O açaí é um superalimento, conhecido por suas propriedades antioxidantes e energéticas. Sua fruta de coloração violácea é rica em proteínas, gordura vegetal, vitaminas, minerais e fibras. No passado, o açaí era a comida dos pobres, a base da dieta de ribeirinhos e populações da Amazônia. Hoje, no mundo urbano, o açaí é identificado a uma dieta saudável, consumido por jovens e esportistas. A febre do açaí conquistou paladares mundo afora. O mercado do açaí movimenta por ano mais de R$ 6 bilhões só no Pará, não para de crescer, vive uma extraordinária expansão e intensificação nos sistemas de produção e agregação de valor pela indústria agroalimentar.
Na Amazônia, o açaí (do tupi “yasa’i“, “fruta a chorar”) segue consumido puro, com farinha de mandioca, e acompanha peixes, camarão e carnes. No Brasil, varejistas, lojas, franquias e marcas especializadas multiplicam-se em praças de alimentação, academias, centros comerciais e oferecem muitas formas de açaí: adoçado, com guaraná, frutas, granola, suco, bebida energética, sorvete, creme, polpa congelada e em pó, liofilizado ou desidratado por RWD (refractance window drying technology), garantia de pureza e fácil conservação. Processos agroindustriais agregam valor a produtos derivados.
A qualidade do açaí começa a ser conhecida e reconhecida. Em 2023, a marca Tropicool obteve o prêmio Superior Taste Award, um dos mais prestigiados em alimentos e bebidas, do International Taste Institute de Bruxelas, na Bélgica. A premiação teve um júri formado por mais de 200 chefs e sommeliers.
Cada vez mais apreciado no exterior, em 2023, só as exportações de cerca de 80 toneladas do creme de açaí atingiram US$ 315 mil. Um crescimento de 41% em relação às 48 toneladas exportadas em 2022. Exportações de produtos derivados têm crescimento exponencial. Em 2023, só o Pará exportou 8,2 mil toneladas de açaí, num valor de US$ 28 milhões, segundo o Núcleo de Planejamento e Estatísticas da Sedap. No primeiro quadrimestre de 2024, já exportou 4,2 mil toneladas, 87% a mais em comparação ao mesmo período de 2023, num valor de US$ 16 milhões. Os principais importadores são EUA (maior processador e exportador mundial de produtos à base de açaí!), Austrália, Japão, Canadá, Europa, Israel, China e países árabes (Certificação Halal). Foram abertos mercados ao açaí em pó nos EUA e Índia, com grande futuro, por ser mais leve e fácil de transportar, sem refrigeração.
Além do Brasil, palmeiras açaí são encontradas na Venezuela, Guianas, Peru, Panamá, Trinidade e Tobago e até em bacias hidrográficas do Pacífico da Colômbia e Equador. Existem açaís diferentes na Amazônia. O principal é o açaí do Pará (Euterpe oleracea Mart.), também conhecido como açaí-do-baixo-amazonas, açaí-de-touceira, açaí-da-várzea e açaí-verdadeiro. É a espécie mais destacada do gênero Euterpe, dentre as dez registradas no Brasil e as sete amazônicas. Duas outras espécies de açaí são a juçara ou palmiteiro (Euterpe edulis Mart.) e o açaí do Amazonas (Euterpe precatória Mart.). Ambas apresentam caule único, enquanto o açaí do Pará cresce em touceira com quatro a oito estipes. O gênero botânico Euterpe, grupo de elegantes e vistosas palmeiras (Arecaceae), foi descrito a partir do Euterpe oleracea.
Em açaí, a hegemonia produtiva é do Pará. O Estado responde por 91% da produção nacional e significativo volume de comercialização interestadual e exportação. Com produtividade média de 7 toneladas por hectare, o açaí movimenta mais de R$ 6 bilhões. Os 144 municípios paraenses produzem açaí. Em destaque: Igarapé-Miri, a 150 quilômetros de Belém, Cametá e Abaetetuba, no Baixo Tocantins. Mais de 26% do açaí do Pará vem de Igarapé-Miri, capital mundial do açaí, pioneira no plantio e manejo desde os anos1990.
