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Colheita de alface | Foto: Nikita M/Shutterstock
Edição 225

Entre verduras e hortaliças

País movimenta mais de 10 milhões de toneladas de hortaliças. São mais de R$ 270 bilhões por ano

Evaristo de Miranda
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Dizimais a hortelã, a arruda e toda a hortaliça,
e desprezais o juízo e o amor de Deus
(Lc 11,42)

Hortaliças se destacam na política econômica do Brasil. O chuchu foi responsabilizado pela inflação na década de 1970, pelo ministro Henrique Simonsen. No primeiro semestre deste ano foi a vez do tomate e da cebola. Cenouras e abobrinhas aguardam sua vez. Já deram um primeiro ataque inflacionário em 2023. Foi light. Caras ou baratas, nenhuma cozinha do mundo vive sem hortaliças. Elas são símbolo de alimentação saborosa e saudável. Seu consumo é amplamente recomendado. Só nas 62 principais centrais de abastecimento (Conab), movimentam-se por ano mais de 5 milhões de toneladas de hortaliças. No país, mais de 10 milhões de toneladas. As hortaliças representam 20% do Valor Bruto da Produção Agropecuária, cerca de R$ 270 bilhões por ano.

O nome “hortaliça“, do latim hortus, evoca o horto, pequeno espaço de terreno onde o hortelão (Jo 20,15) ou hortaliceiro cultiva plantas próprias de jardim, como a hortelã. O termo “hortaliça” abarca grande variedade de plantas: verduras (alface, mostarda, rúcula…), leguminosas (vagem, ervilha…), brotos (aspargo, broto de alfafa…), talos (aipo-salsão, alho-poró…), bulbos (alho, cebola…), ervas aromáticas (salsinha, coentro…), inflorescências (alcachofra, brócolis, couve-flor…), frutas (abóbora, chuchu, melão, pepino, tomate…), raízes (beterraba, cenoura…) e tubérculos (batata, inhame…).

Os imigrantes europeus, árabes, japoneses e de outras regiões introduziram diversas espécies exóticas de hortaliças. A combinação com as nativas enriqueceu e coloriu os mercados e a culinária brasileira. São mais de 200 espécies consumidas no Brasil, das quais 80 de interesse comercial. O IBGE coleta dados sobre cerca de 60 hortaliças.

O cultivo de hortaliças, a olericultura, é uma das atividades agrícolas mais geradoras de empregos. Ela requer uso intensivo de mão de obra: um hectare gera entre quatro e seis empregos diretos e indiretos. São cerca de 800 mil hectares. Com alta rentabilidade por área e curto período de cultivo, a olericultura representa oportunidade de renda a produtores rurais e comunidades, em pequenas superfícies, mesmo em ambiente urbano (urbs in horto). A maior parte da produção hortícola é realizada por pequenos agricultores, com menos de um módulo fiscal de área total.

Foto: Shutterstock

Os médios agricultores, com áreas superiores a quatro módulos fiscais, destacam-se na produção voltada à exportação, como no caso do melão, e garantem matéria-prima para a agroindústria, como tomate, ervilha, cenoura etc. Os contrastes tecnológicos são grandes na olericultura: desde hortas irrigadas com regadores manuais até as operadas com sofisticados sistemas de fertirrigação, controlados digital e remotamente.

Para a Organização Mundial da Saúde, adultos deveriam consumir ao redor de 430 gramas de frutas e hortaliças por dia. No Brasil, apenas um quarto da população consome o recomendado. Diversidade, tradições culturais e culinárias determinam a variedade e a quantidade de hortaliças consumidas nas diferentes regiões: no Sudeste a média é de 35 kg/habitante/ano, e no Norte é de menos de 20 kg/habitante/ano. Sobre esse tema, o Guia Alimentar para a População Brasileira é um documento bem completo. Seus dados apontam um espaço significativo para o crescimento da olericultura.

