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Ayrton Senna no GP do Brasil, que venceu com a McLaren, em São Paulo | Foto: Ricardo Chaves/Estadão Conteúdo
Edição 214

Ayrton Senna, o eterno campeão

Há 30 anos morria o ídolo brasileiro, considerado o maior piloto da história da Fórmula 1

Eugenio Goussinsky
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Há 30 anos, o Brasil perdia um dos seus maiores ídolos. O dia 1º de maio de 1994 ficou marcado pelo acidente que tirou a vida de Ayrton Senna da Silva. Foi um choque para a população brasileira. Eufórica com as vitórias do piloto, ela o via como o novo símbolo do orgulho nacional.

Senna já se destacava por seu carisma, que furou a bolha do sisudo mundo da Fórmula 1. Ele se tornou, depois de sua morte, um ícone.

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O acidente na curva Tamburello, no Autódromo de Ímola, na Itália, provocou uma transformação no automobilismo. A prioridade passou a ser adaptar a tecnologia à segurança e ao pronto atendimento.

“Existem duas Fórmulas 1: a de antes do acidente que matou Senna e a que veio depois”, afirma o engenheiro Leomar Teichmann, especialista em segurança de autódromos. 

Nos anos 1960 e 1970, acidentes fatais eram comuns. Exemplo disso foi a morte do sueco Ronnie Peterson, em 1978, no GP da Itália. Sua Lotus, em uma largada ainda não tecnológica, bateu no guard-rail e se incendiou. Nos anos 1990, até a morte de Senna, a tecnologia não havia evoluído o suficiente. A solução de utilizar uma tela de proteção no cockpit causou mortes pela dificuldade de tirar o piloto a tempo.

Senna cresceu acompanhando esses acontecimentos desde que estreou no kart, em 1973, incentivado pelo pai, Milton, o “Miltão”. Dono de uma metalúrgica na capital paulista, Miltão (que faleceu em 2021) presenteou Beco, apelido de Senna na infância, com um kart, quando o menino tinha 9 anos. 

Em 1981, porém, a família sentiu o perigo. Quando Senna, nascido em 21 de março de 1960, em São Paulo, já havia conquistado os dois principais títulos da Fórmula Ford 1600, na Europa, o pai pediu que ele deixasse a carreira. 

“Convencemos ele a voltar com a gente”, disse Milton, em entrevista à Globo nos anos 1980. Senna obedeceu e ficou três meses com os familiares, mas não aguentou. Seu destino estava ligado ao automobilismo.

“Me sinto bem, tenho fé em Deus, ninguém morre de véspera e já está escrito. Levo para esse lado”, disse a mãe, Neyde, na mesma entrevista, depois que Senna retornou ao esporte. No fim da declaração, ela chorou. 

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Os pais, em tom profético, mais do que um grande campeão, preferiam o filho a seu lado a vítima de um acidente.

Evitando uma explosão

Senna mantinha uma postura firme na Fórmula 1. Contestava injustiças de dirigentes. Ganhou inimigos, mas também aliados e fãs. Com a conquista do tricampeonato (1988, 1990 e 1991), ele se tornou uma lenda. Aliava impetuosidade e técnica únicas na história. 

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Nenhum piloto deixou registrados momentos tão épicos quanto ele. Com a humilde escuderia Toleman, em 1984, impressionou no GP de Mônaco. Depois de várias ultrapassagens, só não venceu a corrida porque a chuva a interrompeu. Era a sua primeira temporada.

Outra façanha foi sua primeira vitória no Brasil, em 1991. Terminou aquela corrida apenas com a sexta marcha. Com dores, teve dificuldade para erguer o troféu.

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Naturalmente, Senna se tornou um representante dos pilotos. Nos treinos para o GP da Bélgica de 1992, o piloto francês Erik Comas, da Ligier, bateu numa curva no Circuito de Spa-Francorchamps. O carro ficou atravessado no meio da pista.

Senna parou a McLaren e correu em auxílio de Comas. Desligou o motor quando percebeu que o piloto estava desacordado, evitando uma explosão. Comas o reverenciou para sempre por ter salvado sua vida.

Rivalidade e inimizade

Mesmo amparado na própria confiança, ele também sabia que pilotos são vulneráveis.