Apesar da repartição panamazônica do açaí, o Brasil segue o maior produtor e consumidor. A área de 234 mil hectares aumenta com novos plantios na Amazônia, Centro-Oeste, Nordeste, Espírito Santo e São Paulo. No Amapá, em Calçoene, a Schultz Agroambiental está criando uma enorme fazenda de açaí: 20 mil hectares, 2,7 mil hectares plantados, mais de 2 milhões de açaizeiros e produção de 12 toneladas por hectare/ano. Como adubo, usa o passivo das indústrias de peixes, palha de arroz e compostagem. No Pará, em Curralinho, a Palamaz, numa ilha do Arquipélago de Marajó, em 960 hectares de várzea, a empresa cultiva açaí orgânico, com rastreabilidade e fertilização natural pelas partículas em suspensão nas águas do Amazonas.
Colhido, o ideal para a qualidade é processar o açaí no mesmo dia. Isso exige proximidade de processadoras ou refrigeração. O crescimento do mercado multiplicou investimentos em processadoras. No Amazonas, em Codajaz, a Bellamazon instalou a maior fábrica de processamento de polpa de açaí do Estado. Com a indústria, acabou-se ali o tempo do açaí jogado no rio, perdido por falta de processamento. A sustentabilidade do açaí depende de ampliar a rede de indústrias e melhorar a logística de acesso.
Um pequeno produtor de açaí consegue renda mensal superior a três salários mínimos e até mais, em função de melhorias na produção, colheita e negociação da comercialização
Extrativistas, ribeirinhos e produtores expandem e intensificam suas áreas e adotam inovações para atender à demanda. A domesticação efetiva do açaí ainda está em curso. O puro extrativismo representa apenas 10% da produção e deu lugar a palmeirais adensados e/ou enriquecidos com variedades mais produtivas, ricas em antocianinas (seleção massal, novas cultivares da Embrapa…), com outras espécies de interesse agroflorestal (cacau, cupuaçu, bacuri, castanha, uxi…), mecanização, manejo de touceiras etc. Sistemas mais produtivos, como da Cooperativa Agrícola Mista de Tomé Açu (PA), são sustentáveis, recuperam terras degradadas, aliviam a pressão predatória em palmeiras nativas ou até por queimadas, como no noroeste do Maranhão.
O cuidado com a qualidade dos frutos na colheita e tratamentos pós-colheita asseguram preços melhores. Um pequeno produtor de açaí consegue renda mensal superior a três salários mínimos e até mais, em função de melhorias na produção, colheita e negociação da comercialização. No Pará, produtores criaram a Associação Açaí da Amazônia (Amaçaí) e a Cooperativa Central Açaí da Amazônia para incentivar pesquisas, relacionar-se com governos e buscar soluções para incrementar a produção, industrialização e comércio.
Um dos maiores desafios do açaí é a alta sazonalidade da produção. Comandada pelo clima, o açaí do Pará é abundante de agosto a dezembro. Durante a entressafra, cerca de sete meses, o produto é escasso. O açaí do Amazonas (Euterpe precatória Mart.) produz no tempo da entressafra do açaí do Pará, no primeiro semestre. Expandir sua exploração e cultivo ajudará a atender parte da demanda local, aumentada durante o verão.
O preço chega a ser três vezes mais alto na entressafra. Esse valor ajuda a viabilizar a irrigação, cujos investimentos são altos. Ela garante a produção na entressafra e em regiões quentes mais secas (cerrado e caatinga). O açaí irrigado representa 10% da produção, está em expansão na Amazônia e alhures. E é colhido em condições menos inóspitas comparadas às várzeas.
A Açaí Amazonas possui 1,4 mil hectares irrigados em Óbidos (PA). Ela oferece produtos rastreáveis e com padrão de qualidade, durante todo o ano, graças ao controle da água. Os frutos, colhidos no ideal da maturação, são processados rapidamente, com tecnologia de processo a frio.
