Ninguém corrigirá um problema sem antes reconhecer, acreditar que o problema existe. É uma questão de lógica de atuação. Mas e quando o problema existe e não se sabe o que fazer, na intensidade e velocidade com que é necessário agir para resolvê-lo ou, ao menos, mitigá-lo, reduzir as perdas e, sobretudo, a dor das pessoas?
A tragédia que se abateu sobre o Rio Grande do Sul, em que 80% dos municípios do Estado foram atingidos pelas cheias, revelou que não é preciso que a água baixe para medir o tamanho do despreparo estatal em ações de calamidade. Desconsidere os exageros difíceis de checar na internet. As imagens falam por si e são fatos incontornáveis. Foram as pessoas, umas ajudando as outras, que reduziram uma dor já imensamente insuportável de esperanças e vidas debaixo d’água. E elas reclamavam por mais recursos e uma coordenação mais eficiente do Estado.
Na longínqua Brasília — tão distante e desconexa da realidade dos brasileiros —, o país mal superara a visita rápida do presidente Lula na quinta-feira, que, de tão rápida que foi ou com tão pouco efeito prático, teve de se repetir no domingo, e o establishment estatal batia cabeça. Acuada diante das perguntas dos repórteres sobre ações do governo e liberação de recursos federais, a ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, disse, no início da semana, que não faltariam recursos públicos na hora certa para socorrer o Rio Grande do Sul, mas que o dinheiro ainda não havia sido liberado porque, segundo ela, os prefeitos ainda não saberiam o que pedir “porque a água não baixou”. A insensibilidade humana provoca dores. A insensibilidade vinda do governo, uma inundação de desconfiança. Afogada pelos fatos, apesar da secura da capital federal, a senhora ministra não percebeu o sentimento de urgência nem a dimensão da dor. Em sua resposta, ladeada pelos ministros Alexandre Padilha e Jorge Messias, ela conseguir reduzir a uma tecnicidade burocrática o clamor nacional por solidariedade, eficiência e liderança governamental na crise humanitária. Que talvez não fosse da pasta dela ou que objetivamente os valores e as rubricas ainda dependessem de certa especificação, qual era o plano de contingência que existia no governo para agir rápida e eficientemente em situações de calamidade? Qual é o tamanho do Fundo pronto e apto a ser liberado com urgência em casos assim, contornando a lenta e insensível burocracia, como os cidadãos e voluntários têm se desviado da inércia ou insuficiência governamental na ajuda premente de que cada pessoa ilhada em telhados precisa antes que a água leve o que não poderá mais ser recuperado?
Em que pese a atuação nobre dos bombeiros, dos socorristas, da Polícia Militar, da Defesa Civil, das Forças Armadas e dos agentes estatais de diversas agências, mostras foram dadas de que não existiam planos de contingência eficientes em recursos emergenciais, rapidez de ação e de contenção de danos. Tampouco a estrutura local havia sido redimensionada para enfrentar os novos desafios. Este é o ponto desta minha reflexão. O Estado é insubstituível em momentos assim e não tem o direito de errar na prevenção e no socorro. O tamanho da tragédia pode ser imprevisível, como a quantidade de chuva que caiu sobre os gaúchos, mas é necessário o Estado, no mínimo, prever como e com quantos atuará para agir rápida e eficazmente para mitigar danos e salvar pessoas.
E neste caso há vários pontos a serem considerados sobre gestão e prioridades de orçamento e economia. Levantamento feito pelo jornal digital Poder360 mostra que o governo estadual do Rio Grande do Sul reduziu em 7,9% os gastos com defesa civil em 2023 na comparação com o ano de 2022. A prefeitura de Porto Alegre, que recebeu no Guaíba toda a água que desceu da serra, reduziu em 68,4%. Os gastos dos governos do Estado e de todos os municípios aumentaram, na média, 0,6%. Para uma inflação anual de 5,8%, ficaram muito abaixo do necessário para apenas manter a estrutura existente.
Vou pedir ao nobre leitor desta coluna e de Oeste para não se precipitar na análise local, porque o buraco fiscal e de comportamento médio administrativo é bem mais em cima. E temerário.
Na esfera federal, o desnorteamento com a falta de prevenção é sintomático e mensurável. Pense o leitor com seus próprios botões e tente se lembrar de quando — ou quanto — ouviu, em debates pré-eleitorais entre candidatos a governos, os termos “prevenção a desastre”, “defesa civil” ou “plano de contingência”. Se nada ou pouco, como podemos atestar, isso revela que o assunto nunca foi a prioridade que deveria ser na agenda política brasileira. Talvez, nem do eleitor que tem sido levado a uma discussão rasa da política. De costumes, por exemplo, apesar dos desafios nacionais de desenvolvimento.
