Detentores do maior produto interno bruto (PIB) do mundo, com quase US$ 27 trilhões em 2023, os Estados Unidos têm parte de sua economia movida por cartas de baralho, roletas, cartelas de bingos, dados e alavancas de máquinas caça-níqueis. Atualmente, cassinos e outras modalidades popularmente chamadas de jogos de azar geram cerca de US$ 330 bilhões por ano, o que equivale a R$ 1,7 trilhão, conforme a Associação Americana de Jogos. Além disso, o setor é responsável por 1,8 milhão de empregos diretos e indiretos, com os postos de trabalho espalhados por 47 Estados norte-americanos.
Diferentemente dos EUA, o Brasil não tem números a apresentar em relação a cassinos. E isso há quase 80 anos. Afinal, foram proibidos em 1946, por determinação do então presidente da República, Eurico Gaspar Dutra. Ao justificar a decisão, ele alegou que esse tipo de jogo entrava em conflito com a “tradição moral, jurídica e religiosa” do país. Para Dutra, os cassinos eram “nocivos à moral e aos bons costumes”. Há, contudo, a versão de que a ordem para a proibição tenha partido da primeira-dama Carmela Dutra. Católica fervorosa, ela era chamada de “Dona Santinha” e condenava a jogatina.
A proibição de cassinos não coloca o Brasil em oposição apenas à situação dos EUA. Mais de cem países permitem esse tipo de estabelecimento, inclusive vizinhos como a Argentina e o Uruguai. O veto aos jogos de azar se dá, sobretudo, em nações de maioria islâmica, como Arábia Saudita, Irã e Indonésia. Dessa forma, o Brasil fica de fora de um mercado bilionário e que acaba por ter cunho social. Segundo a Associação Mundial de Loterias, o setor injetou quase US$ 80 bilhões (R$ 410 bilhões) em ações sociais no decorrer de 2021.
Jogos com aval do Estado
Apesar da proibição de cassinos, o Brasil permite outros jogos de azar. O Estado controla, por exemplo, a parte das loterias, que se dão por meio da Caixa Econômica Federal, um banco público. O principal jogo, a Mega-Sena, leva bem a sério o conceito de azar, uma vez que a probabilidade de acerto supera uma em 50 milhões por aposta.
As loterias da Caixa não têm o potencial de gerar empregos nem de movimentar a economia como os cassinos. Porém, elas são liberadas, assim como as apostas esportivas on-line — as chamadas bets —, que, controladas por desenvolvedores baseados no exterior, viraram febre no país e tiveram sua regulamentação validada pelo Congresso Nacional e pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que sancionou a Lei das Bets no fim do ano passado.
Se, conforme Dutra e Dona Santinha, os cassinos são “nocivos à moral e aos bons costumes”, o mesmo poderia se dizer das bets. Dados evidenciam que uma parte da população passou a enfrentar o vício em apostas esportivas on-line. Segundo o instituto de pesquisas Datafolha, os brasileiros gastaram R$ 54 bilhões com as bets só em 2023. Esse tipo de gasto, aliás, tem penetração até entre os mais pobres. De acordo com o levantamento, 17% dos beneficiários do Bolsa Família transferem parte dos recursos para a jogatina virtual — o gasto mensal supera os R$ 100 para quase um terço desses jogadores.
Há casos em que o vício nas bets tem feito cidadãos deixarem de comer. Literalmente. Em vez de fazer a despesa do mês, há quem prefira “investir” nas bets na esperança de ganhar algum dinheiro extra. Consequentemente, supermercados lidam com essa mudança no perfil do consumidor. O que deixa alerta até mesmo grandes redes que atuam no país. “A gente tem feito várias pesquisas e visto que alguns gastos novos entraram no bolso desse consumidor”, disse Belmiro Gomes, diretor-presidente da rede Assaí, em recente entrevista à revista Veja. “Por incrível que pareça, o mercado de apostas esportivas aparece entre eles.”
Enquanto os cassinos seguem proibidos no Brasil, os jogos on-line têm o risco de provocar abalos financeiros e emocionais, avisa a psicóloga Ana Paula Hornos. De acordo com ela, o boom das bets no país passa pela falta de educação financeira.
“A prevalência de apostas on-line entre os brasileiros, principalmente jovens, sugere uma inclinação ao imediatismo e à busca por ganhos rápidos, muitas vezes devido à falta de educação financeira e à atração por recompensas instantâneas”, comenta Ana Paula. “A dependência dos jogos pode induzir um comportamento obsessivo-compulsivo, levando ao isolamento social e à deterioração de relações pessoais.”
Regulamentação em pauta
Com as loterias da Caixa ativas e as bets impactando até no consumo em supermercados país afora, a discussão para legalizar bingos e cassinos voltou à pauta do Poder Legislativo. Há, em defesa desses jogos, o argumento de que, diferentemente da Mega-Sena e das apostas esportivas on-line, eles podem impulsionar a economia nacional, com geração de empregos — de vigilantes a crupiês, passando por garçons e equipe de limpeza — e movimentação de recursos financeiros.
