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A Polícia Federal simplesmente perdeu a admiração de boa parte da população | Foto: Reprodução/Redes Sociais
Edição 207

Polícia acima da lei

Operações da PF têm desrespeitado a Constituição e levado a instituição a extrapolar a Justiça e até o próprio governo

Eugenio Goussinsky
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Entre 2014 e 2018, os brasileiros se acostumaram a acordar pela manhã com o estrondo de notícias espetaculosas sobre operações da Polícia Federal (PF). A Lava Jato, que desmantelou o maior esquema de corrupção da história do país, deu à PF o status de celebridade. Em 2017, a corporação chegou a ser aplaudida de pé pelo público que assistia à comemoração do 7 de Setembro em Brasília. Em 2023, contudo, os agentes da PF nem sequer deram as caras no desfile do Dia da Independência na Esplanada dos Ministérios.

A Polícia Federal simplesmente perdeu a admiração de boa parte da população. Impulsionada pela megalomania de ministros do Supremo Tribunal Federal, a corporação adquiriu uma independência que descambou para o descontrole. Enquanto o Supremo joga a isca com os mandados, a PF os cumpre da forma que lhe é conveniente. Como se tivesse um salvo-conduto para agir por conta própria. E muitas vezes passa do limite.

“A Polícia Federal é uma polícia do Estado, não do governo, e muito menos do Poder Judiciário”, afirma o advogado Fábio Tavares Sobreira, professor de Direito Constitucional e pós-graduado em Direito Público. “Deve observar, principalmente, as regras processuais. Uma delas é não instaurar inquéritos de ofício, ou seja, não abrir inquérito de maneira autônoma.”

Esta nova fase da Polícia Federal tem um novo protagonista: o diretor-geral Andrei Augusto Passos Rodrigues. Nomeado por Flávio Dino em janeiro de 2023, ele caiu nas graças do novo ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, e se manteve no cargo. Nascido em Pelotas (RS), Andrei ocupou, entre outros cargos, o de chefe de segurança de Dilma Rousseff na campanha à Presidência em 2010. Também foi o responsável pela segurança de Lula durante as eleições de 2022.

Andrei Augusto Passos Rodrigues, diretor-geral da Polícia Federal, nomeado por Flávio Dino em janeiro de 2023 | Foto: José Cruz/Agência Brasil

Exemplos do novo modus operandi da Polícia Federal ocorreram em janeiro. Num intervalo de sete dias, a corporação revirou os escritórios dos deputados Alexandre Ramagem (PL-RJ), ex-chefe da Agência Brasileira de Inteligência, e Carlos Jordy (PL-RJ), líder da oposição na Câmara. A ação ocorreu durante o recesso do Congresso.

No mês passado, foi a vez de a PF investigar uma suposta tentativa de golpe do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Em 8 de fevereiro, agentes federais foram à casa de veraneio do ex-chefe do Executivo, em Angra dos Reis (RJ), e apreenderam diversos bens. Recolheram o celular de um dos assessores do PL, Tércio Arnaud Thomaz, que passava férias ali, e exigiram que Bolsonaro entregasse seu passaporte.

De lá para cá, seguiram-se mais fases da operação contra Bolsonaro e seus aliados. Em todas, a PF buscou a tão procurada prova que iria incriminar Bolsonaro e justificar todas as prisões arbitrárias ocorridas até agora. A prova ainda não apareceu.

“Tais operações não passam de verdadeiras pescas probatórias, que visam a realizar investigações especulativas indiscriminadas, sem objeto certo e determinado”, resume Sobreira, referindo-se aos aspectos legais do processo. “O único objetivo do uso desse mecanismo, incompatível com o Estado de Direito, é pescar qualquer prova que venha a subsidiar uma futura acusação.”

