Diante de situações drásticas, como uma calamidade pública vivida no Sul do Brasil, a imensa maioria olha para o Estado como a única ferramenta de salvação. Até mesmo as críticas são feitas muitas vezes como se o Estado fosse capaz de impedir catástrofes naturais. Marina Silva chegou a culpar o governo Bolsonaro pelas enchentes, e vários militantes esquerdistas embarcaram nessa narrativa de que os “negacionistas” são responsáveis pelas “mudanças climáticas”.
Desnecessário dizer que nenhuma medida do governo anterior, em quatro anos, seria capaz de impedir as chuvas torrenciais que inundaram o Rio Grande do Sul. Mas deixando a politicagem barata de lado, há mesmo uma parcela que acredita na capacidade do Estado de impedir ataques da Mãe Natureza, de proteger o povo de tudo, seja de um vírus chinês novo por meio de lockdowns, seja de um alagamento causado por fortes chuvas. O Estado é o ente onipotente, o Deus da era moderna, que vai cuidar de todos nós do berço ao túmulo.
O Estado moderno vira um “ogro filantrópico”, na expressão de Octavio Paz, ou um “dinossauro”, termo usado por Meira Penna. Ele vai se agigantando, acumulando mais e mais poder, e drenando mais e mais recursos produzidos pela iniciativa privada, sempre na crença de que ele, e somente ele, será capaz de lidar com os problemas que afligem a sociedade. O “governo onipotente”, expressão usada por Ludwig von Mises, controla absolutamente tudo, e os cidadãos, convertidos em súditos, olham para o Estado como solução até para sua dor de dente!
Um dos grandes paradoxos das democracias modernas é a tendência a reclamar do governo ao mesmo tempo que mais responsabilidade é delegada ao poder político. As pessoas condenam as consequências do aumento de concentração de poder no governo, mas acabam confiando a ele a solução para todos os males do mundo. Parece haver uma dissociação entre o governo idealizado e os políticos de carne e osso que ocupam os poderosos cargos.
Como abstração, o governo surge como um Deus moderno, sendo o presidente seu messias enviado para nos salvar. Já no cotidiano, os políticos são alvos de ataques constantes e profunda desconfiança por parte do povo. Alguma coisa está fora de lugar. E essa contradição não é monopólio nacional. É o que mostra Gene Healy em O Culto à Presidência. No livro, escrito na era Obama, Healy expõe a crescente devoção dos americanos ao Poder Executivo, tratado como uma espécie de gênio capaz de lidar com todo tipo de assunto. Isso fica claro na retórica dos candidatos, com um tom cada vez mais messiânico.
Os limites do Poder Executivo impostos pela Constituição vão sendo abandonados em troca de uma arbitrariedade digna de imperadores. O que possibilita essa perigosa mudança é justamente o fato de que muitos depositam no presidente a esperança para solucionar todos os problemas, desde desastres naturais, passando por pobreza, violência, drogas, até as questões mais banais do dia a dia. Enquanto o governo for visto como o instrumento para realizar todos os nossos sonhos e desejos, será natural termos uma concentração assustadora de poder em suas mãos. Diante de uma expectativa irracional quanto à sua habilidade para resolver os grandes problemas nacionais, os presidentes encontram boa razão para forçar uma escalada de poder de acordo com essa responsabilidade.
A politização foi abjeta quando o povo precisava de resgate. O Estado foi o grande fracasso na equação, levando muitos a uma reflexão até libertária, quiçá anarquista
Como essas expectativas são irrealistas, a decepção parece inevitável. Com frequentes crises, em vez de a fé no governo ser questionada, demanda-se mais governo como solução. Essas pessoas agem como as vítimas da síndrome de Estocolmo, encantadas com o próprio malfeitor. Pretendem curar o envenenamento com cianureto. Acaba-se num círculo vicioso preocupante.
O que está sendo negligenciado é a noção de que, ao ceder poder suficiente para o presidente realizar tantas maravilhas, também se está cedendo poder suficiente para o despotismo. O estrago que um governo ruim pode causar tende ao infinito. Mesmo partindo de uma premissa altamente questionável, de que o presidente eleito seria um indivíduo totalmente íntegro e capaz, é preciso lembrar as limitações de qualquer ser humano. Além disso, o alerta de que o poder corrompe jamais deve ser esquecido. Para piorar, o próprio jogo político leva à troca de favores e interesses particulares. Em primeiro lugar fica sempre a própria sobrevivência no cargo.
Logo, mesmo assumindo as melhores qualidades de um presidente, seria indesejável concentrar tanto poder em suas mãos. Basta pensar na hipótese bem mais realista de que o presidente não terá todas essas qualidades, não será o Papai Noel, para qualquer um ter calafrios. A menos que mudemos o que pedimos ao governo, nós teremos aquilo que, de certa forma, merecemos. Depois não adianta reclamar.
