Quando o assunto é segurança pública e combate ao crime organizado, autoridades brasileiras param para ouvir o que Rodrigo Pimentel tem a dizer. Ex-capitão do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope), da Polícia Militar do Rio de Janeiro, Pimentel ficou conhecido no mundo todo pelo filme Tropa de Elite, que escancarou a ligação de políticos com as milícias cariocas. Ele foi coautor do livro Elite da Tropa e do roteiro do filme.
Na última semana, Pimentel esteve no Recife, em Pernambuco, para participar de um seminário da Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado, da Câmara dos Deputados, e falou com exclusividade a Oeste. O ex-militar criticou ações do Supremo Tribunal Federal (STF) que ajudaram a expandir o crime, afirmou que bandidos já não se importam mais com o tráfico de maconha e cocaína, e garantiu que o “mapa da mina” agora são os territórios das favelas.
O secretário nacional de Políticas Penais, André Garcia, afirmou que mais de 70 facções criminosas atuam nos presídios brasileiros. Por que o Estado não consegue conter a expansão dessas organizações?
O Rio de Janeiro vive um drama chamado milícia. Hoje, por exemplo, o Comando Vermelho já não vende cocaína ou maconha em várias favelas. Ele sobrevive da venda de botijão de gás superfaturado e de cigarro paraguaio. Das 73 facções do Brasil, 72 vendem cigarro paraguaio. E estamos aqui falando apenas de maconha e cocaína. Será que não perdemos o caminho e não paramos de entender o que está acontecendo? Falamos hoje em policiamento municipal, o que é muito importante. As milícias exploram transporte alternativo ilegal e exploram terreno invadido, que são competências municipais. Se eu tivesse uma polícia municipal armada lá, não teríamos milícia no Rio, pois esse é um problema do local. Falei para Mário Sarrubbo, secretário nacional de Segurança Pública: “Pelo amor de Deus, faça chegar ao presidente Lula que o cidadão carioca está pagando R$ 155 num botijão de gás, quando o preço do botijão é R$ 96”. E assim sobrevivem o Comando Vermelho e as milícias. Sei que falar de cocaína e maconha é importante, mas o problema que leva à expansão da criminalidade é muito maior que o tráfico dessas drogas.
Você criticou duramente o envolvimento de políticos com a milícia do Rio de Janeiro. Como funciona esse esquema?
Não tenho dúvidas de que as milícias no Rio de Janeiro possuem sustentação na Câmara Municipal e na Assembleia Legislativa do Estado. No final do ano passado, um partido político do Rio de Janeiro defendeu a volta de uma deputada estadual (Lucinha-PSD) que teve 15 encontros com milicianos, pedindo a libertação de bandidos presos, segundo a Polícia Federal e o Ministério Público. Lucinha foi afastada, e a classe política do Rio se mobilizou para recebê-la de volta ao Parlamento. Esse é um exemplo que deixa claro que existe o nível assombroso de infiltração do crime na política. O que sugere a existência de um narcoestado, algo ainda pior que o crime organizado.
Qual seria a solução para essa infiltração de bandidos na política?
Não dá para falar de combate ao crime organizado sem que a Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado proponha uma lei de afastamento imediato de deputado federal ou estadual envolvido com crime organizado. Não dá. Voto em deputados de direita do Rio de Janeiro, mas me envergonho do voto que faço neles, pois vários dependem de milicianos. Crime organizado é a simbiose com o poder estatal.
“Por que só quem consegue chegar a algumas favelas do Rio de Janeiro é o ex-ministro da Justiça do governo Lula, Flávio Dino? O Bope não chega, os serviços e obras públicas não chegam, o Samu não chega, a companhia de limpeza urbana não chega, ninguém chega. Mas o ex-ministro chega”
Você sugere a implantação do sistema de lista tríplice para barrar os infiltrados do crime nas corporações policiais. Os parlamentares aprovaram a ideia?