Aquele fim de semana trágico de 1994 foi prova disso. Começou com um acidente nos treinos que tirou o brasileiro Rubens Barrichello, da Jordan, da corrida. No dia seguinte, 30 de abril, o austríaco Roland Ratzenberger, da Simtek, morreu aos 34 anos (mesma idade de Senna), ao derrapar na curva Villeneuve (nome em homenagem a Gilles Villeneuve, piloto morto durante um treino, em 1982).

Na manhã do dia 1º de maio, Senna, em conversa com Niki Lauda, decidiu reativar a associação de pilotos. Naquela temporada, haviam sido retirados recursos tecnológicos, sem redução da potência dos motores. Uma reunião ficou marcada para a quarta-feira daquela semana para tratar do assunto.

Senna também conversou com Alain Prost (já aposentado na época) sobre segurança. Comentou que o francês tetracampeão fazia muita falta, pois, sem ele, Senna era uma voz solitária como único campeão. “Ele me disse, antes de uma corrida, que sentia minha falta”, afirmou Prost no documentário The Right to Win, comovido pelo fato de Senna nunca ter confundido rivalidade com inimizade.

“Nada foi feito com as queixas de Senna até aquela corrida. Diziam que ele reclamava por estar com dificuldades de ser competitivo na Williams”, observou Teichmann. Somente a morte do próprio Senna, a maior estrela, alterou os rumos do automobilismo.

A fatalidade também poderia ter sido evitada. A curva Tamburello era irregular, e a falta de escape o fez ir direto para o muro. Também a ausência de melhor proteção do cockpit contribuiu. Senna permaneceu imóvel, atendido pela emergência, enquanto a corrida prosseguia. 

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Em 1995, a curva, palco de acidentes desde 1987, virou chicane. O piloto austríaco Gerhard Berger, grande amigo de Senna, conta no documentário que, depois de um acidente sofrido naquela curva, em 1989, foi vê-la a pé, com Senna. Eles queriam entender quais mudanças poderiam ser feitas. “Precisamente naquele local ele morreu”, disse Berger.

Mais segurança

Ao longo dos anos, lembra Teichmann, houve diversas alterações relacionadas à segurança dos pilotos, como aumento do cockpit, modificação da posição dos pilotos, reforço do monocoque, alteração da largura dos pneus e redução das asas. 

Novos cintos de segurança e um aparelho para proteção do pescoço e da cabeça se tornaram obrigatórios. A potência dos motores foi reduzida. Foram adotadas a proteção com o halo e uma caixa-preta.

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Uma investigação da Federação Internacional de Automobilismo (FIA) mostrou que o halo salvou a vida do piloto Charles Leclerc, da Sauber, em 2018, em um acidente durante uma corrida na Bélgica. Os macacões, prossegue o engenheiro, contam com proteção postural e de resistência a chamas, além de alças nos ombros para a retirada dos pilotos. E os capacetes passam por rígidos testes.

“Nas principais categorias da FIA, a condição física dos pilotos é monitorada em tempo real por telemetria”, diz Teichmann. “As equipes de socorro têm treinamento padronizado e tempo limite para iniciar o atendimento.” Os bancos dos carros, agora, servem como dispositivos de imobilização. Também foram modificados traçados de autódromos.

Valores atemporais

A notícia da morte de Senna, no Hospital Maggiore, em Bolonha, comoveu o mundo. Cerca de 250 mil pessoas foram ao velório, realizado na Câmara Municipal de São Paulo. Mais de 1 milhão acompanharam o cortejo pelas ruas.

No Cemitério do Morumbi, o caixão foi carregado por campeões como Emerson Fittipaldi e Alain Prost. Todos vestiam terno cinza, uniformizados para a ocasião. A gigantesca repercussão foi proporcional ao que Senna representa até hoje.

Uma exposição em cartaz em Ímola mostra 94 imagens dos fotógrafos Angelo Orsi e Mirco Lazzari sobre os feitos e o lado íntimo de Senna.

A Embaixada Brasileira na Itália exibe um carro da McLaren do mesmo modelo usado pelo piloto na conquista do seu primeiro mundial. Pelo menos duas biografias sobre ele foram lançadas.

