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Incêndio no Pantanal, a maior área úmida do mundo, em Corumbá, em Mato Grosso do Sul (12/6/2024) | Foto: Reuters/Ueslei Marcelino
Edição 224

O Brasil está pegando fogo

Diante da falta de ações preventivas por parte do governo federal, o Pantanal e o Cerrado encerram o primeiro semestre de 2024 com o maior número de incêndios florestais já registrado na história do país

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Anderson Scardoelli
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O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva bateu dois recordes ambientais em 2024. De acordo com o Aqua, satélite de referência do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o Pantanal e o Cerrado nunca tiveram tantos registros de incêndios florestais num primeiro semestre. De janeiro a junho, foram mais de 3,5 mil e 13,2 mil focos de calor (nome técnico usado para queimadas e incêndios florestais) em cada uma das áreas, respectivamente. Dos outros quatro biomas que cobrem o território nacional — Amazônia, Caatinga, Mata Atlântica e Pampa —, somente o último apresentou um número menor de queimadas em relação ao mesmo período do ano anterior. Os fatos mostram que, com o petista à frente da Presidência da República, o Brasil pega fogo.

No caso do Pantanal, a quantidade de queimadas no primeiro semestre deste ano supera em cerca de 40% o que era, até então, o pior resultado para o período. Durante os seis primeiros meses de 2020, o bioma registrou 2,5 mil focos de calor. A gritaria que se ouviu de artistas, intelectuais e da esquerda em geral na época de Jair Bolsonaro na Presidência torna o silêncio de agora ainda mais ensurdecedor.

Registro de 2023 de incêndio no Pantanal
Incêndios voltaram a atingir o bioma pantaneiro (2023) | Foto: Joédson Alves/Agência Brasil
Brigadista tenta conter chamas que se espalham pelas gramas do Pantanal — Corumbá, 29/6/2024 | Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Brigadista tenta conter chamas que se espalham pela grama no Pantanal, em Corumbá (29/6/2024) | Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Profissional do Ibama diante de área afetada pelas queimadas; o campo virou cinzas — Corumbá, 29/6/2024 | Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Profissional do Ibama diante de área afetada pelas queimadas; o campo virou cinzas em Corumbá (29/6/2024) | Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Brigadista tenta conter fogo em Corumbá, a 'capital do Pantanal' — 29/6/2024 | Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Brigadista tenta conter fogo em Corumbá, a ‘capital do Pantanal’ (29/6/2024) | Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Brigadista em área pantaneira depois de ser tomada pelo fogo — Corumbá, 29/6/2024 | Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Brigadista em área pantaneira depois de ser tomada pelo fogo, em Corumbá (29/6/2024) | Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Brigadista do Ibama em ação de combate ao incêndio — Corumbá, 29/6/2024 | Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Brigadista do Ibama em ação de combate ao incêndio em Corumbá (29/6/2024) | Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Vista panorâmica de área de mata no Pantanal com focos de fumaça
Vista panorâmica de área de mata no Pantanal com focos de fumaça, nos arredores do município de Corumbá, interior de Mato Grosso do Sul (28/6/2024) | Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Ribeirinho observa fumaça de queimadas nas proximidades de Corumbá — 28/6/2024 | Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Ribeirinho observa fumaça de queimadas nas proximidades de Corumbá (28/6/2024) | Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Brigadista tenta combater o fogo, que se alastra pelo solo em área próxima a Corumbá — 28/6/2024 | Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Brigadista tenta combater o fogo que se alastra pelo solo em área próxima a Corumbá (28/6/2024) | Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Brigadista do Ibama durante um dia de trabalho na tentativa de controlar o fogo no Pantanal — Corumbá, 28/6/2024 | Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Brigadista do Ibama durante um dia de trabalho na tentativa de controlar o fogo no Pantanal, em Corumbá (28/6/2024) | Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Incêndio em solo em área do Pantanal — Corumbá, 30/6/2024 | Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Incêndio em área do Pantanal, em Corumbá (30/6/2024) | Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Com relação ao Cerrado, Lula conseguiu superar a si mesmo. O recorde de incêndios florestais no bioma para um primeiro semestre havia sido registrado em 2007, primeiro ano do segundo mandato do petista. Agora, foram contabilizados 15 focos de calor a mais.