Segundo a defesa do ex-presidente, Bolsonaro foi perguntado se seria “cis” ou “trans” — termo usado para se referir a pessoas transexuais — e não soube responder, por desconhecer o que é “cisgênero”. O questionamento aconteceu ainda no início do depoimento, logo que o ex-presidente chegou à sede da Polícia Federal, em Brasília. Quando foram feitas as perguntas relacionadas à investigação, o político optou por ficar em silêncio.

Jornalista vira alvo

No dia da manifestação na Avenida Paulista, que teve a presença de 750 mil pessoas, o jornalista Sérgio Tavares foi retido ao entrar no Brasil pelo Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos. Segundo a Polícia Federal, Tavares informou na imigração que veio ao país para um evento de apoio a Bolsonaro. Para isso, argumentou a corporação, seria necessário um visto de trabalho.

A PF alegou em nota que o procedimento é padrão. “Tal indivíduo teria publicado em suas redes sociais que viria ao país para fazer a cobertura fotográfica de um evento”, declarou a corporação. Tavares ficou quatro horas detido, até ser liberado e se dirigir ao evento. Durante o interrogatório, a PF indagou o jornalista sobre comentários que ele teria feito em relação à democracia brasileira.

No dia seguinte, o advogado do jornalista, Eduardo Borgo, contestou a afirmação da PF e disse que, pelo fato de Tavares ter vindo ao Brasil de forma independente, sem remuneração de nenhuma empresa brasileira, o visto de trabalho não era necessário.

Tal enxurrada de prisões, apreensões e desmandos foi um dos motes da manifestação na Avenida Paulista. A pauta: a defesa do Estado Democrático de Direito

Borgo lembra que o artigo 5º, inciso LXI, da Constituição Federal garante que “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei”.

“Se a intenção fosse questionar o visto de trabalho, a detenção poderia ter ocorrido já na imigração”, argumenta o advogado. “Porém, ele foi levado à delegacia da PF. O próprio delegado não sabia os motivos da detenção. Está evidente que o cerceamento de liberdade estava ligado às manifestações do jornalista em suas redes sociais, tanto que as perguntas do delegado foram nesse sentido.”

Sem base legal

A tentativa de formar um cerco a Bolsonaro teve prosseguimento dois dias antes da manifestação na Avenida Paulista. Em depoimento à PF sobre a suposta importunação de uma baleia em São Sebastião, em junho de 2023, Bolsonaro foi surpreendido ao preencher um questionário. Um dos tópicos pedia que o ex-presidente informasse se ele era cisgênero. A terminação é usada para pessoas que se identificam com o sexo com que nasceram (o oposto de “transgênero”).

Essa conduta segue as diretrizes do governo Lula para políticas LGBT+. Não se trata de uma lei, de modo que a aplicação do questionário sobre o gênero dos depoentes é uma decisão da Polícia Federal.

Outra ação abusiva ocorreu durante as investigações do tumulto, em julho de 2023, que envolveu o ministro Alexandre de Moraes, do STF, seu filho Alexandre Barci, e uma família no Aeroporto de Roma. A PF quebrou o sigilo do advogado Ralph Tórtima, que trabalha na defesa dos supostos autores do que teria sido uma agressão.

No dia 20 de fevereiro, o ministro Dias Toffoli (STF), relator do processo, determinou, a pedido da Ordem dos Advogados do Brasil, que fossem retirados do inquérito os diálogos entre Tórtima e seu cliente. A conversa havia sido incluída no relatório da PF, assinado pelo delegado Hiroshi de Araújo Sakaki, responsável pelo caso. 

“A conversa entre o advogado e o seu cliente não poderia ser divulgada nunca, muito menos contada nos autos”, afirma o jurista Ives Gandra da Silva Martins. “Tanto isso é verdade que o ministro Toffoli, na dúvida, retirou dos autos. Se mantida fosse, iria violentar o direito de defesa.”

O jurista acusa a falta de transparência nessa investigação, já que o ministro Alexandre de Moraes não liberou até agora as imagens do ocorrido, captadas e enviadas pela administração do aeroporto. 

