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Donald Trump, ex-presidente dos Estados Unidos, durante julgamento no Tribunal Criminal de Manhattan, em Nova York (20/5/2024) | Foto: Mark Peterson/Pool
Edição 220

Admirável mundo novo: o caso Trump

Não existe liberdade quando não existe segurança jurídica. Juízes competentes e imparciais são absolutamente necessários ao funcionamento do Estado de Direito

Roberto Motta
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O ex-presidente Donald Trump foi condenado em um processo criminal. O processo teve origem em registros contábeis indevidos — a princípio, apenas uma contravenção – que, através de um salto triplo jurídico, foram conectados pelo promotor do caso com as eleições de 2016 — e, por isso, passaram a ser considerados crimes. Na verdade, 34 crimes — um crime para cada registro contábil.

Vários presidentes americanos cometeram crimes bem documentados. Bill Clinton fez sexo na Casa Branca com uma estagiária e depois mentiu em juízo sobre o caso. Richard Nixon envolveu-se em interceptação telefônica, invasão de domicílio, pagamento de propina e abuso de poder. São apenas dois exemplos. Nenhum deles foi processado — Nixon, inclusive, recebeu o perdão presidencial de seu sucessor, Gerald Ford.

Os Estados Unidos têm uma forte tradição de preservar seus ex-presidentes. Essa tradição acaba de morrer. As consequências são imprevisíveis para os Estados Unidos e o mundo.

Mas o que fez Donald Trump?

A lei do estado de Nova York obriga as empresas a registrarem a finalidade dos pagamentos feitos por elas. Trump teria violado a lei ao mentir sobre a natureza de alguns pagamentos.

Por que ele fez isso?

Para encobrir um caso amoroso. Trump teria ordenado a seu advogado na época, Michael Cohen, que fizesse pagamentos à atriz Stormy Daniels para que ela mantivesse segredo sobre um caso entre ela e Trump. Cohen fez os pagamentos com seu próprio dinheiro.

Stormy Daniels, atriz que teria sido paga para manter segredo sobre um caso entre ela Donald Trump | Foto: Mike Blake/Reuters

O problema começou quando Trump reembolsou Cohen usando dinheiro de sua empresa. Os pagamentos a Cohen foram registrados contabilmente como “despesas legais” quando, na verdade, não eram nada disso. Foram esses registros que levaram Trump a ser condenado por falsificação de registros comerciais, de acordo com a Lei Penal nº 175.1 de Nova York.

Aqui entra um detalhe crucial: normalmente esse ato seria considerado apenas uma contravenção. Mas ele passa a ser considerado crime quando o réu age com “intenção de cometer, ajudar a cometer ou ocultar a prática de outro crime“.

Mas que outro crime seria esse? Segundo a promotoria, os registros contábeis indevidos feitos por Trump seriam parte de uma “conspiração para promover ou impedir eleições”. O promotor baseou-se na Lei Estadual nº 17-152 de Nova York. E aí começam os questionamentos.

Primeiro, essa lei é, segundo advogados americanos, essencialmente letra morta, nunca usada. A acusação tirou da estante um livro empoeirado e o usou como arma contra Trump.

A segunda e mais complicada questão é que, segundo a alegação do promotor, Trump pretendia encobrir violações das eleições federais. Mas como o promotor chegou a essa conclusão? Ele assumiu que o pagamento à atriz foi uma contribuição eleitoral, porque Trump fez o pagamento para aumentar suas chances de vencer as eleições. Com isso, Trump teria violado a lei federal que limita o valor das contribuições de campanha. Esse é o salto triplo carpado.

Muitos juristas não concordam que os pagamentos feitos por Trump para manter sua amante calada devam ser considerados como contribuições de campanha. Alguém na posição de Trump poderia fazer isso simplesmente para preservar sua reputação. A conexão com as eleições federais está longe de ser indiscutível e juridicamente robusta.

Os juristas apontam outro problema com essa bizarra acrobacia jurídica: ela mistura as legislações federal e estadual. Os estados americanos nada têm a ver com as leis eleitorais federais e, nesse caso específico, o governo federal recusou-se a processar Trump pelo esquema de pagamento de dinheiro secreto. Baseado em quê, então, o estado de Nova Iorque resolveu assumir essa tarefa?

Donald Trump no julgamento movido contra ele, na cidade de Nova York (29/5/2024) | Foto: Yuki Iwamura/Reuters

Não há boas respostas. O resultado é que muitos juristas, mesmo de esquerda, criticaram a acusação. Mark Ponerantz, ex-promotor público de Manhattan, disse que a teoria era “muito arriscada ” e que “nenhum tribunal de apelação em Nova York jamais sustentou esta interpretação da lei”. Alan Dershowitz chamou o caso de “uma piada absoluta”.

Além da fragilidade jurídica do malabarismo feito pelo promotor, era evidente a motivação política. O promotor decidiu apresentar as acusações contra Trump em um distrito que votou maciçamente em Joe Biden. E o julgamento foi um espetáculo midiático.