Outros recordes de incêndios florestais aconteceram com Lula à frente do Executivo federal. A Amazônia, por exemplo, nunca queimou tanto num primeiro semestre como no período de janeiro a junho de 2004, com 17,3 mil registros. Um ano antes, havia sido a vez da Mata Atlântica. Pela primeira vez desde o início da série histórica, que agrupa estatísticas desde junho de 1998, o bioma superou 8 mil focos de calor na soma dos seis primeiros meses de um ano. 

Embora se apresente como o grande guardião ambiental do Brasil, o Partido dos Trabalhadores (PT) não liderou o número de queimadas só quando Lula esteve no poder. A ex-presidente Dilma Rousseff também encabeça algumas listas. Em 2012, por exemplo, a Caatinga alcançou pela primeira — e única — vez a marca de 2,3 mil focos de calor no semestre.

Bombeiros do Distrito Federal combatem incêndio no Cerrado da Área de Proteção Ambiental (APA) do Planalto Central, vizinha ao Parque Nacional de Brasília (DF), localizada a cerca de 40km do Palácio do Planalto — 18/9/2020 | Foto: Ruy Baron/Ishoot/Agência Estado
Bombeiros do Distrito Federal combatem incêndio no Cerrado da Área de Proteção Ambiental (APA) do Planalto Central, vizinha ao Parque Nacional de Brasília (DF), localizada a cerca de 40 km do Palácio do Planalto (18/9/2020) | Foto: Ruy Baron/Ishoot/Agência Estado
E o Bolsonaro?

Durante os quatro anos em que governou o país, Bolsonaro foi alvo constante de críticas da esquerda — especialmente de Lula — por uma suposta “omissão” em relação à implementação de políticas verdes. O ex-presidente, contudo, lidera os incêndios florestais apenas no Pampa — com mil focos de calor no primeiro semestre de 2020. Em todos os outros biomas, o ranking de queimadas num primeiro semestre é liderado por um representante do PT.

“A farsa do chamado ‘aquecimento global’ ruiu”
(Jair Bolsonaro)

“A farsa do chamado ‘aquecimento global’ ruiu”, desabafou Bolsonaro, em seu canal no WhatsApp. “Por isso, os ‘progressistas’ mudaram a coisa para ‘mudanças climáticas’. Uma tentativa de manter a farsa fatalista que leva à expedição de regras draconianas sobre a ocupação humana dos espaços, a produção agrícola, a pujança criada pelo capitalismo, o uso de combustíveis verdadeiramente eficientes etc.”

É culpa do aquecimento global

O posicionamento de Bolsonaro foi registrado logo depois que Lula e Marina Silva, ministra do Meio Ambiente, mudaram o discurso. Em 2020, quando o Pantanal havia — até então — batido recorde de incêndios florestais para um primeiro semestre, eles fizeram questão de responsabilizar Bolsonaro pelo fogo. Agora, culpam o “aquecimento global”.

Em setembro daquele ano, Lula acusou a gestão bolsonarista de ter desmontado “todos os mecanismos de prevenção a incêndios”. Na ocasião, ainda aproveitou para ofender o então ministro Ricardo Salles, hoje deputado federal pelo PL de São Paulo, chamando-o de “cidadão sem caráter e sem respeito ao meio ambiente”.

Agora, com novos recordes de focos de calor, Lula não só elogiou Marina como deu a ela a missão de liderar uma tal “sala de situação” para a “prevenção e controle de incêndios no Pantanal”. O grupo se reuniu pela primeira vez em 14 de junho. No mesmo dia, a ministra tentou livrar a sua equipe de quaisquer responsabilidades. De acordo com ela, o país lida com o “agravamento dos problemas em função de uma combinação de El Niño e mudança do clima”.

Há quatro anos, a conversa era outra. “O Pantanal arde em chamas, mas a postura inescrupulosa do presidente é dizer que são críticas desproporcionais”, afirmou Marina pelo Twitter/X, em setembro de 2020. “Criminosamente desproporcional é a falta de medidas do governo para enfrentar o tamanho do problema da destruição dos biomas brasileiras [sic].”

