplo, um ministro que havia sido assessor de determinado réu não reconheceu o seu impedimento para julgá-lo”, destaca o advogado. “Mais recentemente, no chamado ‘Inquérito do Fim do Mundo’ [das fake news], o STF preside o inquérito, conduz as investigações e é vítima ao mesmo tempo.”
Para Rollo, o fato de o Supremo ser a última instância contribui para o problema.
“O problema é que na primeira instância, por exemplo, quando um juiz adota essa conduta, há recurso para as instâncias superiores”, lembra o jurista. “No STF acaba não havendo limites ao poder dos ministros, o que é algo muito ruim.”
Ele considera que, do ponto de vista da legislação, existem formas de controle, mas uma mudança depende muito mais da iniciativa dos magistrados. “O problema é que, em muitos aspectos, o STF se coloca acima da lei”, observa Rollo. “Haveria necessidade de uma reflexão e mudança de algumas posturas internamente, no próprio STF.”
Sociedade amadurecida
Especialista em mediação, o professor franco-brasileiro Yann Duzert, da Rennes School of Business, também considera importante a presença de um agente de contenção para evitar abusos.
“Uma comissão de ética dentro do próprio órgão, com ferramentas que possibilitem uma análise imparcial dos próprios colegas, seria uma solução interessante”, avalia Duzert, coautor do livro Conflito de Interesses e Serum Anticorrupção: Soluções Concretas Contra a Corrupção e Para Proteger a Sua Marca (Editora Alta Books).
“Ela teria a atribuição de alertar e até impedir a ocorrência de votações com conflitos de interesses. A transparência deve pautar todo o processo, antes, durante e depois do julgamento.”
O conflito de interesses, segundo Duzert, é um conceito que permeia toda a sociedade. Desde o funcionário até o dono de uma empresa. Está presente em todas as atividades profissionais. Os próprios cidadãos se deparam com essa questão diariamente.
“O objetivo não é buscar bodes expiatórios; afinal, se levarmos à risca tudo, um filho de político não poderia trabalhar em lugar nenhum. Também não deve ser assim”, acrescenta. “O que é necessário, em cada um desses casos, inclusive no STF, são três componentes: a conscientização pessoal, a legislação e a transparência, porque, quando não há legislação específica, um processo ou uma atitude transparente é determinante para evitar distorções.”
No que diz respeito à conscientização pessoal, o importante é saber discernir até onde é legítimo defender o próprio interesse e quando é necessário deixá-lo de lado para não prejudicar um grupo.
“Nosso dia a dia é pautado pelo conflito de interesses. Quanto mais amadurecida é uma sociedade, melhores são as maneiras de lidar com esse tipo de impasse.”
O que falta no Brasil é justamente aperfeiçoar essa tríade necessária tanto no sistema político quanto na convivência da sociedade. “No Brasil, ainda não há mecanismos suficientemente desenvolvidos no que diz respeito à conscientização, à legislação e à transparência. É isso que está faltando.”
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Esses caras do STF não são ministros de nada, isso é uma túia de ladrão comunista terrorista narcotraficante genocida e o governo Lula é igualzinho à eles e não dão satisfação a ninguém. Resta saber se o povo brasileiro vai ficar esperando que venha uma modificação pela fé
Brasília se assemelha a um incesto coletivo…
O nosso foco deve ser o Senado em 2026, para enfim colocar um freio nos desmandos do STF.
Com as urnas smartimatic da venezuela, Candido?
Apenas uma palavra: CAMARILHA!
O Poder Judiciário no Brasil, principalmente nas cortes superiores transformou-se em um verdadeiro bordel.
A escolha nos ultimos anos não é pelo conhecimento jurídico mas pelo papel político. Infelizmente, para o povo e felizmente para os ricos e poderosos.