As hortaliças in natura estão entre os alimentos mais contaminados biologicamente por bactérias, fungos, protozoários, parasitas e toxinas. Parasitas, salmonela e botulismo são doenças causadas por alimentos mal lavados. A produção segura é enfatizada na comercialização da hidroponia: produtos livres de contaminação. Ainda assim, exigem atenção.

Não sou bode para comer verde“, diz um ditado do sertão. No Nordeste semiárido, dada a raridade da água de qualidade e clorada para limpar hortaliças, é compreensível o temor dos sertanejos com o consumo de verduras. Lá, “verde” ainda é, sobretudo, para bodes e outros ruminantes.

Na última década, a área cultivada com hortaliças aumentou cerca de 4%, enquanto a produção e o rendimento cresceram 68% e 62%, respectivamente. E seguem crescendo. Na incorporação de inovações (tecnologias, produtos e processos), destaca-se a adoção de variedades e híbridos mais produtivos e com maior resistência a pragas e doenças, além da utilização de sistemas mais eficientes de manejo de água e nutrientes.

Plantação de hortaliças | Foto: Simon Tang/Shutterstock

Batata, tomate, cebola, melancia, cenoura, batata-doce, alho e melão são as hortaliças mais importantes. As quatro primeiras respondem por mais de 50% da produção total do país. O Sudeste e o Nordeste garantem quase 70% da produção nacional. São Paulo e Minas Gerais são os principais produtores, com importantes polos olerícolas.

Entre as hortaliças não tradicionais ou subutilizadas estão as Pancs (plantas alimentícias não convencionais). O interesse por essas hortaliças não para de crescer (Revista Oeste, edição 158). Entre mais de uma centena de hortaliças Panc, duas dezenas são mais conhecidas: almeirão-de-árvore; amaranto; anredera; araruta; ariá; azedinha; beldroega; bertalha; capuchinha; cará-moela; caruru ou bredo; dente-de-leão; fisalis; jambu; major gomes ou língua-de-vaca; mangarito; maxixe-do-reino; muricato; ora-pro-nóbis; peixinho; serralha; taioba e vinagreira.

Boa parte dessas Pancs pode ser cultivada em casa, em vasos, jardins e pequenas hortas urbanas e rurais. A Embrapa Hortaliças oferece cursos de produção de Pancs e manuais. As Pancs são encontradas cada vez mais em feiras livres, lojas de produtos naturais, supermercados com produtos diferenciados e em sites para compra e entrega.

Flores e plantas comestíveis, também conhecidas como Plantas alimentícias não convencionais (PANCs)
Flores e plantas comestíveis, também conhecidas como plantas alimentícias não convencionais (Pancs) | Foto: Shutterstock

A vinagreira é a base do arroz de cuxá, prato tradicional no Maranhão. O jambu é ingrediente essencial do tacacá, consumido na Região Norte. O ora-pro-nóbis, a “carne do pobre”, é comum na culinária do interior de Minas Gerais e São Paulo, com diversidade de receitas. O caruru ou bredo é usual na culinária do Nordeste e na Bahia dá nome a um prato típico. As Pancs mobilizam a atenção de pesquisadores, extensionistas e produtores para resgatar sua relevância agronômica, econômica e nutricional.

Um dos desafios na comercialização de hortaliças é reduzir o desperdício. A perda pós-colheita ocorre em todas as hortaliças e é tão mais intensa quanto mais perecível o produto

O mercado de hortaliças no Brasil é diversificado e segmentado. Do campo à mesa do consumidor, 80% das hortaliças percorrem um longo caminho. Passam por centrais de abastecimento, supermercados, estabelecimentos menores de varejo e feiras livres, até o consumidor final. O restante percorre canais alternativos, como venda direta. Numa tendência mundial, produtores ou suas associações celebram contratos de comercialização com grandes redes de supermercados e reduzem o número de intermediários.

