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Luiz Inácio Lula da Silva, presidente da República, durante anúncio de medidas relacionadas ao Rio Grande do Sul (9/5/2024) | Foto: Mateus Bonomi/AGIF/Estadão Conteúdo
Edição 217

500 dias de retrocesso

Nesse tempo, o país vem sendo empurrado ao passado e ao atraso que condena nosso futuro

Adalberto Piotto
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Nesta terça-feira, 14 de maio de 2024, o governo Lula 3 completou 500 dias de mandato. Não há o que comemorar. Nesse tempo, sob a institucionalmente controversa eleição de 2022 que levou o PT de volta ao poder em Brasília, o país vem sendo empurrado ao passado e ao atraso que condena nosso futuro. Não foi por acaso. A tumultuada eleição foi marcada pela condescendência de muitos revolucionários de ar-condicionado e dos visionários da cegueira na Faria Lima, muitos hoje envergonhados e arrependidos das escolhas que fizeram. Atualmente, por graça de uma parte dessa elite econômica, artística e acadêmica pretensamente pensante, vivemos sob um governo lento, ineficiente, omisso e sem boas ideias porque sem pessoas com ideias boas.

Problemas, quando não piorados por soluções ruins e inadequadas, são postergados. Soluções têm sido, no máximo, efêmeras. Sustentabilidade? Nem a ambiental se salva.

O Luiz Inácio Lula da Silva do terceiro mandato é antiquado, autoritário e revanchista, rodeado por ministros à sua imagem e semelhança ou adestrados para receber suas ordens desconexas, dado o conflito da memória do Lula 1 com o ativismo palaciano da onipresente atual primeira-dama, a influente Janja. Enfim, o Lula hoje é o Lula de sempre que apenas fora escamoteado no primeiro mandato pelo marketing lustroso de Duda Mendonça, pela seriedade pragmática tucana na economia de Antonio Palocci e por uma esplanada de ministros que, no primeiro mandato, tinha gente do nível de Roberto Rodrigues e Luiz Furlan. Mesmo Márcio Thomaz Bastos, advogado de renome e simpático ao petismo, veio com a ponderação dos limites e da boa convivência dos salões do Direito brasileiro do passado. Um STF sóbrio também ajudava. No segundo mandato, os sinais de inaptidão governamental já estavam postos. Assessores de nome e eficientes haviam deixado o governo, mas o Lula do Mensalão tinha sido “perdoado” pela incompetência, a inapetência e a vaidade do PSDB, que o levaram à reeleição. O período de 2007 a 2010, mesmo com o decréscimo de massa crítica ministerial de alto nível, foi salvo pela China dos 15% de crescimento anual, o que não acontecerá de novo. Uma chuva de dólares salvava a balança comercial. E o superávit de arrecadação foi consequência da economia crescendo em patamares elevados mais por fatores externos — que não controlamos — do que internos, de ampliação da produtividade e da eficiência econômica do Estado brasileiro — que podemos controlar e que o governo deveria ter aprimorado, o que Lula não fez. A tragédia de Dilma Rousseff, logo depois, aconteceria de qualquer modo pelo currículo em si da sucessora, mas o caos fiscal e a máquina pública inchada explosiva, herdados de seu padrinho, inviabilizaram que ela errasse apenas por conta própria, o que aumentou o tranco de PIB negativo que parou o Brasil e jogou uma das dez maiores economias do mundo na maior recessão de sua história, em 2015 e 2016.

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Lula e Janja durante a cerimônia de posse | Foto: Ricardo Stuckert/PR

Fato é que esse é o Lula-raiz que temos agora, o do puro petismo arcaico e incompetente, o da república do sindicalismo — que não produz nada e é rejeitado pelos trabalhadores que trabalham —, sem os atenuantes e atenuadores de outrora. Não é difícil afirmar que, dado o histórico desnudado, Lula, por si próprio, não teria sido reeleito em 2006, não teria feito sua sucessora e, não fosse a “atípica” eleição de 2022 — para dizer o mínimo de um processo eleitoral sem precedentes na judicialização e insegurança jurídica —, não teria sido reconduzido ao cargo 500 dias atrás.

Lula 3 é vago e ausente em dar prontas respostas para problemas do cotidiano — o que demonstra sua inabilidade trivial para o cargo — e para tragédias do tamanho que temos neste momento no Rio Grande do Sul, prova cabal do homem errado no lugar que requer estadistas, líderes de coragem e atitude.

