Pular para o conteúdo
publicidade
Lula durante a cerimônia de abertura da 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (CNCTI), no Espaço Brasil 21, em Brasília, DF (30/7/2024) | Foto: Montagem Revista Oeste/Shutterstock/Ricardo Stuckert/PR
Edição 228

Inteligência artificial sem recursos naturais

O principal problema, falando em tecnologia de ponta, tem o singelo nome de educação brasileira

Adalberto Piotto
-

O governo Lula 3 apresentou na última semana um plano de inteligência artificial (IA) brasileiro que pretende colocar a gestão federal no principal debate tecnológico do planeta. E que já ganhou o nome de “Plano IA para o Bem de Todos” e um orçamento: R$ 23 bilhões em investimentos até 2028.

Lula durante a cerimônia de abertura da 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (CNCTI), no Espaço Brasil 21, em Brasília, DF (30/7/2024) |
Foto: Ricardo Stuckert/PR

É necessário dizer que ainda se trata de um esboço, um tipo de “pedra fundamental” na inteligência artificial do governo brasileiro, embora “pedra” seja algo estranho, até no sentido figurado, quando se fala em tecnologia de ponta. Mas, como este governo é useiro e vezeiro em lançar pedras fundamentais e um retrocesso de gestão, a pedra lascada vale como ilustração.

Uma segunda observação é o nome. Alguém imaginaria um governo lançando um plano de inteligência artificial para o ‘mal’ de todos? Quando o marketing governamental tem ideia fixa e carência vocabular, o absurdo é pregado em todos os lugares.

Por fim, como será uma iniciativa estatal, os R$ 23 bilhões ainda dependem de orçamento aprovado. Essa parte já é desafiadora. O governo acaba de anunciar um corte de R$ 15 bilhões nos gastos para cumprir o arcabouço fiscal que ele próprio criou e já fez remendos para comportar a gastança e a ineficiência administrativa. Como acreditar que cumprirá a promessa do plano de IA se tem um histórico de paralisação de obras e limitações de orçamento? Do plano de corte de gastos, a maior parte vem do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) e de gastos discricionários, ou seja, de novos investimentos, a parte ainda não carimbada do orçamento que governos podem cortar. Embora se tenha divulgado a participação do BNDES no financiamento, resta, dado o histórico recente e o presente da atual gestão, uma dúvida muito pertinente da viabilidade financeira do plano público de IA. A ver.

Fachada do BNDES
Edifício-sede do BNDES, no Rio de Janeiro | Foto: Divulgação/CNI

Mas não é só isso. A ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação, Luciana Santos, fala na criação de uma estrutura brasileira de nuvem (o armazenamento de dados em si) vinculada à estatal Dataprev. Veja lá a declaração: “A nuvem soberana é para a gente não depender da capacidade de armazenamento que hoje é muito depositada nas grandes empresas internacionais”. Nada contra a autonomia, a soberania intelectual, mas não estamos envolvidos numa guerra fria tecnológica. E, sobretudo, porque temos urgências mais prementes, problemas mais básicos ainda não resolvidos e que o governo Lula 3, ao qual ela serve, só fez piorar.

E o principal desses problemas, falando em tecnologia de ponta, tem o singelo nome de educação brasileira. Se não faltarem recursos financeiros — mesmo com a contabilidade artificial a que este governo tem se habituado —, talvez nos faltem recursos humanos e naturais para o desenvolvimento do plano nacional de inteligência artificial e a tal “nuvem soberana”.

Luciana Santos, ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação, e Lula, durante a cerimônia de abertura da 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (CNCTI), em Brasília (30/7/2024) |
Foto: Ricardo Stuckert/PR
O primeiro nó a ser desatado

No último Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), de 2022, aplicado a cada três anos em 81 países para avaliar o desempenho de alunos de 15 anos de idade em matemática, leitura e ciências, o Brasil está muito longe da média dos países da OCDE. Na verdade, estamos no pelotão da parte de baixo.