Fiz uma proposta para a Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado, que já aprovou a minha sugestão. A lista tríplice seria direcionada à indicação de nomes para o comando da Polícia Militar e para delegados gerais. No Rio de Janeiro existe um governador ameaçado pela Assembleia Legislativa. Ele não consegue indicar um comandante para a polícia, pois são os deputados que querem indicar essa pessoa. Curiosamente, a Polícia Federal identificou, há três meses, que metade dos parlamentares do Rio está envolvida com o crime organizado. Como vamos combater o avanço da criminalidade diante desse cenário? A comissão diz que já está sofrendo pressão dos conselhos de comandantes gerais, que ficaram insatisfeitos e querem interferir na criação da lista tríplice. Querem reserva de mercado para a Polícia Militar e a Polícia Civil, segundo o deputado Coronel Meira. Mas os parlamentares dizem que vão dar segmento ao plano. Se conseguirem, eles vão salvar a polícia do Rio. Nos últimos 30 anos, seis delegados chefes de Polícia Civil, indicados pela assembleia estadual, acabaram sendo presos.
Segundo dados da Universidade Federal Fluminense (UFF), 4,4 milhões de cariocas vivem atrás de barricadas, que são como trincheirar ou pontos de bloqueio erguidos por criminosos para isolar determinadas áreas. Existe solução para isso?
Hoje, deveria ser obsessão do governo federal e da Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado salvar o carioca da barricada, pois ninguém no mundo merece viver assim. Só no município de São Gonçalo [no Rio de Janeiro], o crime já levantou 1,8 mil barricadas. Isso foi possível porque um partido político, o Partido Socialista Brasileiro [PSB], entrou com uma Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental [a chamada ADPF 635, ou ADPF das Favelas] e provocou o Supremo Tribunal Federal. O STF restringiu operações policiais nas comunidades. Esse fato culminou com a expansão do crime organizado. Por que outro partido não propõe uma nova ação como essa, exigindo o direito fundamental de uma pessoa não viver atrás de uma barricada? Quero que o STF determine ao Governo do Estado do Rio de Janeiro que retire as barricadas e me dê um calendário para isso. É inadmissível ver pessoas em pleno século 21 vivendo dessa forma.
Se o PSB provocou o STF para proibir as operações policiais, por que a comissão ainda não provocou o Supremo para retirar as barricadas?
Por que só quem consegue chegar a algumas favelas do Rio de Janeiro é o ex-ministro da Justiça do governo Lula, Flávio Dino? O Bope não chega, os serviços e obras públicas não chegam, o Samu não chega, a companhia de limpeza urbana não chega, ninguém chega. Mas o ex-ministro chega. Não estou duvidando da honestidade dele, mas sei que ele chegou lá no “desenrolo”. Alguém foi lá e conversou antes. Agora, o que acontece se um motoboy chegar ao batalhão da PM e disser: “Acabaram de roubar minha moto e o localizador dela está dizendo que está na favela”? O oficial do dia vai responder assim: “Liga para o STF, porque a gente não pode ir lá”.
Recentemente, em entrevista ao UOL, o presidente Lula afirmou que “o STF não precisa se meter em tudo”. O senhor concorda?
O Supremo deixa claro na ADPF 635 que operações policiais só podem chegar ao morro em situações de excepcionalidade. Mas eu não votei no Supremo Tribunal Federal para ser governador do meu Estado. O governador eleito com voto popular é que deveria aplicar o policiamento da maneira que ele achar interessante. Então por que o Supremo tem que definir a forma como a polícia vai ser utilizada em meu Estado? E meu medo é que o STF acorde amanhã e determine uma ADPF em vários outros Estados brasileiros. E como ficaria isso? Por que não colocar obstáculo no STF logo agora e dizer: “Isso não é para vocês, não. Isso é segurança pública, isso é com o governador”. Respeitosamente, tenho certeza de que os ministros do STF não conhecem a realidade do Rio de Janeiro. Tenho certeza de que eles não sabem que 12 motoristas de Uber foram sequestrados e feitos reféns na favela no Morro do Dendê, na Ilha do Governador. Que uma ambulância do Samu não conseguiu entrar na favela de Manguinhos e uma mulher morreu sem que tivesse acesso a apoio médico. Se os ministros soubessem, iam mandar retirar as barricadas. O cidadão votou em um governador para conduzir a política de segurança pública, e não cabe à Suprema Corte do Brasil determinar como a polícia pode ser empregada.