Os números a seguir pioram o quadro. No início de 2023, a Associação Contas Abertas revelou que o orçamento federal para prevenção e atendimento emergencial era de R$ 1,17 bilhão, o menor em 14 anos. Dinheiro que deveria ser usado em obras de contenção de encostas, drenagem e, veja só, estudos de áreas de risco. Naquele momento, estávamos sob o impacto da tragédia no litoral norte de São Paulo. O valor chegou a ser aumentado agora em 2024: previsão de R$ 2,6 bilhões. Mas o mesmo estudo também traz a informação de que, entre 2010 e 2022, do valor autorizado de R$ 64,1 bilhões para uso em mitigação e prevenção de tragédias — a maioria para o Ministério de Integração e Desenvolvimento Regional, que agrega a Defesa Civil —, foram gastos apenas R$ 40,7 bilhões, ou seja, 63,6% do total.
O Estado brasileiro tem se mostrado caro e incapaz na mesma proporção em que sua sociedade consegue ser proativa, rápida, com senso de prioridade e que resolve seus problemas
Em meio a isso tudo, ainda é preciso considerar dois pontos.
Primeiro que, mesmo que eventualmente os recursos sejam aumentados, a máquina pública brasileira é cara e ineficiente. Muito do dinheiro do pagador de impostos acaba indo para despesas de custeio ou não encontra projetos que justifiquem o desembolso.
O segundo ponto é endêmico na gestão pública: sob a hipótese de se encontrarem projetos técnicos importantes, qual é o custo para o contribuinte? Inevitável nesse caso nos lembrarmos do exemplo da ponte de Nova Roma do Sul, no interior gaúcho. A ponte centenária havia sido levada pela correnteza das chuvas em setembro de 2023, que elevaram muito o nível do Rio das Antas. Uma nova ponte tinha custo inicial estimado em R$ 25 milhões pelo governo estadual, com prazo de até dois para a reconstrução. Foi aí que a comunidade, que não quis esperar pelo Estado distante e demorado, se juntou, arrecadou R$ 7 milhões e fez uma nova ponte por R$ 6 milhões, em quatro meses. O R$ 1 milhão restantes foram usados em obras de infraestrutura ao redor da nova ponte, que ganhou o nome de Nossa Senhora de Caravaggio.
A ponte de 400 toneladas de aço e concreto, feita por menos de 25% de uma estimativa governamental, com dinheiro da comunidade que, por si só, contratou uma empresa de engenharia que entregou a obra em tempo recorde, resistiu às fortes chuvas de maio que atingiram a maioria dos municípios do Rio Grande do Sul. O exemplo nos leva à conclusão lógica: o Estado brasileiro tem se mostrado caro e incapaz na mesma proporção em que sua sociedade consegue ser proativa, rápida, com senso de prioridade e que resolve seus problemas. Daí, a pergunta: não é só dinheiro que falta para prevenir ou mitigar os efeitos de uma chuva que causa uma tragédia sem precedentes. Faltam ideias e homens e mulheres públicos da dimensão e da grandeza da sociedade deste país.
E para finalizar, porque o que escrevo a seguir não vai terminar tão cedo, o drama fiscal brasileiro — de municípios, estados e do governo federal — é um nó tão grande que será o maior desafio para que consigamos resolver os problemas da atual tragédia e nos preparemos para evitar as próximas. São prefeituras e Estados endividados por sucessivas gestões de qualidade muito ruim ou pelos atuais mandatários que terão problema de caixa para investir em prevenção. E será difícil ter muita coisa do governo federal de Lula 3 que, mesmo sem tragédia, guerras ou pandemia, aumentou a dívida pública em R$ 1,077 trilhão, no início do mandato. Muito mais do que Dilma.
E tudo isso, seja a enchente, a ineficiência do Estado para prevenir ou reduzir os danos, seja a irresponsabilidade fiscal que nos faz ter dificuldade de recursos, afeta a economia. E a economia é feita de gente. Neste caso, de vítimas e familiares que não podem esperar.
Leia também “O pecado do imposto”
Ótima análise mestre Piotto! Quem quer faz, quem
Não quer, manda fazer! O Brasil do pt ,da esquerdalha, é um circo de quinta categoria!!! E o dono do circo está com debilidade mental terminal!!!
Sou de direita e tenho nojo deste governo que aí está. Mas independente de que lado estejamos, não dá para esquecer que uma tragédia como esta do RS, em tão larga escala, nunca aconteceu no Brasil. Não existe planejamento ou política dr governo capaz de se preparar para uma tragédia como esta. Mais de 400 mun9cipips quase que inteiramente destruídos, e milhares de famílias desalojadas que os governos por melhor que sejam não tem abrigos ou centros de Colhimento suficientes para receber tantas pessoas. Concordo com o artigo, mas sem esquecer disso e sem exagerar na crítica. Nunca caso como este só Deus é capaz de resolver.