Hoje, a ministra aproveitou para culpar também os produtores rurais pelo crescimento dos incêndios florestais no Pantanal. E afirmou que o caos atual se dá como consequência das “ações humanas”. 

Com isso, ela repete o que diz Raoni Guerra Lucas Rajão, diretor do Departamento de Políticas de Controle do Desmatamento e Queimadas, órgão ligado ao Ministério do Meio Ambiente. Embora seja formado em ciência da computação, Rajão foi escolhido por Marina para ser peça-chave no setor que deveria combater os incêndios florestais. 

Rajão já escreveu diversos artigos em que, entre outros pontos, culpa produtores rurais, companhias do agronegócio e a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) pelo que chamou de “enfraquecimento das políticas de redução de desmatamento anteriormente bem-sucedidas”. Num dos textos, ele acusa o setor produtivo nacional de contar com algumas “maçãs podres”. Depois de discursos desse tipo, Rajão passou a conceder inúmeras entrevistas e ganhou destaque na imprensa tradicional com o status de “especialista em temas ambientais”.

Raoni Guerra Lucas Rajão ao lado de Marina Silva
Raoni Guerra Lucas Rajão, graduado em ciência da computação, foi a escolha de Marina Silva para dirigir o Departamento de Políticas de Controle do Desmatamento e Queimadas, do Ministério do Meio Ambiente | Foto: Reprodução/Twitter/X/@RajaoPhD

Até o momento, não há nenhum registro recente de entrevista em que Rajão tente explicar o que está acontecendo com o Pantanal e o Cerrado. Ao que parece, a imprensa tradicional esqueceu o “especialista” de outrora. 

A pecuária como solução 

Diferentemente do que o aliado de Marina Silva defendeu, quem atua diretamente com a cadeia agroprodutiva do país discorda do conceito das “maçãs podres” no segmento. Profissionais do setor defendem justamente o contrário. De acordo com eles, a pecuária é a solução — não o problema — quando o assunto é prevenção contra a proliferação do fogo.

“Com mais de 270 anos de história, os pantaneiros conciliam preservação ambiental e pecuária sustentável, viabilizando a conservação ambiental desse importante bioma que, com 86% da sua área preservada, é o ecossistema mais protegido no Brasil”, ressaltou uma nota conjunta assinada pelos presidentes da Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul, Marcelo Bertoni, e da Associação dos Criadores de Mato Grosso do Sul, Guilherme Bumlai. “Fatores como seca prolongada, altas temperaturas, baixa umidade do ar e vegetação com características de alta combustão, somados à dificuldade de acesso, favoreceram os incêndios, naturais ou acidentais, que avançam extremamente rápido, principalmente em áreas onde não é exercida a atividade pecuária.”

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Gilson de Barros, presidente do Sindicato Rural de Corumbá (MS), concorda. Recentemente, ele escreveu um artigo em que mostra que o problema das queimadas é maior onde a criação de gado não se faz presente. “Esse discurso de que o culpado pelos incêndios florestais no Pantanal é o produtor rural precisa acabar”, diz. “Precisamos tomar medidas preventivas para proteger essas áreas onde o boi não pasta, áreas como as reservas ambientais, parques, beira de rios e regiões que acumulam muita matéria seca.”

Expedição técnica de produtores rurais em Corumbá (MS)
Expedição técnica de produtores rurais em Corumbá (MS); representante da categoria defende maior presença da pecuária no município | Foto: Reprodução/Instagram/@sindicato_ruraldecorumba

Barros registra que a queima dessa matéria seca, chamada macega, deixou de ser feita pelos produtores rurais pantaneiros. O motivo: risco de multa. A consequência disso é o aumento de incêndios florestais na região, uma vez que esse capim alto e seco acaba funcionando como “combustível” para a maior propagação do fogo.

Quem também ajuda na prevenção do bioma é o “boi bombeiro”. A expressão foi criada no início da década de 1980 pelo pesquisador Arnildo Pott. Aposentado da Embrapa desde 2008, ele dedicou décadas de trabalho ao estudo da relação da pecuária com o Pantanal e entendeu que a presença de rebanhos contribui para reduzir os focos de calor, uma vez que o gado acaba se alimentando das macegas.