É justo reconhecer as pequenas melhoras em leitura (de 57º para 52º), e em ciências (de 64º para 62º). Em matemática, mesmo com o avanço de seis posições, ainda estamos no 65º lugar no ranking mundial. Alguém dúvida de que o desenvolvimento da nuvem soberana com a inteligência artificial brasileira pode prescindir de matemática? Não, não há dúvidas. Até porque os primeiros lugares em matemática no Pisa são de países que fizeram verdadeiras revoluções em seus sistemas educacionais e de acelerado desenvolvimento tecnológico e econômico. Figuram no topo Singapura, Coreia do Sul, Japão, Hong Kong e Taiwan, além dos europeus de sempre e, também, da Polônia (em 12º), que, ao rejeitar tanto o eurocentrismo decadente como a lacração da esquerda europeia, ficou à frente de Reino Unido, França, Alemanha, Bélgica e Dinamarca. A matemática não aceita desaforo, e só uma resposta é a correta. E é democrática. Vale para todos.

Voltando ao Brasil, a tal inclusão tende a excluir jovens manipulados como massa de manobra eleitoral, levados à crença de que o mundo vai relativizar a eficiência e a competência. Não, não vai.  

Sala de aula em escola pública, em Aquidabã, Sergipe (4/3/2022) | Foto: Shutterstock

No ano passado, um estudo da Universidade Federal do Rio de Janeiro mostrou que a taxa de formatura de alunos negros nos cursos de engenharia é de 42%, ante quase 90% dos estudantes brancos. Não demorou a aparecer a alegação de “racismo institucional” e ideias de redução das notas de corte para facilitar a aprovação de cotistas. Mas uma pergunta ainda depende de resposta: como explicar, então, apenas pela cor da pele, o esforço e a competência exemplares dos 42% dos alunos negros que foram aprovados? Esses alunos, e só eles, têm a resposta certa à questão. E não me parece ser a necessidade de redução da exigência de excelência acadêmica, porque eles a demonstraram ter por si próprios, sem dever nada a ninguém.

O PT chega ao poder em 2023 e usa todo o seu poder de barganha no Congresso para mudar a equação, reduzindo para 600 horas de ensino de formação profissional

O ensino médio é outra preocupação. Ponto de partida para a vida universitária, teve um avanço significativo na sua reformulação durante o governo de Michel Temer. O país definitivamente se conectara às boas práticas ao modernizar sua educação e valorizar a formação profissional, o amadurecimento de escolhas e habilidades técnicas dos alunos em fase crucial da formação humana. Os Estados se organizaram e puseram em prática o novo currículo que previa 1,8 mil horas para disciplinas obrigatórias, da Base Nacional Curricular, e 1,2 mil horas para disciplinas optativas e de curso técnico. Foi uma inovação e um compromisso com a modernidade.

Michel Temer, então presidente da República, e Mendonça Filho, então ministro da Educação, em Brasília (16/6/2016) | Foto: Beto Barata/PR

Pois bem, o PT chega ao poder em 2023 e usa todo o seu poder de barganha no Congresso para mudar a equação, reduzindo para 600 horas de ensino de formação profissional. Além da mudança de um sistema educacional em menos de seis anos, o que compromete todo o planejamento, o atual governo impõe aos jovens uma menor formação técnica, na contramão do que requer o mercado, da ambição dos próprios jovens e da prática bem-sucedida em países desenvolvidos.

No documentário Orgulho de Ser Brasileiro (2013), que produzi e dirigi, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, um acadêmico inquestionável, diz que, antes de qualquer coisa, as crianças na escola precisam aprender português e matemática. A “cidadania”, uma defesa dos educadores à esquerda para politização precoce, “se aprende depois”. Foi uma generosidade dele. Com o domínio da língua e da matemática, a cidadania é automática ao cidadão, garantindo-lhe soberania de verdade, independência de políticos. Na vida de estudantes adolescentes, retirar carga horária de desenvolvimento de habilidades técnicas é tirar o futuro mais próximo, palpável e seguro de jovens que vão entrar na vida adulta. E que acabam sendo levados ao questionável sonho da universidade como alternativa única, a de muitos doutores em trabalhos de secundaristas sem formação técnica com salários muito abaixo da formação acadêmica.