Os ideais de Senna, porém, não se resumiam às pistas. Ele vislumbrava na educação das crianças a solução para os problemas da sociedade. Repetia essa opinião para a irmã mais velha, Viviane (eles também tinham outro irmão, Leonardo). Seis meses depois da morte de Ayrton, a família fundou o Instituto Ayrton Senna, na capital paulista.

Os royalties do Senninha, personagem criado por Mauricio de Sousa, e da imagem de Senna foram doados para o Instituto.

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“O Instituto nasce desses dois ativos, mas sobretudo com o ativo mais importante, que é a força do Ayrton, essa imagem dele na mente e no coração das pessoas”, disse Viviane em vídeo do instituto. 

Reconhecido pela Unesco, o Instituto Ayrton Senna tem parceria com redes de ensino de 1,5 mil municípios. Atende por ano cerca de 2 milhões de crianças. São números que, segundo Ewerton Fulini, vice-presidente do instituto, preservam a memória de Senna. 

“A ausência de ídolos como Senna é sentida não apenas no esporte”, afirma. “Senna representava mais do que um campeão nas pistas; ele era símbolo de integridade, determinação, perseverança e comprometimento com o país. São valores atemporais.”

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A imagem e a mensagem de Senna atraem doações e parceiros, como o Itaú e o McDonald’s. Alguns corredores o ultrapassaram em títulos ou vitórias (41). Pesquisas, como uma da Bild am Sonntag, entre pilotos, e outra da BBC, porém, ainda elegem Senna como o melhor de todos. 

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Apesar de todas as conquistas, Senna falava com humildade sobre o seu talento sobrenatural. “Se você quer ser bem-sucedido, precisa ter dedicação total, buscar seu último limite e dar o melhor de si.”

Para além da técnica, seu diferencial foi a personalidade. Depois de sua morte, afinal, Senna continuou a salvar vidas. Dentro e fora das pistas. Vitórias que ultrapassam os recordes de um piloto. O Brasil sente falta de seu último herói.

Leia também “O escudo que protege Israel”

9 comentários
  1. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
    Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

    Eu tinha 6 anos a época e tenho na memória este triste acontecimento. Realmente Ayrton Senna ficou na história.

  2. Josina Milhomem Mello silva
    Josina Milhomem Mello silva

    Parabéns pela bela homenagem do meu ídolo 🇧🇷

  3. DONIZETE LOURENCO
    DONIZETE LOURENCO

    O legado de Ayrton Senna é inegável.
    Acordava nas madrugadas para assistir aos duelos Senna x Prost, Senna x Mansel e o brasileiro rival Nelson Piquet.
    Lembro de uma entrevista quando o repórter perguntou se ele era uma pessoa de sorte, respondeu: “realmente sou uma pessoa de sorte. Quanto mais treino, mais sorte eu tenho”.
    Depois de Senna os esportes em geral nunca mais foram os mesmos.

  4. Rafael Lima Bechtlufft
    Rafael Lima Bechtlufft

    Excelente homenagem a um dos maiores brasileiros que tivemos! Parabéns ao autor do texto e à Revista Oeste pela merecida e bela homenagem!

  5. Izaura Maria Baeta
    Izaura Maria Baeta

    Tenho muita saudade da Fórmula 1 com Airton Senna. Depois que ele morreu a Fórmula 1 morreu para mim. Saudades Airton Senna, essa reportagem trouxe muitas lágrimas e sentimentos de tristeza.

  6. MAURO CESAR CALVAO MONNERAT DO PRADO
    MAURO CESAR CALVAO MONNERAT DO PRADO

    Lembro-me do que diziam aqueles que ouviam a notícia, incrédulos: Senna não bate! Se bater não morre! Infelizmente foram provados errados, mas o legado dele sem dúvida permanece. Assistir uma corrida de Fórmula 1 após sua partida nunca mais foi a mesma coisa…

  7. Alberto Camara Junior
    Alberto Camara Junior

    Acordei cedo em Maceió, para assistir a corrida. Sentado na cama, vi o acidente! Ao ver ele ser removido, peguei minhas coisas e voltei para SP. No aeroporto em Maceió, recebi a

    1. Alberto Camara Junior
      Alberto Camara Junior

      Noticia!

  8. Luiz Pereira De Castro Junior
    Luiz Pereira De Castro Junior

    01 de maio de 1994, todos lembram , quem tem idade claro , o que estavam fazendo . Data marcante , infelizmente !

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