A economia é pródiga em expor o erro, o arremedo e a incapacidade. Números oficiais do governo brasileiro de Lula 3 mostram o que a campanha eleitoral, na qual só os incautos acreditaram, já evidenciava. Não havia planos efetivos para o país na normalidade, na contingência para catástrofes ou em meros momentos de maior dificuldade. Sem números positivos sustentáveis para mostrar nem soluções para os dramas e desafios nacionais, o “amor” da campanha foi trocado por uma máquina persecutória a quem apenas ousa criticar sua gestão. No melhor/pior da tese esdrúxula e manipuladora da “ressignificação”, qualquer crítica à gestão se tornou fake news com a Polícia Federal na cola dos cidadãos que discordam do governo. Cidadãos que, lembre-se, têm o direito constitucional da liberdade de expressão, mas que vivem também sob o risco de um inquérito sigiloso no STF, sem acesso ao devido processo legal.

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Ministros Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes, durante sessão no STF | Foto: Nelson Jr/STF

O artigo 53 da Constituição, aquele que diz que “parlamentares são invioláveis, civil e penalmente, por ‘quaisquer’ palavras e votos”, não vale para os de oposição. Aliás, é com uma base congressual volúvel que o governo governa. Desde a malfadada “Emenda Fura-Teto”, ainda no período de transição, as contas públicas explodem, e o Congresso, nos momentos lulistas de interesse por mais gastos ou mais arrecadação, foi reduzido a um “toma lá dá cá” que ultrapassa R$ 14 bilhões em emendas parlamentares só de janeiro a abril deste ano. Somem-se os quase R$ 35 bilhões de 2023, muito acima dos R$ 25 bilhões de 2022, no governo Bolsonaro, quando tudo ganhava a maledicente alcunha eleitoral de “orçamento secreto”. Qual é o nível de transparência de agora e a eficiência desse dinheiro na base de deputados e senadores? Pessoalmente, já disse isso por diversas vezes, não sou contra emendas parlamentares, mas igualmente questiono o motivo da troca de “favores” e da forma como é usado o recurso público. Qualquer recurso ou atividade do que é e de quem é público, como a agenda da primeira-dama, que ganhou de seu marido o sigilo de cem anos sobre o que faz e com quem se encontra, tem de ter inalienável transparência.

O arcabouço fiscal, proposto por Lula como alternativa ao sério teto de gastos de Temer — que recuperou a confiança no Brasil e na austeridade do governo —, é hoje uma peça de ficção

Não por menos que é na economia que o retrocesso é implacável. “Sem liberdade de expressão, sem liberdade econômica” — deveriam refletir os banqueiros ou megagestores de fundos da Faria Lima que hoje se penitenciam por acreditarem na austeridade de Lula 3, apesar da real história de Lula 1 e 2. Como gente tão bem informada como a do mercado financeiro acreditou nisso é uma incógnita, ainda mais por colocar esperanças numa versão lulista com fatos reais à mostra, quando a economia brasileira cresceu 2,9%, sob Bolsonaro e Guedes, há quase um ano e meio atrás, com redução de impostos e com política de responsabilidade fiscal permanente, desde Michel Temer. Aliás, ainda mais austera pela lógica liberal de reduzir severamente o custo da máquina pública, ampliar sua eficiência e eliminar empecilhos para criar condições para o investimento privado.

Imagem da bandeira do Brasil, com um gráfico interativo em cima, na cor vermelha
Ilustração: Shutterstock

Os números do endividamento atual gritam por si. No final de 2022, último ano do governo de Jair Bolsonaro, o Brasil acumulava uma dívida bruta de R$ 7,225 trilhões, o equivalente a 71,7% do PIB, depois de herdar 75,3% de Temer, em 2018. Preste atenção neste porcentual: 71,7% da relação dívida/produto interno bruto, ou seja, dívida em relação às riquezas geradas pelo país no ano. Ele vai piorar sob Lula. No final de seu primeiro ano, o Lula gastador — sem justificável melhora da qualidade de vida brasileira — registrou saldo negativo da dívida nominal de R$ 8,079 trilhões, o equivalente a 74,4% do PIB. Aumentou, não é? Vai aumentar ainda mais. No último relatório do Banco Central, em março de 2024, a dívida nominal saltou para R$ 8,347 trilhões. Isso corresponde a 75,7% do PIB. Com acréscimo de mais de R$ 1 trilhão na dívida, um gasto em nível pandêmico sem pandemia, a estimativa é que o governo Lula, que ainda acha que tem de gastar mais, termine seu mandato com um comprometimento de algo acima de 81% da relação dívida/PIB.

O arcabouço fiscal, proposto por Lula como alternativa ao sério teto de gastos de Temer — que recuperou a confiança no Brasil e na austeridade do governo —, é hoje uma peça de ficção. Nem o governo acredita nele, tampouco o executa. Menos de dez meses de sua entrada em vigor, já teve metas fiscais alteradas e “pedaladas” como a recriação do DPVAT para abrir antecipadamente “espaço orçamentário” ou “folga fiscal”.