Pôster de divulgação do documentário Orgulho de Ser Brasileiro, de Adalberto Piotto | Foto: Divulgação

Nesta Revista Oeste, recorro também à série de dois artigos da reportagem “A educação como arma” (veja a Parte 1 e a Parte 2), de fevereiro deste ano, da brilhante Ana Paula Henkel. Nos textos, Ana se debruça sobre as propostas da Conferência Nacional de Educação — um grupo de doutrinadores radicais e de claro alinhamento à esquerda — ao Plano Nacional Básico da Educação. Sem me alongar na perspicaz análise de Ana, restrinjo-me a alguns números que ela levanta. No tal estudo, a palavra “desigualdades” é citada 119 vezes; “diversidade”, 124 vezes; “direitos”, 246 vezes, enquanto que “deveres” é mencionada apenas duas vezes. A situação piora. A palavra “matemática” tem apenas quatro menções, assim como “literatura”. Já a expressão “língua portuguesa” apareceu somente 11 vezes numa proposta cujo texto tem 282 páginas. Não dá para chamar isso de preocupação com uma educação eficiente, convenhamos. É diversionismo ideológico grotesco, um atraso de vida para os jovens que compromete o futuro do país. O Congresso, que deverá decidir sobre o tema, ainda não o levou adiante. Mas toda vigilância é pouca.

Veja que, no último parágrafo deste artigo, chega-se à conclusão de que a possível falta de recursos financeiros será o menor dos problemas do programa de inteligência artificial do governo Lula 3. Corre, antes, o risco de ficar na pedra fundamental, uma obra parada por falta de mão de obra.

Leia também “O Brasil resiste e insiste apesar de Lula”

6 comentários
  1. MNJM
    MNJM

    Excelente Piotto. Tudo que a esquerda coloca as mãos é para piorar. Partido nefasto.

  2. DONIZETE LOURENCO
    DONIZETE LOURENCO

    Quando o assunto é educação é inevitável a comparação entre Brasil e Coreia do Sul.
    Há 60 anos a renda per capita coreana era a metade da brasileira
    O que fizeram os coreanos? Optaram em aplicar 3% do PIB na educação, com escolas em tempo integral e focadas especialmente em pesquisa e desenvolvimento.
    O resultado desta escolha é o desenvolvimento econômico e social do país que hoje ostenta uma renda per capita quatro vezes acima da brasileira além de exportar produtos de alta tecnologia e possuir IDH de 0,925.
    A educação brasileira hoje está entregue a militantes que aplicam as ideias do esquerdista e teórico Paulo Freire, quando deveria estar aplicando os conhecimentos práticos de Soleiman Dias.
    O Doutor Soleiman Dias, um cearense que vive na Coreia do Sul a mais de duas décadas atuando na área de educação e detentor de extenso e notável currículo de capacitações e cargos de liderança, dentre eles, o de presidir o Conselho Coreano de Escolas Internacionais (KORCOS).

  3. Erasmo Silvestre da Silva
    Erasmo Silvestre da Silva

    Essa Luciana Santos foi prefeita de Olinda por dois mandatos, recebeu 11 milhões do ministro do esporte de então, Orlando Silva, ela embolsou o dinheiro, uma auditoria do MP identificou e ela imediatamente começou a construir um campo de futebol em Rio Doce um bairro pobre de Olinda pra justificar. Formou-se nas faculdades de Olinda na área de humanas aquelas que vende diplomas e é ministra de ciência e tecnologia. É muito preparo para um ministério de ciência e tecnologia

    1. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
      Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

      Saímos de Marcos Pontes, um astronauta, para uma crápula dessa chamada Luciano Santos. Que nível!

  4. Robson Oliveira Aires
    Robson Oliveira Aires

    A Esquerda tem o toque de Midas ao contrário. Tudo o que toca, estraga, destrói. Vira merda.

  5. Daniel BG
    Daniel BG

    É mesmo um apagão intelectual e cultural que é sentido como natural e inevitável. Certamente que as explicações para tal não podem ser abertamente expostas pelo caráter totalitarista do desgoverno que o provoca.

Anterior:
Nunca lhe prometi a Floresta Amazônica — Parte 2
Próximo:
A wokeconomia
Newsletter

Seja o primeiro a saber sobre notícias, acontecimentos e eventos semanais no seu e-mail.