Fim de novela

Deu pena a perplexidade dos militantes da mídia quando foi anunciada a solução final para o caso Marielle. Mais pena ainda dos movimentos convictos da culpa de Bolsonaro e todas as suas rimas e palavras de ordem. Investiram numa grande campanha, não exatamente pela elucidação do crime, mas por incriminar Bolsonaro e sua família. Usaram Marielle.

Durou seis anos. Foi um longo tempo. Mais que uma daquelas novelas inacabáveis. Mas acabou. Na partitura do fundo musical da novela havia o sinal “da capo“. Para assinalar que o final já estava lá no começo, e agora basta repetir os acordes e a letra. O então ministro da Justiça e Segurança Pública, a que se subordina a Polícia Federal, hoje senador Sergio Moro, lembra. Ele postou no X que em 2019 já aparecia o nome do mandante e o motivo. O governo na época quis terminar logo com a agonia e propôs que a Polícia Federal assumisse o caso, para redigir o último capítulo da novela.

Era uma questão fundiária de Jacarepaguá e adjacências, mas a campanha a converteu em luta pela democracia da esquerda contra o fascismo e pelo LGBT, feminismo e ideologia de gênero. Cabia tudo

Mas a reação foi imediata: “Bolsonaro quer conduzir sob seu interesse, para encobrir os responsáveis e acabar logo com essa campanha que tem a força dramática de um corpo de mulher assassinada? Perder a força dos ingredientes de feminismo, LGBT? Jamais. Não; deixem a Polícia Civil do Rio conduzir a novela, sob a batuta do delegado Rivaldo Barbosa”. Na partitura estava o sinal de “ralentare“. Nem Félix Caignet, de O Direito de Nascer, faria melhor.

E durou seis anos desde o assassinato, em março de 2018. Os Brazão já estavam citados — notaram que o nome deles parece um aumentativo de “Brasil”? O país da mistura de crime com política. Foi fácil eles permanecerem ocultos, o jornalismo investigativo não se interessou, porque o alvo eram os Bolsonaro. Mas a mídia noticiou que um miliciano, assassino de Marielle, fora à casa dos Bolsonaro em um condomínio na Barra da Tijuca. Por 300 semanas se insinuou nas redes sociais, na TV e nos jornais que o sobrenome Bolsonaro bordejava o assassinato de Marielle como a faca de Adélio tangenciou os órgãos vitais do candidato naquele mesmo ano de 2018. Mas não dá para comparar os dois casos. Um brigava pelo território da zona oeste do Rio; o outro queria o território inteiro do Brasil.

Era uma questão fundiária de Jacarepaguá e adjacências, mas a campanha a converteu em luta pela democracia da esquerda contra o fascismo e pelo LGBT, feminismo e ideologia de gênero. Cabia tudo. A exploração do assassinato rendeu até um ministério para a irmã da vítima. Seu currículo: ser irmã da vítima. Por isso, não podiam anunciar logo o que estava já evidente em 2019. Era necessário render mais propaganda, calúnia e difamação. Havia outra eleição presidencial pela frente, e era preciso manter os Bolsonaro como suspeitos pela morte de Marielle. Uma nova faca de Adélio. Afinal, vivemos tempos em que ninguém se pergunta o que está engolindo. Engolir sem perguntar fica mais fácil. E ninguém perguntava se havia algum interesse dos Bolsonaro na morte da vereadora. 

As prisões não vão resolver muito. O conselheiro do Tribunal de Contas vai ganhar aposentadoria; o deputado vai ter um suplente sobrinho de bicheiro — nepotismo ao pé da letra. O delegado deve ter investido muito do que rendeu a delegacia de homicídios. E, quem sabe, todos acabarão soltos antes de qualquer senhorinha da Bíblia flagrada derrubando o governo por abolição violenta do Estado de Direito. Agora a novela acabou. Terminou a campanha. É como uma segunda-feira após eleição, com o asfalto coberto de propaganda mentirosa. Fica o desrespeito de usar um cadáver para tentar assassinar a reputação de viventes e de um sobrevivente. Aliás, agora o mistério que resta desvendar é de qual gabinete da Câmara federal partiu a autorização para o fantasma de Adélio entrar, enquanto ele enfiava a faca em Juiz de Fora.

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