A busca de novidades, conveniência e praticidade levou à criação de novos produtos com alto valor agregado, como os minimamente processados: saladas prontas para o consumo, com uma única hortaliça ou combinações diversas. No mercado de tomates, frutos de diferentes tamanhos, cores e formatos, como tomate-cereja, tomate-uva, em penca, italiano, mini-italiano, saladette, de mesa, caqui e industrial, são colocados à disposição do consumidor brasileiro pelos horticultores (Revista Oeste, edição 188).

Foto: Shutterstock

Nos últimos anos cresceram os produtos orgânicos e agroecológicos. O preço é cerca de 30% superior ao do cultivo tradicional. A tendência é diminuir essa diferença ao longo dos anos: mais produtores, maior oferta e aperfeiçoamento do sistema orgânico de produção. Persistem entraves na geração de novas tecnologias para substituir as convencionais. O cloro, por exemplo, amplamente utilizado na sanificação de alimentos e superfícies na agroindústria, ainda é tolerado na produção orgânica. Alternativas são estudadas em diversas instituições.

Um dos desafios na comercialização de hortaliças é reduzir o desperdício. A perda pós-colheita ocorre em todas as hortaliças e é tão mais intensa quanto mais perecível o produto. Hortaliças como morango e tomate são mais perecíveis quando comparadas a raízes como batata-doce ou inhame. Segundo a FAO, as perdas pós-colheita em hortaliças são de 30% a 50%.

Existem alternativas para reduzir a perda pós-colheita: variedades e híbridos com maior resistência ao transporte; melhor definição do ponto de colheita; uso de embalagens adequadas; redução do metabolismo do produto após a colheita pelo uso de técnicas simples (colocação à sombra) ou até pelo emprego de resfriamento rápido; maior adoção da cadeia do frio no transporte e na comercialização e capacitação de produtores.

Colheita de cenouras | Foto: Shutterstock

O crescimento da classe média aumenta a demanda por produtos minimamente processados, com apresentação diferenciada, sabores, texturas e aromas distintos. A estratégia para o sucesso no mercado de hortaliças é estimular o consumo, com ações para elevar o interesse da população, sobretudo do público infantil, nas escolas e na família.

No passado, a Bíblia ensinava: “É melhor um prato de hortaliças ao lado de quem você ama, e não um boi gordo cevado de ódio (Pv 15,17). No presente, a realidade também ensina: é melhor uma abóbora nutritiva ao lado de quem você ama, e não uma picanha imaginária, cevada de ódio.

Artigo dedicado a “Seu Cabral das Alfaces”, horticultor em Gargantilha.

Leia também “Viva o solstício de inverno”

6 comentários
  1. Antonio Carlos Neves
    Antonio Carlos Neves

    Só mesmo quem não gosta de hortaliças não gostou deste excelente artigo do prof. Evaristo.

  2. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
    Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

    Riqueza de conteúdo.

  3. Chequer Jabour Chequer
    Chequer Jabour Chequer

    Como sempre, excelentes os Artigos do Prof. Evaristo.

  4. Francisco de Assis Bonfati
    Francisco de Assis Bonfati

    Sensacional! 👏👏

  5. Alice Helena Rosante Garcia
    Alice Helena Rosante Garcia

    Sempre aprendo com o Prof Evaristo
    Incrivel como consegue ser consiso, objetivo e claro nas suas colocaçoes
    Aprendi sobre pancs (nao sabia disso) e me certifiquei qie nao estou ingerindo a quantidade adequada diaria de Hortaliças e concordo plenamente que verduras com amor sao muito melhores que picanha com odio
    Obrigada Prof Evaristo

  6. José Menezes
    José Menezes

    Mais um excelente artigo do Prof. Evaristo. Com cultura enciclopédica ele nos revela a importância das verduras e hortaliças. Agradecemos à Revista Oeste que nos proporciona duas vezes por mês o prazer da leitura de seus artigos.

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