Logo no início de seu terceiro mandato, Lula questionou a Lei do Saneamento Básico porque discordava da perda de poder de empresas estaduais de saneamento historicamente ineficientes, o que pode atrasar o atingimento das metas de oferta de água e tratamento de esgoto numa das áreas mais sensíveis ao país e que guarda relação científica entre saúde e produtividade. Ainda judicializou a privatização da Eletrobras e reclama das reformas trabalhista e da Previdência e da autonomia do Banco Central, todas medidas de inequívoco avanço institucional e aprovadas constitucionalmente pelo Congresso Nacional.

Recentemente, depois de muito barulho em relação à Petrobras — tema de polícia durante o Petrolão petista —, demitiu o presidente da estatal, um ex-senador petista, porque a medida da influência e da intervenção pretendidas pelo governo nas decisões da empresa parece insuficiente.

No Rio Grande do Sul, ainda debaixo d’água, com vítimas a serem socorridas, desaparecidos a encontrar, um Estado a reconstruir, Lula e seu governo, sob fortes críticas pela demora na assistência imediata e ausência completa de um plano de contingência e socorro, anunciou o ministro Paulo Pimenta, da Secretaria de Comunicação, como “ministro extraordinário de reconstrução do Estado”. O mesmo que solicitou à Advocacia-Geral da União que mobilizasse a Polícia Federal para investigar críticos da atuação federal no Rio Grande do Sul e a abertura de um novo inquérito no STF, sob o pretexto de, adivinha, fake news. Um aguardado gesto de pacificação passou longe.

paulo pimenta e lula
O ministro Paulo Pimenta (Secom) foi o escolhido de Lula para comandar ações de reconstrução do Rio Grande do Sul | Foto: Ricardo Stuckert/PR

Os próximos 500 dias de Lula 3 serão inegavelmente desafiadores, ainda mais porque é um governo de cercadinho, sem povo. E mesmo que o avanço tenha ingredientes simples — como responsabilidade fiscal, eficiência governamental e humildade diante da Constituição e da opinião pública — é preciso acreditar na receita que sempre dá certo. E também na lógica de que tragédias podem ser mitigadas com planejamento e de que quem está sob forte chuva e debaixo d’água precisa de salvamento urgente.

Leia também “A tragédia da tragédia”

7 comentários
  1. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
    Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

    Só acrescentando que a dívida/PIB deixada pelo governo Bolsonaro e Guedes foi positiva, mesmo com a catástrofe do vírus chinês.

  2. DONIZETE LOURENCO
    DONIZETE LOURENCO

    Esperar governo eficiente e eficaz de um descondenado é algo impensável para quem dispõe de pelo menos dois neurônios ativos.
    O consórcio PT/STF/TSE trabalhou em harmonia para colocar na presidência um fantoche para atender às demandas do sistema.
    O Congresso acovardado fecha seus olhos aos desmandos da mais alta corte do país e se nada for feito para deter os anseios ditatoriais deste bloco, o desfecho poderá ser sangrento para o país e seu povo.
    Basta retroceder para os registros históricos no mundo todo.

  3. Erasmo Silvestre da Silva
    Erasmo Silvestre da Silva

    Eu sei muito bem que os melhores jornalistas do mundo estão na direita. Eles pregam as premissas éticas, o aristotelismo. Mas pra população brasileira a semântica e o eufemismo são regras para os “intelectuais”. Hoje estão valendo é a tecnologia, a cibernética, é a IA. Esta é a melhor forma de compreender a política, todo mundo tem essa extensão do cérebro na mão. Mesmo que os meninos de Lula os retire de alguns pra tomar uma cervejinha. O que se sabe é que no Brasil a cultura woke, a mudança de linguagem, a contra biologia de ser o que quer ser, no modismo jumental que leva até universidades apoiarem o terrorismo, o que predomina é a corrupção acima de todos, a roubalheira genaralizada entranhada e escancarada nos três poderes

  4. Emilio Sani
    Emilio Sani

    Pioto fez uma excelente análise dos 500 dias de desgoverno

    1. Emilio Sani
      Emilio Sani

      Piotto, faltou um t

  5. RODRIGO DE SOUZA COSTA
    RODRIGO DE SOUZA COSTA

    Os pretensos pensantes da FL não querem o progresso do Brasil, querem aumentar seus rendimentos emprestando para o governo. Nos últimos anos muitas fortunas foram criadas assim. Eles estão certos, errado é quem cai na conversa deles.

    1. Emilio Sani
      Emilio Sani

      exatamente, e os bilionários do Itaú e globolixo que foram salvos por luladrao também sabem exatamente o que estão fazendo, apenas aproveitando a onda da corrupção institucionalizada

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