Quando magistrados — e promotores, defensores e outros operadores do Direito — colocam a política e a ideologia em primeiro lugar, a democracia desaba

A sentença de Donald Trump será anunciada em julho. É improvável, mas não impossível, que seja condenado à prisão. Improvável porque Trump é réu primário e o crime não é violento. Mas a prisão é possível porque, na opinião de alguns observadores, existe o risco de Trump continuar a estimular protestos.

Ninguém sabe quais serão as consequências se a nação mais poderosa do mundo colocar na prisão o candidato favorito às próximas eleições presidenciais.

As lições do caso são importantes. Não existe liberdade quando não existe segurança jurídica. Juízes competentes e imparciais são absolutamente necessários ao funcionamento do Estado de Direito. Quando magistrados — e promotores, defensores e outros operadores do Direito — colocam a política e a ideologia em primeiro lugar, a democracia desaba.

Já havia sinais de que isso estava acontecendo nos Estados Unidos. Promotores de Justiça ativistas, atuando em algumas das maiores cidades americanas governadas pelo partido democrata, há muito anunciavam que não iriam mais processar réus acusados de crimes como furto, roubo a residências, agressões ou porte de drogas (inclusive para tráfico), sob a alegação de que processos como esses ferem a busca pela justiça social.

Troca-se assim a justiça real, possível e imperfeita, por aquilo que Thomas Sowell chama de justiça cósmica: uma solução perfeita para todos os problemas, utópica e inatingível. É na busca por essa utopia que ativistas disfarçados de juristas rasgam a constituição americana, a mesma que sobreviveu a desastres como a guerra civil e o escândalo de Watergate. Não se tem certeza se sobreviverá agora.

Um processo muito semelhante ocorre no Brasil. A esquerda brasileira não tem criatividade. Ela foi, durante muito tempo, braço da União Soviética, funcionária obediente às determinações pagas com o famoso ouro de Moscou. A partir de certo momento ela se converteu em franquia da esquerda radical americana, uma operação amplamente financiada por uma constelação de fundações, como a Open Society Foundations, do bilionário George Soros. Todos esses grupos compartilham a mesma agenda: o globalismo. Trata-se da promoção de um mundo dominado por uma combinação de grandes corporações, agências internacionais e uma elite esclarecida e iluminada — uma elite progressista — que vai decidir o que você pode ou deve possuir, o que você está autorizado a dizer e como você deve se comportar.

George Soros, bilionário fundador da Open Society Foundations | Foto: Antonio Scorza/Shutterstock

Esse processo gera, no Brasil, duas consequências terríveis. A primeira é a constante suavização da legislação penal e a sabotagem do sistema de justiça criminal, com a criação de benefícios e direitos para criminosos que são desconhecidos na maioria dos países ocidentais, como audiência de custódia, progressão de regime, saidinha e visita íntima.

A segunda consequência é exatamente o que vimos no caso de Donald Trump: o uso do sistema de justiça criminal como ferramenta de doutrinação e de perseguição a adversários.

Nesse admirável novo mundo, afogado em crime e entorpecido por drogas, a única posição aceitável é ser de esquerda.

Resistamos.

Leia também “O Ministério do Caos”

4 comentários
  1. Ricardo Martins Peres
    Ricardo Martins Peres

    Nos Estados Unidos ainda há uma Suprema Corte que garante o cumprimento da Justiça, diferentemente do Brasil, em que temos um STF composto em sua grande maioria por ativistas judiciais… É lamentável…

  2. Elias José de Souza
    Elias José de Souza

    Artigo muito bom. Parabéns Motta. Fazendo uma comparação com aqui, por lá ainda existe uma suprema corte para corrigir esses absurdos jurídicos.

  3. Carlos Antônio de Carvalho
    Carlos Antônio de Carvalho

    Muito bom e expressa a lamentável realidade da esquerda.

  4. João Cirilo
    João Cirilo

    Melhor informação que recebi até agora sobre o caso Trump. Não sei se a TV aberta ou os jornais da imprensa carunchada, ambos vermelho sangue e ávidos por chuparem as tetas do Tesouro detalharam o assunto. Duvido.

    Nas redes sociais tampouco vi o cerne da acusação e do processo, que é o que interessa.

    Roberto Mota explicou. E a explicação mais e mais me convence que ou a direita quando assumir as rédeas do poder no Ocidente massacra a esquerda (dentro da lei, não precisa mais) ou a civilização ocidental estará ajoelhada ante a rmandade e os sino -russos em questão de décadas.

    Será necessário agir junto ao judiciário e especialmente no MP (atualmente usina de descerebrados esquerdopatas) e calando a boca (se o caso via delegado de polícia) dos patetas abobalhados de redes sociais, além é lógico, da aplicação da lei penal aos casos concretos.

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