Não houve indiciamento, mas o relatório policial concluiu que o empresário Roberto Mantovani Filho cometeu injúria real contra Barci. As imagens em posse da PF não foram divulgadas. E o delegado Sakaki destacou que a gravação não possui áudio, o que “compromete a plena elucidação dos fatos”, em razão da divergência dos depoimentos.

“Tenho a impressão de que, até para que não pairasse dúvida nenhuma, o vídeo deveria ser apresentado”, observou Gandra Martins. “Para toda a população. Como houve, digamos, uma notícia jornalística, todos os jornais do Brasil anunciaram, todos tomaram conhecimento, o vídeo, se fosse disponibilizado no país inteiro, facilitaria para entender o que realmente aconteceu.”

alexandre de moraes - pf - aeroporto de roma
O empresário Roberto Mantovani (de camisa verde), um dos acusados, ao lado de Alexandre Barci de Moraes, filho do ministro Alexandre de Moraes | Foto: Reprodução
Enxurrada de desmandos

Tal enxurrada de prisões, apreensões e desmandos foi um dos motes da manifestação na Avenida Paulista. A pauta: a defesa do Estado Democrático de Direito e das liberdades garantidas na Constituição Federal de 1988.

“Levo pancada desde antes das eleições de 2018”, afirmou Bolsonaro, durante a manifestação. “Passei quatro anos perseguido como presidente, e essa perseguição aumentou sua força quando deixei a Presidência. É joia, importunação de baleias, dinheiro que teria sido mandado para fora do Brasil, é tanta coisa que eles acabam trabalhando contra si.”

A multidão que coloriu a Paulista de verde-amarelo em 25 de fevereiro se assemelha à dos tempos da Lava Jato, quando, em meio às investigações de corruptos, o povo clamava por mudanças. Esse mesmo sentimento permanece na população, embora o STF suspenda multas de acordos de leniência e questione as provas da Lava Jato. Quem parece ter mudado de postura é a Polícia Federal.

“Na Lava Jato, tivemos confissões, delações premiadas e devolução de muito dinheiro”, afirma Borgo. “A decisão do juiz Sergio Moro foi ratificada nos tribunais superiores, e até foi aumentada a pena em algumas situações. Portanto, havia a presunção de que a ordem emanada pelas autoridades eram legais, devendo ser cumpridas.”

O advogado sustenta que a situação atual é diferente da verificada na época da Lava Jato. Isso porque o STF não tem competência para investigar e condenar pessoas sem foro privilegiado.

“A PF, nesse sentido, assumiu um papel que não é dela”, ressalta Borgo. “Está evidente que as ações adotadas pelo STF e pela PF têm caráter político, sem amparo legal.”

O ex-presidente Jair Bolsonaro, com o braço erguido para o público, durante uma manifestação popular
“Levo pancada desde antes das eleições de 2018”, afirmou Bolsonaro, durante a manifestação | Foto: Rodri Terra/Revista Oeste

Leia também “Jornalista português conhece nossa democracia”

12 comentários
  1. Francisco de Assis
    Francisco de Assis

    No Brasil a máxima de 5 anos prá cá é, licença para transgredir as leis e o estado democratico de direito
    para aqueles que se sentem donos do poder.
    Isto tem que parar, isto tem que ter um fim!

  2. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
    Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

    Andrei Rodrigues, chefe da PF, é comunista da mesma laia do Flavio Dino. Assim como Antonio Oliveira da PRF.

  3. RICARDO TEIXEIRA DA CRUZ RIOS
    RICARDO TEIXEIRA DA CRUZ RIOS

    A Polícia Federal foi cooptada por Lula.

  4. Celso Ricardo Kfouri Caetano
    Celso Ricardo Kfouri Caetano

    Instituições que perderam a credibilidade no Brasil quando deveriam ser o bastião do povo: Judiciário, PF, Legislativo, Executivo e Forças Armadas….ou seja estamos á deriva.