“É uma ilusão acreditar que tirar o gado de uma propriedade, o que era tido como fator de perturbação, ajuda na prevenção de incêndios”, afirma. “O que ocorre é o contrário. Sem gado, áreas como a do Pantanal viram barris de pólvora.”

arnildo pott durante palestra
O pesquisador Arnildo Pott, durante uma palestra; é dele a expressão ‘boi bombeiro’ | Foto: Reprodução/YouTube

Pott conta que chegou a ser “ridicularizado” por defender a maior presença de gado no bioma pantaneiro. Ressalta, contudo, que viu o seu trabalho ser atestado por outros colegas da Embrapa. Um estudo publicado em agosto de 2021 escrito por Luiz Orcirio Fialho de Oliveira e Urbano Gomes Pinto de Abreu, por exemplo, foi categórico já no título: “Os bovinos protegem o Pantanal de incêndios”. Como base, a dupla analisou a situação de Corumbá, município sul-mato-grossense com 64 mil km² de área territorial (11º maior do Brasil), 95 mil habitantes e que ostenta o título de “capital do Pantanal”.

“A pecuária tem sido reduzida e perseguida”
(Evaristo de Miranda)

“Em Corumbá, no ano em que ocorre diminuição do efetivo bovino municipal, aumenta no ano seguinte o número de focos de calor”, conclui a dupla. Evaristo de Miranda, colunista de Oeste e pesquisador aposentado da Embrapa, afirma que “a pecuária tem sido reduzida e perseguida” não só no Pantanal, mas em todos os biomas brasileiros.

Enquanto Lula segue como presidente da República, Marina Silva permanece no Ministério do Meio Ambiente e o cientista da computação Raoni Rajão continua na função de diretor do departamento que deveria combater incêndios florestais, novos recordes de focos de calor são registrados no Pantanal e no Cerrado. Mas a culpa pelo fogo é dos pecuaristas. E do “aquecimento global”, claro.

Marina Silva e Lula; com eles, o fogo avança sobre o Pantanal | Foto: Ricardo Stuckert/Equipe Lula
Marina Silva e Lula; com eles, o fogo avança sobre o Pantanal | Foto: Ricardo Stuckert/Equipe Lula

Leia também “Não foi o aquecimento global”

4 comentários
  1. DONIZETE LOURENCO
    DONIZETE LOURENCO

    Os PeTralhas não estão interessados em proteger nenhum bioma.
    Marina finge ser ministra e os militantes acreditam que a responsabilidade é do Agro, do clima e outras baboseiras que costumam gritar.

  2. Erasmo Silvestre da Silva
    Erasmo Silvestre da Silva

    Essa Marina Silva é uma ET, só se melhora o meio-ambiente e a ecologia com conhecimento científico e só se tem conhecimento científico com o desenvolvimento. Essas queimadas são resultados do processo evolutivo do planeta. O que o homem pode fazer é evitar alguns focos criados pelo próprio homem

  3. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
    Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

    O negócio da Marina Silva é tomar cafezinho em Paris, em reunião para discutir os incêndios no Pantanal, com artistas entendidos do assunto.

  4. Walt Silva Sobrinho
    Walt Silva Sobrinho

    Aposentado ano passado após 40 anos de ibama e icmbio, testemunhei o desmonte progressivo dessas instituições pelo PT. Adotando uma prática análoga a da escolha de sementes para plantio de feijão pelos agricultores – onde os grãos são jogados em baldes com água e os que emergem não servem para plantio -. Este governo continua fazendo o inverso dessa prática. Direções desses órgãos são ocupadas com as “sementes” não saudáveis enquanto as “boas” são mantidas no fundo do “balde”.
    Aparelhamento planejado resultando no maior crime ambiental deste país, os quais são patrocinados pelos “inocentes do Leblon”, pseudos jornalistas/intelectuais , imprensa desonesta, artistas “entendidos” e renomados falsos profetas ambientalistas. O resultado não poderia ser diferente deste. Além dos outros desastres ambientais não menos graves, que não detém luz nem chama para manifestar sua agonia.

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