Quando escrevi em um jornal belga, de forma bem-humorada, que o rock era a causa do crime, fiquei surpreso com a veemência da reação. Já escrevi muitos artigos que imaginei que pudessem incomodar mais as pessoas, mas dessa vez foi como se eu tivesse dito em uma mesquita que não considerava Maomé um bom modelo para a humanidade. Toquei em um ponto sensível ou cutuquei um vespeiro; foi um ataque a uma crença religiosa. Centenas de jovens escreveram em sinal de protesto, e foi assim que descobri com o que a juventude da época realmente se importava.
Isso já faz quase um quarto de século. Aqueles indignados devem estar na meia-idade, os homens provavelmente com entradas de calvície e barriga saliente, as mulheres com filhos pequenos, sem dúvida como imaginavam que nunca aconteceria. A juventude, que se julga eterna, é passageira.
Nesta semana, no jornal francês Libération, li um artigo interessante na esteira do primeiro turno das eleições para a nova Assembleia Nacional Francesa, convocadas de maneira impulsiva pelo presidente Emmanuel Macron. O Rassemblement National, o chamado partido de extrema direita, obteve o que muitos chamaram de uma “vitória esmagadora” — embora seja importante lembrar que apenas 66% dos eleitores compareceram para votar, e deles apenas um pouco mais que um terço votou no RN, ou seja, cerca de 22% dos eleitores. Foi mais do que qualquer outro partido pesquisado, mas, ainda assim, não me parece ser um entusiasmo irresistível.
A Frente Popular, uma união por conveniência entre esquerdistas variados que vão de antissemitas a ambientalistas defensores dos lobos, recebeu 29,5% dos votos e, mais uma vez, não me pareceu muito diferente da votação do RN, embora aqueles que acompanham as eleições mais de perto digam que sim. A principal diferença é que a FP é uma coalizão muito instável, pronta para se desfazer ao menor sinal, enquanto o RN é um partido único e bem organizado. Do ponto de vista econômico, as duas alas são muito semelhantes: ambas protecionistas e perdulárias.
Cruéis, cheios de ódio e estúpidos
Mas voltando ao artigo no Libération. Não surpreende que o jornal, que começou na extrema esquerda sob a editoria de Jean-Paul Sartre, mas se tornou um pouco mais moderado desde que a família Rothschild comprou uma grande participação na empresa, tente tirar a poeira de suas credenciais esquerdistas fingindo acreditar que o fascismo total está batendo na porta da França. (Os únicos fascistas de fato que restam na França são os arquitetos que lecionam nas escolas de arquitetura, que ainda cultuam Le Corbusier, um fascista no verdadeiro sentido da palavra.)
As seis fotos, todas de homens, eram suficientes para dar arrepios. Todos pareciam agressivos, insolentes e ameaçadores
O artigo a que me refiro trazia a manchete “Rap francês diz ‘No Pasarán’ ao RN”. Trata-se de uma referência óbvia a Dolores Ibárruri, ou La Pasionaria, a comunista stalinista espanhola que certa vez disse que era melhor cem pessoas inocentes serem executadas do que uma pessoa culpada de trotskismo ser solta. E, pensando bem, considerando a história do que aconteceu depois que a frase foi dita, a escolha de No Pasarán como slogan foi infeliz porque, bem, eles passaram.
Mas o mais interessante do artigo foi a completa ausência de autopercepção demonstrada. Ele descreve como vários “artistas” de rap francês se reuniram para gravar uma “canção” denunciando a ameaça do RN.
O artigo traz fotos de seis deles: Uzi, Zola, RK, Zed, Seth Gecko e Kerchak, pseudônimos que não fazem alusão, de modo geral, ao amor ou à paz. As seis fotos, todas de homens, eram suficientes para dar arrepios. Todos pareciam agressivos, insolentes e ameaçadores. Um deles, presumivelmente de origem norte-africana, tinha o tipo de tatuagem que os criminosos adoram, não apenas nas mãos, mas no rosto e no crânio raspado. Eram todos jovens que você atravessaria a rua para evitar.
Claro, as pessoas podem dizer que estou julgando pela aparência, mas a aparência e as expressões faciais que as pessoas adotam são importantes para um animal social como o ser humano. Dois dos rappers, vestidos com roupas pretas brilhantes, estavam praticamente mascarados, tão mascarados quanto as mulheres na Arábia Saudita. Mas essa não era uma máscara imposta, era uma máscara escolhida, a máscara de ladrões de banco e assaltantes de rua. Na verdade, todos se dariam muito bem como delinquentes fascistas; seja como forem na vida privada, se é que ela existe, eles parecem cruéis, cheios de ódio e estúpidos.
As maiores mentes da América
O que me surpreende é que o jornal não tenha percebido nada disso, embora fosse evidente à primeira vista. Não seria preciso examinar as fotos por muito tempo para notar, a conclusão quase não precisa de um ato de apreciação. Essas fotos foram a melhor propaganda que o RN poderia ter.
Ao descrever a “canção” — essa palavra só pode ser usada metaforicamente em relação ao rap —, o artigo diz que “um colaborador é mais brilhante do que o outro”. Isso é típico da subserviência burguesa às produções culturais de uma cultura vil, degradada e violenta, para que o autor seja considerado por seus pares alguém que está do lado dos anjos — ou seja, dessas pessoas que querem parecer bandidos.
Nisso, a intelectualidade francesa segue, como ovelhas, a intelligentsia americana que idolatra estrelas do rap, embora o trabalho deles seja de uma infâmia que dificilmente pode ser exagerada. Há pouco tempo, li um artigo em uma publicação americana sobre algumas das maiores mentes dos Estados Unidos que tinham se reunido para uma conferência: as maiores mentes da América sendo as de rappers variados. Esqueça os ganhadores do Prêmio Nobel em medicina, química, física ou até mesmo (Deus nos ajude) em economia. Não, as maiores mentes eram de “artistas” do rap, dos quais uma parcela incomum — não acho que seja coincidência — acaba sendo morta a tiros; uma parcela atipicamente alta, mesmo para os padrões das piores cidades americanas nesse aspecto.
Entre rap e fascismo, a escolha é difícil e, na verdade, sob a superfície, os dois são muito semelhantes em termos de sensibilidade.
Theodore Dalrymple é pseudônimo do psiquiatra britânico Anthony Daniels. É autor de mais de 30 livros sobre os mais diversos temas. Entre seus clássicos (publicados no Brasil pela editora É Realizações) estão A Vida na Sarjeta, Nossa Cultura… Ou o que Restou Dela e A Faca Entrou. É um nome de destaque global do pensamento conservador contemporâneo. Colabora com frequência para reconhecidos veículos de imprensa, como The New Criterion, The Spectator e City Journal.
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Puras verdades! Tb fico chocada com a evidente mudança de valores. Lamentavelmente o que era considerado deplorável antes passou a ser apreciado , louvado!
Pelo semblante desses ”rappers” já dá para perceber o nível mesmo.
Essa França sempre foi o mais miserento da Europa esquerdista progressista
Se, assim como nos EUA, as mentes mais brilhantes da França forem tais e quais, será muito difícil alguém dar um grito de “VIVE LA FRANCE!”.
Dalrymple , como sempre, afiado e preciso!