  5. DONIZETE LOURENCO
    DONIZETE LOURENCO

    O sistema transformou a PF em SS que hoje atua como polícia política.
    Na esfera judicial sobrou apenas o STF que é vítima, delegado, investigador, promotor e juiz da causa, atendendo aos desejos de um único ator: Alexandre de Moraes.
    Tempos estranhos estes que estamos vivendo.
    A acusação, o processo, a investigação, a denúncia e a sentença não é mais pronunciada na estância correta.
    Pessoas sem foro de função foram jogadas na arena do STF e submetidas a julgamentos em lotes de forma sumária.
    Nem os governos militares de 1964-1985 ousaram tanto.

  6. CARLOS ALBERTO DE MORAES
    CARLOS ALBERTO DE MORAES

    Se a Lava Jato esta sendo cancelada, por erros processuais, esse processo de 8/1 tem que ir para o mesmo caminho. Esta claro que a delação do Cid foi feita sob tortura psicológica.

  7. Emilio Sani
    Emilio Sani

    PF virou stasi, mas espero ansiosamente para ver a briga Dino X Xandão, afinal, não existe espaço num só stf para dois ditadores…creio que o psicopata tem uma certa vantagem sobre o comunista, vamos ver

  8. James
    James

    Essa situação social me lembrou do :

    DECÁLOGO DE LENIN

    I . Corrompa a juventude e dê-lhe liberdade sexual;

    II. Infiltre e depois controle todos os veículos de comunicação de massa;

    III. Divida a população em grupos antagônicos, incitando-os a discussões sobre assuntos sociais;

    IV. Fale sempre sobre democracia e em Estado de Direito, mas, tão logo haja oportunidade, assuma o poder sem nenhum escrúpulo;

    V. Colabore para o esbanjamento do dinheiro público;

    VI. Coloque em descrédito a imagem do país, especialmente no exterior e provoque o pânico e o desassossego na população por meio da inflação;

    VII. Promova greves, mesmo ilegais, nas indústrias vitais do país;

    VIII. Promova distúrbios e contribua para que as autoridades constituídas não as coíbam;

    IX. Contribua para a derrocada dos valores morais, da honestidade e da crença nas promessas dos governantes. Nossos parlamentares infiltrados nos partidos democráticos devem acusar os não-comunistas, obrigando-os, sem pena de expô-los ao ridículo, a votar somente no que for de interesse da causa socialista;

    X. Procure catalogar todos aqueles que possuam armas de fogo, para que elas sejam confiscadas no momento oportuno, tornando impossível qualquer resistência à causa.

    ESTÁ ESCRITO O MÉTODO !

  9. MNJM
    MNJM

    PF está desmoralizada fazendo perseguição política, cumprindo ordens de um tirano.

  10. Joao Pita Canettieri
    Joao Pita Canettieri

    *GUARATINGUETÁ SP Terra de Frei Galvão, Presidente Rodrigues Alves, Dr. Zerbini, Dilermando Reis, Visconde de Guaratinguetá e outros. Agora temos o JOÃO de Guaratinguetá preso em Brasília* *08.01.23*

  11. Joao Pita Canettieri
    Joao Pita Canettieri

    *GUARATINGUETÁ SP Terra de Frei Galvão, Presidente Rodrigues Alves, Dr. Zerbini, Dilermando Reis, Visconde de Guaratinguetá e outros. Agora temos o JOÃO de Guaratinguetá preso em Brasília* *08.01.23*

  12. Joao Pita Canettieri
    Joao Pita Canettieri

    *GUARATINGUETÁ SP Terra de Frei Galvão, Presidente Rodrigues Alves, Dr. Zerbini, Dilermando Reis, Visconde de Guaratinguetá e outros. Agora temos o JOÃO de Guaratinguetá preso em Brasília* *08.01.23*

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