“Dizimais a hortelã, a arruda e toda a hortaliça,
e desprezais o juízo e o amor de Deus“
(Lc 11,42)
Hortaliças se destacam na política econômica do Brasil. O chuchu foi responsabilizado pela inflação na década de 1970, pelo ministro Henrique Simonsen. No primeiro semestre deste ano foi a vez do tomate e da cebola. Cenouras e abobrinhas aguardam sua vez. Já deram um primeiro ataque inflacionário em 2023. Foi light. Caras ou baratas, nenhuma cozinha do mundo vive sem hortaliças. Elas são símbolo de alimentação saborosa e saudável. Seu consumo é amplamente recomendado. Só nas 62 principais centrais de abastecimento (Conab), movimentam-se por ano mais de 5 milhões de toneladas de hortaliças. No país, mais de 10 milhões de toneladas. As hortaliças representam 20% do Valor Bruto da Produção Agropecuária, cerca de R$ 270 bilhões por ano.
O nome “hortaliça“, do latim hortus, evoca o horto, pequeno espaço de terreno onde o hortelão (Jo 20,15) ou hortaliceiro cultiva plantas próprias de jardim, como a hortelã. O termo “hortaliça” abarca grande variedade de plantas: verduras (alface, mostarda, rúcula…), leguminosas (vagem, ervilha…), brotos (aspargo, broto de alfafa…), talos (aipo-salsão, alho-poró…), bulbos (alho, cebola…), ervas aromáticas (salsinha, coentro…), inflorescências (alcachofra, brócolis, couve-flor…), frutas (abóbora, chuchu, melão, pepino, tomate…), raízes (beterraba, cenoura…) e tubérculos (batata, inhame…).
Os imigrantes europeus, árabes, japoneses e de outras regiões introduziram diversas espécies exóticas de hortaliças. A combinação com as nativas enriqueceu e coloriu os mercados e a culinária brasileira. São mais de 200 espécies consumidas no Brasil, das quais 80 de interesse comercial. O IBGE coleta dados sobre cerca de 60 hortaliças.
O cultivo de hortaliças, a olericultura, é uma das atividades agrícolas mais geradoras de empregos. Ela requer uso intensivo de mão de obra: um hectare gera entre quatro e seis empregos diretos e indiretos. São cerca de 800 mil hectares. Com alta rentabilidade por área e curto período de cultivo, a olericultura representa oportunidade de renda a produtores rurais e comunidades, em pequenas superfícies, mesmo em ambiente urbano (urbs in horto). A maior parte da produção hortícola é realizada por pequenos agricultores, com menos de um módulo fiscal de área total.
Os médios agricultores, com áreas superiores a quatro módulos fiscais, destacam-se na produção voltada à exportação, como no caso do melão, e garantem matéria-prima para a agroindústria, como tomate, ervilha, cenoura etc. Os contrastes tecnológicos são grandes na olericultura: desde hortas irrigadas com regadores manuais até as operadas com sofisticados sistemas de fertirrigação, controlados digital e remotamente.
Para a Organização Mundial da Saúde, adultos deveriam consumir ao redor de 430 gramas de frutas e hortaliças por dia. No Brasil, apenas um quarto da população consome o recomendado. Diversidade, tradições culturais e culinárias determinam a variedade e a quantidade de hortaliças consumidas nas diferentes regiões: no Sudeste a média é de 35 kg/habitante/ano, e no Norte é de menos de 20 kg/habitante/ano. Sobre esse tema, o Guia Alimentar para a População Brasileira é um documento bem completo. Seus dados apontam um espaço significativo para o crescimento da olericultura.
As hortaliças in natura estão entre os alimentos mais contaminados biologicamente por bactérias, fungos, protozoários, parasitas e toxinas. Parasitas, salmonela e botulismo são doenças causadas por alimentos mal lavados. A produção segura é enfatizada na comercialização da hidroponia: produtos livres de contaminação. Ainda assim, exigem atenção.
“Não sou bode para comer verde“, diz um ditado do sertão. No Nordeste semiárido, dada a raridade da água de qualidade e clorada para limpar hortaliças, é compreensível o temor dos sertanejos com o consumo de verduras. Lá, “verde” ainda é, sobretudo, para bodes e outros ruminantes.
Na última década, a área cultivada com hortaliças aumentou cerca de 4%, enquanto a produção e o rendimento cresceram 68% e 62%, respectivamente. E seguem crescendo. Na incorporação de inovações (tecnologias, produtos e processos), destaca-se a adoção de variedades e híbridos mais produtivos e com maior resistência a pragas e doenças, além da utilização de sistemas mais eficientes de manejo de água e nutrientes.
Batata, tomate, cebola, melancia, cenoura, batata-doce, alho e melão são as hortaliças mais importantes. As quatro primeiras respondem por mais de 50% da produção total do país. O Sudeste e o Nordeste garantem quase 70% da produção nacional. São Paulo e Minas Gerais são os principais produtores, com importantes polos olerícolas.