Aprovada em 2022 pela Câmara dos Deputados, a lei que visa regulamentar bingos e cassinos no Brasil teve aval por parte da Comissão de Constituição e Justiça do Senado nesta semana. Contudo, o assunto só deverá ir para o plenário depois do recesso parlamentar. Relator da proposta na Casa, o senador Irajá Silvestre (PSD-TO) estima que a liberação desses jogos pode ser responsável por incrementar em até R$ 40 bilhões anuais aos cofres da União, além de gerar 700 mil empregos diretos.
Especialista em Direito de Jogos de Apostas, o advogado Fabiano Jantala mostra-se favorável à liberação dos cassinos e bingos no Brasil. Segundo ele, uma vez legalizado, o setor pode ser responsável por tirar milhares de pessoas das estatísticas de desemprego.
“Uma mesa de cassino tradicional tem 36 números, ou seja, a chance é de uma em 36. Na Mega-Sena, você tem uma chance em 51 milhões”
“O legislador brasileiro adotou, durante muito tempo, uma postura discriminatória em relação aos jogos, e somente admitia aquelas modalidades que beneficiavam o Estado”, diz Jantala. “Os jogos on-line estão gerando mobilização de executivos e profissionais do setor. Isso já é uma realidade e um fato consumado, já há uma demanda por mão de obra especializada. Agora, imagine se, além disso, a gente permitir os estabelecimentos físicos? Vai gerar milhares de empregos.”
Fora o potencial de movimentar a economia nacional, o advogado chama a atenção para o fato de que as chances de os apostadores vencerem tendem a ser maiores do que nas já mencionadas bets e, principalmente, a Mega-Sena — que contam com o aval do Estado — para os apostadores.
“Você sabe qual é a probabilidade de ganhar uma mesa de cassino, que todo mundo chama de jogo de azar?”, indaga o especialista em apostas. “Uma mesa de cassino tradicional tem 36 números, ou seja, a chance é de uma em 36. Na Mega-Sena, você tem uma chance em 51 milhões. Aí eu te pergunto: qual é o jogo de azar? O Estado não deve tomar decisões pelas pessoas.”
É só atravessar a rua
Enquanto o Estado brasileiro interfere nas decisões dos cidadãos, proibindo-os de ir a cassinos e bingos no país, há quem decida “vender lenços” — ou melhor, fichas — para a população. É o caso, por exemplo, do Uruguai, que não para de investir no segmento. No início do ano passado, o presidente Luis Alberto Lacalle Pou anunciou o projeto de US$ 22 milhões para a construção de um complexo, com hotel e cassino, na cidade de Paysandú, na fronteira com a Argentina.
Com 73 mil habitantes, Paysandú serve como exemplo de como bingos e cassinos poderiam ser explorados no Brasil, observa Jantala. “Imagine, por exemplo, uma estrutura de um Caesars Palace ou de um Hard Rock, estabelecida por aqui como cassino e associada a um empreendimento turístico”, diz o especialista. “Você cria polos de desenvolvimento econômico.”
Na fronteira do Uruguai com o Brasil há a prova de que esse tipo de atividade é responsável pelo surgimento de polos econômicos. Em Rivera, um cassino e resort de quatro estrelas que leva o nome do município uruguaio fica na Boulevard 33 Orientales, com acesso à Avenida João Pessoa, que já faz parte do município gaúcho de Sant’Ana do Livramento, com hotéis e pousadas do lado brasileiro usando em suas ações de comunicação o fato de estarem perto de Rivera, onde bingos e cassinos são liberados. Ou seja, basta atravessar a rua (literalmente) para fugir do conjunto de regras que há quase oito décadas deixa o Estado brasileiro com a função de tutelar — também — a moral e os bons costumes.
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Sou favorável a legalização. A comparação feita por um entrevistado no artigo, que uma mesa de cassino tradicional é 1 em 36, e uma mega sena é 1 em 51 milhões, já comprova que, se tem mega sena, por que não cassino? Já que é mais fácil ganhar e dinamizar a economia.
O problema também é que o estado quer ficar com o monopólio, via Caixa Econômica Federal, com só meia duzia lá em cima sugando o dinheiro do povo via mega sena, lotofacil, quina, e afins.
Enquanto o Estado brasileiro achar que o brasileiro é um coitado, incapaz de agir e assumir a responsabilidade por seus atos, viveremos situações como as descritas no artigo. Chega de Estado paternalista. As pessoas que decidam o que querem fazer de suas vidas e arquem com as consequências.
O título faz uma pergunta errada e tendenciosa.
É a mesma coisa que perguntar: “por que só o tráfico pode lucrar com a venda de drogas”?
A resposta adequada é: “As apostas são ALTAMENTE nocivas para as pessoas e para a sociedade, tal qual as drogas. Por isso devem continuar proibidos”.