Por que estabelecer territórios é a prioridade do crime organizado?
O crime organizado não quer mais saber de maconha e cocaína, isso é besteira. Ele quer saber de território. Com áreas em suas mãos, ele vende mercadoria ilegal, oferece transporte alternativo, cigarro ilegal, ganha voto. As milícias descobriram esse caminho, então os Amigos dos Amigos e o Terceiro Comando seguiram a mesma linha. E esse modelo, infelizmente, vai ser levado para todo o Brasil. Já chegou a Salvador, que virou um novo Rio de Janeiro. É um caminho sem volta.
Você está trabalhando no roteiro de um filme homônimo ao livro Traficantes Evangélicos, de Viviane Costa, resultado de uma pesquisa que investiga o fenômeno da associação entre traficantes de drogas e a fé evangélica nas comunidades do Rio de Janeiro. Em que fase está a produção?
Nós compramos os direitos do livro e estamos em fase de produção do roteiro, enquanto o diretor, José Padilha, busca recursos. É uma história bem interessante, e fala de um fenômeno que deve ser avaliado e entendido. Bandidos de uma facção do Rio de Janeiro estão buscando a Bíblia, mas, em vez de buscar paz, buscam guerra. E sabemos que fundamentalismo religioso acompanhado de armas se parece com o terrorismo do Hamas. Esses bandidos interpretam a Bíblia de forma errada, para implementar sua força. Hoje, o que acontece é que milhares de bandidos nas favelas estão matando pessoas com fuzis e segurando o livro sagrado na outra mão. O filme sobre essa história deve ser lançado em 2026.
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Quando me formei no Jornalismo , o Jornalista era responsável pela notícia que passava e assinava.
Bem fui aluna de Contigio Deodoro o Repórter da TV Tupi . Como sou Antiga !
Todo meu respeito ao Capitão profissional da melhor qualidade e que deveria assumir a segurança pública no ERJ. Habito esse estado entre Capital e interior, o melhor da natureza em um território diminuto: praias, cachoeiras, serras e boa comida pra todo lado. Pena que os turistas estão sumindo por causa da criminalidade.
Afinal, as FFAA não foram eficientes no combate ao crime na intervenção na favela da Maré em 2018 no governo Temer?. Atualmente para que servem? Sempre achei que tinham como compromisso a defesa da Lei e da Ordem, desde que solicitadas por qualquer dos PODERES da REPÚBLICA, e sempre foram admiradas e respeitadas pela população, até o recente episódio do 8 de janeiro.
Boa pergunta, por que somente figuras como Flávio Dino conseguem entrar nesta favela?
A ligação do crime com a fé para objetivos pouco nobres é exclusividade dos evangélicos? Há algo por trás desse tipo de enlaçamento orientado? Acompanhando…
Nota Mil para a Revista OESTE Parabéns !!!!!
É assustadora a situação do Rio de janeiro. É tudo resultado da corrupção política, É a mentalidade de só querer ganhar, ganhar, e ganhar. O povo que se dane.
O Rio de Janeiro tem territórios independentes desde Brizola. A pior facção é o PT
Pela entrevista se percebe que o ex-capitão conhece bem o tema e o território, enquanto que os ministros da justiça com J minúsculo mesmo) de segurança sabem nada, a não ser aquela a que tem direito: carros blindados e meia dúzia de capangas autorizados que os cercam até quando dão entrevistas.
As polícias fazem seus trabalhos muito bem. O problema está nas leis. O crime não deveria compensar. Todo mundo sabe disto. Temos que ser maioria no congresso para mudar as leis que do jeito que estão sempre favorecem aos bandidos.
Tem de ter uma nova constituição.
Dar segmento ao plano?! Dar seguimento ao plano! Olha essa revisão.