Parabéns Piotto!
Em toda matéria sobre a tragédia gaúcha, vou repetir esta postagem: vejam no youtube: ‘a causa das enchentes foi a construção de molhes na foz da Lagoa dos Patos’. Basicamente, um acidente ambiental: pois desde o Império, o RS vem construindo uma barragem para atender ao porto de Rio Grande, bem na foz da Lagoa dos Patos. É um represamento composto de dois ‘molhes’, os quais vêm sendo alongados ano após ano, estando atualmente com mais de 4 km (!!!) mar adentro, aumentando a profundidade da foz e permitindo a navegação de meganavios. A região de Porto Alegre até Rio Grande é uma planície, sendo que o Lago Guaíba, em cujas margens está PoA, recebe metade das águas que fluem a partir da Serra Gaúcha. Chuva em excesso + represamento da foz, em um terreno de planície – crônica de um desastre anunciado. Tanto que, cerca de uma semana depois, as notícias estão sendo as esperadas: aumento do nível das águas da Lagoa dos Patos próximo a foz – vejam também no youtube.
Verdade.
Que ninguém se engane, aquelas palavras ditas à repórteres à respeito do ex juiz Moro, se aplica a todos nós, ele voltou à cena do crime pra destruir o 🇧🇷 e ñ está nem aí pra nada, basta ver as pífias medidas q estão sendo tomadas, mais creio em Deus 🙏🏻 e nossos irmãos irão vencer como já foi nas batalhas do passado, resistiremos todos apesar deles.
Sem desmerecer qualquer profissão, pra o mais simples concurso publico exige uma escolaridade mínima! Pra ser presidente de um Brasil um analfabeto pode! Lamentável!
Diagnóstico correto Piotto, mas a terapêutica depende dos eleitores que o pt quer que continuem tolos
Um dia desses a revista e os ojs jornalistas sérios irão entrevistar leitores distantes, do fundo so sertão, que dirão que tudo que falaste é correto. O povo no interior sabe mais do que qualquer político ou funcionário fantasma e ignorante de determinados órgãsos píblicos. Eu tive experiências próprias e sei de miuta gente que enfrentou e denunciou obras com dinheiro da corrupção até mesmo em vilas e povoados, dimheiro que compra licenciamento hambiental, dinheiro sujo que paga a vereadores para alterarerem o plano diretor, etc, etc. Eu, particularmente entrei em várias batalhas e só depois de um tempo é que percebi que o MPF e MPE estava aparelhado partidariamente ou comprometido com máfias. Falo do interior do Brasil, não aí do centro. As veees a imprensa das capitais não têm a menor noção do que aconrtece no sertão profundo.
Sou gaúcha, moro em São Leopoldo, e afirmo que há o mapeamento da planície de inundação da bacia hidrográfica do Rio dos Sinos, uma ferramenta técnica que apresenta áreas em que as águas ocupam quando o rio sai de seu leito. O fato é que continuam sendo ocupadas, com a omissão e/ou conivência de prefeitos e empreendedores que buscam financiamentos na CEF para construção de moradias, via de regra para a população de baixa renda, mantidas em áreas de risco. É um processo histórico e recorrente.
Liga para o papa Francisco e manda ele depositar 320 bilhões de dólares, dinheiro brasileiro do povo brasileiro, bota o dinheiro pra cá que vai ajudar na reconstrução do Rio Grande do Sul
Pioto, entre sexta-feira e domingo em que o Presidente voltou ao RS teve o sábado qdo aconteceu a assinatura de vários acordos através da vinda do Premiê japonês Kishida com mais de 30 empresários de lá. Segundo o presidente do BR a primeira palavra direcionada a ele pelo Kishida de forma pessoal, foram os seis sentimentos qto ao RS. OU SEJA, o mandatário japonês que representa a maior sigla da direita japonesa mas que está lá para nada represnetá-lo, sabia do que estava se passando no RS. Mas nem na sexta em DF( as imagens estão no Y0utube) nem no sábado onde deu uma palestra na USP ele disse nada publicamente sobre RS. Japão é um país que tem um certo preparo para situações emergências de sobrevivência aos flagelados com muitos terremotos, enchentes, deslizamentos, tufões etc. A parte técnica japonesa se fossem transmitidas ao BR já seria um grande adianto. Mas até ao momento nem isso. E o Brasil tem um vínculo de mais de 100 anos com o Japão que é muito forte no setor econômico e industrial.
As provas da incompetência, rancor e maldade desse desgoverno estão aí!!!
Parabéns Piotto. Ótimo artigo.