No cerrado, a Codevasf tem um projeto de 3 mil hectares irrigados de açaí em municípios de Goiás, Minas Gerais e Distrito Federal (DF), com mais de 10% implantados. O açaí fez parte do circuito de fruticultura na AgroBrasília em 2023. A paulista Aida Kanako Ashiuchi Cardoso, agricultora e agrônoma, faz parte dos 38% de mulheres produtoras rurais cadastradas do DF, produz e comercializa açaí e afirma: “O cerrado também produz açaí. É só cuidar”.
No semiárido, a Fazenda Special Fruit, de Suemi Koshiyama, produz e exporta frutas no Vale do São Francisco, e agora investe no açaí irrigado em Juazeiro (BA). De um experimento de 10 hectares, planeja uma expansão para 100 hectares. A aplicação controlada de nutrientes, o manejo da água e uma luminosidade superior à da Amazônia garantem alta produtividade. E ajudam a cobrir os custos da irrigação, como já ocorre com a manga e a uva.
O mercado de consumo do açaí cresce de 15% a 20% ao ano. Em 2023, a Polpanorte, do Paraná, capaz de processar 160 toneladas de açaí por dia, se tornou a maior produtora de açaí do Brasil. Fornece uma dúzia de produtos e, em 2023, faturou cerca de R$ 420 milhões, 30% a mais em relação a 2022. Como ela, outras empresas primeiro processam o açaí na Amazônia e depois transportam em caminhões refrigerados para industrializar no Sul e Sudeste.
O nome botânico “Euterpe“, do gênero do açaí, evoca à Grécia Antiga e lhe é adequado. Na mitologia, o prolífico Zeus teve nove filhas com Mnemósine, deusa da memória e da lembrança. Sim. Todes mulheres. Dentre elas, Euterpe (“Eὐτέρπη – εὖ”, “bem “, + “τέρπειν”, “agradar”), “aprazível”. Seu atributo iconográfico era o aulo, instrumento de sopro. O aprazível atrai a atenção. Essa faculdade é indispensável à experiência estética. Sem a atenção prazerosa, não há como apreciar cor, forma, som, sabor… Na Grécia Antiga, Euterpe e suas irmãs eram as padroeiras da Paidéia, a formação (educação) plena do Humano para a vida na polis. E para isso está o aprazível e rutilante açaí.
Na polis amazônica, o açaí é um antídoto de mercado para manter e recuperar a cobertura florestal, com geração de renda e melhoria da qualidade de vida da população local. O açaí avança, por muitos caminhos, longe de interesses escusos e do nhenhenhém de ONGs ambientalistas, governos estrangeiros, artistas e entendidos de Amazônia. Pode ser freio à devastação. Como se diz no Maranhão: “Tigela de açaí e charque assado, vai encostando o machado”.
Artigo dedicado ao pesquisador e escritor Alfredo Kingo Hoyama Homma.
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Fantástico e gerando mais expectativa para os próximos artigos.
Excelentes informações.
Evaristo, se possível, faz um sobre o pistache.
Que aula! Parabéns.
Parabéns por mais uma coluna esclarecedora. Gostaria de saber a etimologia do nome E. precatoria?
Eu não imaginava um mercado tão grande, complexo e crescente como esse do açaí. E com forte industrialização. Agradeço ao Dr, Evaristo e a Oeste pelas valiosas informações. O açaí saiu da pauta do ambientalismo porque gera renda, dá emprego, usa tecnologia e não vive de narrativas mentirosas sobre a floresta em pé.
Incrivel como essa fruta apareceu e encantou muita gente principalmente aqui no Sul e Sudeste onde era basicamente desconhecida. Foi uma agradável surpresa e agora sabendo tantos detalhes sobre ela, graças ao Prof Evaristo, será muito mais interessante o consumo.
Ler os artigos do Dr. Evaristo é sempre um prazer, pois contém muito conhecimento e informações valiosas. Grande abc
Concordo plenamente, Elvo.
O dr. Evaristo sempre nos brinda com artigos da mais alta qualidade.