Entre as hortaliças não tradicionais ou subutilizadas estão as Pancs (plantas alimentícias não convencionais). O interesse por essas hortaliças não para de crescer (Revista Oeste, edição 158). Entre mais de uma centena de hortaliças Panc, duas dezenas são mais conhecidas: almeirão-de-árvore; amaranto; anredera; araruta; ariá; azedinha; beldroega; bertalha; capuchinha; cará-moela; caruru ou bredo; dente-de-leão; fisalis; jambu; major gomes ou língua-de-vaca; mangarito; maxixe-do-reino; muricato; ora-pro-nóbis; peixinho; serralha; taioba e vinagreira.
Boa parte dessas Pancs pode ser cultivada em casa, em vasos, jardins e pequenas hortas urbanas e rurais. A Embrapa Hortaliças oferece cursos de produção de Pancs e manuais. As Pancs são encontradas cada vez mais em feiras livres, lojas de produtos naturais, supermercados com produtos diferenciados e em sites para compra e entrega.
A vinagreira é a base do arroz de cuxá, prato tradicional no Maranhão. O jambu é ingrediente essencial do tacacá, consumido na Região Norte. O ora-pro-nóbis, a “carne do pobre”, é comum na culinária do interior de Minas Gerais e São Paulo, com diversidade de receitas. O caruru ou bredo é usual na culinária do Nordeste e na Bahia dá nome a um prato típico. As Pancs mobilizam a atenção de pesquisadores, extensionistas e produtores para resgatar sua relevância agronômica, econômica e nutricional.
Um dos desafios na comercialização de hortaliças é reduzir o desperdício. A perda pós-colheita ocorre em todas as hortaliças e é tão mais intensa quanto mais perecível o produto
O mercado de hortaliças no Brasil é diversificado e segmentado. Do campo à mesa do consumidor, 80% das hortaliças percorrem um longo caminho. Passam por centrais de abastecimento, supermercados, estabelecimentos menores de varejo e feiras livres, até o consumidor final. O restante percorre canais alternativos, como venda direta. Numa tendência mundial, produtores ou suas associações celebram contratos de comercialização com grandes redes de supermercados e reduzem o número de intermediários.
A busca de novidades, conveniência e praticidade levou à criação de novos produtos com alto valor agregado, como os minimamente processados: saladas prontas para o consumo, com uma única hortaliça ou combinações diversas. No mercado de tomates, frutos de diferentes tamanhos, cores e formatos, como tomate-cereja, tomate-uva, em penca, italiano, mini-italiano, saladette, de mesa, caqui e industrial, são colocados à disposição do consumidor brasileiro pelos horticultores (Revista Oeste, edição 188).
Nos últimos anos cresceram os produtos orgânicos e agroecológicos. O preço é cerca de 30% superior ao do cultivo tradicional. A tendência é diminuir essa diferença ao longo dos anos: mais produtores, maior oferta e aperfeiçoamento do sistema orgânico de produção. Persistem entraves na geração de novas tecnologias para substituir as convencionais. O cloro, por exemplo, amplamente utilizado na sanificação de alimentos e superfícies na agroindústria, ainda é tolerado na produção orgânica. Alternativas são estudadas em diversas instituições.
Um dos desafios na comercialização de hortaliças é reduzir o desperdício. A perda pós-colheita ocorre em todas as hortaliças e é tão mais intensa quanto mais perecível o produto. Hortaliças como morango e tomate são mais perecíveis quando comparadas a raízes como batata-doce ou inhame. Segundo a FAO, as perdas pós-colheita em hortaliças são de 30% a 50%.
Existem alternativas para reduzir a perda pós-colheita: variedades e híbridos com maior resistência ao transporte; melhor definição do ponto de colheita; uso de embalagens adequadas; redução do metabolismo do produto após a colheita pelo uso de técnicas simples (colocação à sombra) ou até pelo emprego de resfriamento rápido; maior adoção da cadeia do frio no transporte e na comercialização e capacitação de produtores.
O crescimento da classe média aumenta a demanda por produtos minimamente processados, com apresentação diferenciada, sabores, texturas e aromas distintos. A estratégia para o sucesso no mercado de hortaliças é estimular o consumo, com ações para elevar o interesse da população, sobretudo do público infantil, nas escolas e na família.
No passado, a Bíblia ensinava: “É melhor um prato de hortaliças ao lado de quem você ama, e não um boi gordo cevado de ódio“ (Pv 15,17). No presente, a realidade também ensina: é melhor uma abóbora nutritiva ao lado de quem você ama, e não uma picanha imaginária, cevada de ódio.
Artigo dedicado a “Seu Cabral das Alfaces”, horticultor em Gargantilha.
Leia também “Viva o solstício de inverno”
Só mesmo quem não gosta de hortaliças não gostou deste excelente artigo do prof. Evaristo.
Riqueza de conteúdo.
Como sempre, excelentes os Artigos do Prof. Evaristo.
Sensacional! 👏👏
Sempre aprendo com o Prof Evaristo
Incrivel como consegue ser consiso, objetivo e claro nas suas colocaçoes
Aprendi sobre pancs (nao sabia disso) e me certifiquei qie nao estou ingerindo a quantidade adequada diaria de Hortaliças e concordo plenamente que verduras com amor sao muito melhores que picanha com odio
Obrigada Prof Evaristo
Mais um excelente artigo do Prof. Evaristo. Com cultura enciclopédica ele nos revela a importância das verduras e hortaliças. Agradecemos à Revista Oeste que nos proporciona duas vezes por mês o prazer da leitura de seus artigos.