A crise no Sul brasileiro expôs com perfeição esse perigo. Os relatos apontam para falhas terríveis dos governos, enquanto a ajuda concreta veio de indivíduos, dos cidadãos, da sociedade civil. A polícia entrou em cena para multar quem levava mantimentos para ajuda humanitária, e depois para investigar quem ousou criticar esse absurdo. O governo federal recusou ajuda uruguaia, mentiu sobre o tema, e ministros lulistas pediram voto em meio ao caos. A politização foi abjeta quando o povo precisava de resgate. O Estado foi o grande fracasso na equação, levando muitos a uma reflexão até libertária, quiçá anarquista.
Não sou dos que pensam que o Estado é sempre o problema. Mas sou realista o suficiente para entender que a premissa estatizante é o grande câncer da era moderna. O Estado assumiu o papel dos deuses, a ideologia estatizante virou a religião secular, e o avanço de controle estatal ameaça nossas liberdades básicas, além de produzir resultados extremamente ineficientes. Isso tudo é assustador, como ficou claro durante a pandemia, e agora. Não, Bolsonaro não poderia ter evitado as chuvas no Sul. E não, definitivamente Lula não é capaz de proteger o povo gaúcho neste momento. É o povo pelo povo, e muitas vezes o Estado atua para atrapalhar.
Leia também “As marionetes de Soros”
Mais um excelente texto. Estarei na florida no mês que vem e gostaria de tomar um café contigo se possível antes da loucura dos parques com a criançada. Forte abraço.
Não por acaso se falava em mais Brasil e menos Brasília.
Bem lembrado.
Nós, brasileiros, somos a solução para o Rio Grande e para o Brasil! Abaixo o comunismo petista e sua hipocrisia!
Gosto muito dos comentários e artigos do Constantino, ele é o melhor!
Sim. O povo solidário é o que há de melhor. Ótimo texto. Parabéns
perfeito, mas no Brasil temos um desgoverno profissional.
Mais Brasil e menos Brasília.
Esse governo de assaltantes quer fazer com o povo o que eles fazem com os índios, condenado-os ao primitivismo, de encontro ao evolucionismo
excelente artigo Rodrigo Constantino!
esse desgoverno está atrapalhando a ajuda ao povo do RGS precisa com urgência
Mas mesmo assim, enquanto pagamos altíssimos impostos, e mesmo que não FOSSE um absurdo de alto, afinal porque IMPOSTO é IMPPOSTO, não podemos deixar de exigir EM TROCA o que o governo nos deve como administradores dos NOSSO dinheiro.
Temos que ter a consciência de que não somos escravos, nem mentais nem físicos nem financeiros.
E como fazer esta consciência chegue de ponta a ponta num país tão vasto ainda mais nos dias de hj ?
Aí que está o problema, ainda mais porque existem aqueles corrompidos justamente por meio de dinheiro.
Mas iniciemos, por exemplo, examinando melhor as notas fiscais e recibos das compras que fazemos no dia-dia.
Uma nota do mercado que fiz no inicio do mês: o total foi de 499,13 reais. (99% foi alimento)
Destes, 116,56 reias são impostos ! !!!!! Ou seja, 23% do valor total.
E desses 116,56 reias de imposto, 56% é imposto federal e o restante, 44% é estadual !!!!
Está tudo impresso na nota.
Sim, no Brasil.
Sabe quanto é que se paga de imposto num país como no Japão na hora de compra no supermercado ?8% !
Não podemos demonizar por demonizar a existência do Estado, sem que a população compreenda de maneira eficiente de que isto pode-se desecandear num discurso a favor da implantação de anarquia: o que é cair justamente na armadilha do sistema. Pois é isto mesmo que eles visam, como mais uma etapa avançada para chegar a utopia socialista que nunca chegarão
Exatamente.
Bem como precisamos sempre esclarecer aos mais vulneráveis o tanto que o estado arrecada de seu dinheiro diretamente, na folha de pagamento. O funcionário custa X a empresa, mas ele só recebe X/2.
O INSS, que deveria servir somente para o acúmulo da aposentadoria do indivíduo, mas serve também para bancar Incre, Sesi, Sesc, etc.
Muitos não sabem disso.
*Incra
RS um divisor no tempo. Devemos tomar como lição a catástrofe do RS. Precisamos ver que não precisamos de governos centralizadores e arrecadadores. A resposta imediata veio foi do povo, (voluntários e doações). O desgoverno não tomou medida eficaz (verbas) nenhuma. É só impostos. Se a infraestrutura estivesse privatizada (estradas, aeroportos, portos, escolas e hospitais) a resposta também seria mais rápida e não dependente de governo.