A obsessão em impor regimes internacionais sobre o uso de recursos naturais oferece aos países já desenvolvidos uma ferramenta extraordinária para a criação de obstáculos ao progresso tecnológico, industrial, agrícola e comercial dos países ainda em desenvolvimento. É a chamada visão neomalthusiana, que inclui também medidas de controle da natalidade. Tudo para salvar o planeta.
Foi para salvar o planeta que, inspirada pela pregação rancorosa de adolescentes escandinavas, a Alemanha trocou fontes seguras de energia pelo gás natural limpinho vindo da Rússia. Quando a Rússia invadiu a Ucrânia e o fornecimento de gás foi interrompido, a Alemanha, que tinha deixado sua política energética nas mãos de garotas de 15 anos, foi forçada a religar usinas termoelétricas a carvão, altamente poluidoras.
O preço pago pela infantilização da política é alto.
Essa comédia tem aspectos trágicos. Ela coloca em risco fontes de energia usadas por milhões de pessoas para aquecer suas casas, transportar mercadorias e, principalmente, produzir comida.
Considerando tudo isso, é importante perguntar: quem se beneficia de uma narrativa ambiental tão descolada da realidade? A primeira resposta é: todos aqueles que têm interesse em controlar o cidadão comum.
A narrativa do cataclisma iminente interessa aos que precisam de novas razões para continuar exercendo o velho poder de aumentar impostos e impor regras, regulamentos e restrições. São os mesmos que vivem de criar dificuldades para vender facilidades — como descobre qualquer pessoa que já tentou, alguma vez, conseguir licenciamento ambiental para um empreendimento.
O ecoativismo extremista é, na verdade, uma nova religião que oferece em sacrifício toda a humanidade. Como diz John O’Sullivan:
“Os novos ambientalistas viam o homem como um inimigo da natureza em vez de parte integral dela. Não tinham qualquer problema em empregar métodos artificiais para reduzir a sua espécie em número, e o consequente impacto ambiental. Para além disso, adoravam estranhas deusas, em particular Gaia (uma expressão antropomórfica da natureza cujo precursor foi James Lovelock, em 1972), e encontravam-se cada vez mais distantes dos conceitos cristãos.”
Para compreender o cinismo dessa narrativa, lembrem-se disto: quando eu era garoto, havia a absoluta certeza — havia um consenso — de que a humanidade ia perecer em um apocalipse nuclear. A União dos Cientistas Atômicos, um grupo ativista pela paz, criou um relógio do apocalipse que mostrava quanto tempo faltava para o fim do mundo. A União Soviética e os Estados Unidos ameaçavam, um ao outro, com milhares de mísseis nucleares. Uma pequena fração desse arsenal bastaria para eliminar a vida na Terra. “Isso pode acontecer a qualquer momento”, diziam os profetas do apocalipse.
Transição energética é uma pauta política, criada na década de 1970 e mantida viva através de um ativismo antifóssil tão apaixonado quanto desinformado.
Esse arsenal nuclear continua praticamente intocado até hoje. Na verdade, a situação piorou, porque outros países — como Índia, Paquistão e Coreia do Norte — juntaram-se ao clube nuclear. Um mundo reduzido a cinzas radioativas continua à distância do aperto de um botão de lançamento.
O que mudou para que as “mudanças climáticas” se tornassem a questão mais importante de hoje?
Uma das consequências do desespero climático é a promoção imprudente do abandono dos “combustíveis fósseis”, petróleo e carvão. É a chamada descarbonização, ou “transição energética”, um eufemismo politicamente correto para um conjunto de regulamentações, iniciativas e projetos com variados graus de insensatez, geralmente financiados e pesadamente subsidiados com dinheiro dos pagadores de impostos — dinheiro que poderia ser usado para suprir outras necessidades, reais e prioritárias.
Na verdade, transição energética é uma pauta política, criada na década de 1970 e mantida viva através de um ativismo antifóssil tão apaixonado quanto desinformado. Essa transição é promovida por políticos cuja ignorância sobre a produção e o uso de energia só é comparável à avidez com que eles abraçam projetos bilionários. O ecossistema antipetróleo, composto de institutos, associações e organizações internacionais, especializou-se em produzir e despejar na mídia quantidades industriais de “relatórios” sobre o clima. As premissas e extrapolações de dados contidas nesses documentos têm tanto potencial de prever as alterações do clima quanto uma cartomante tem de prever o futuro. Não importa. O relatório de hoje — nunca questionado — estará nas manchetes da mídia amanhã.
A população — completamente alheia a essa discussão — quer energia para cozinhar, iluminar as ruas, transportar produtos e aquecer as casas. As pessoas precisam de comida, e os produtores de comida precisam de combustíveis. Mas a torcida organizada — e muito bem remunerada — da “transição energética” ignora tudo isso. Ignora também as consequências de abandonar fontes de energia abundantes e seguras como petróleo e carvão.
Mas essas consequências são graves.
O mundo caminha, naturalmente, para a diversificação das fontes de energia, não para uma simples substituição. Todas as formas de energia têm desafios de produção, geração, distribuição e tratamento de resíduos. Veículos elétricos são um ótimo exemplo: quem vê o carro não enxerga seu componente essencial: a bateria.
Baterias não produzem eletricidade. Elas simplesmente armazenam a energia que foi gerada em outro local — em usinas hidrelétricas, painéis solares, parques de geração eólica, usinas nucleares ou termoelétricas a carvão ou gás natural. Por isso não é correto dizer que um carro elétrico tem porcentual zero de emissões de carbono: isso depende da matriz energética de cada país. Por exemplo: nos EUA, em 2022, em média 20% da eletricidade do país foi produzida em usinas a carvão. Essa eletricidade alimenta a rede elétrica nacional. Isso equivale a dizer que, no ano de 2022, 20% dos carros elétricos americanos eram movidos a carvão.
Tem mais.
A Tesla é a montadora símbolo dos carros elétricos. A bateria de um carro Tesla modelo S pesa cerca de 550 quilos. Ela contém 15 quilos de lítio, 40 quilos de níquel, 13 quilos de cobalto, 20 quilos de manganês, 70 quilos de grafite e 15 quilos de alumínio. Um único veículo contém tanto lítio quanto 10 mil telefones celulares. Um carro elétrico consome seis vezes mais matérias-primas raras do que um motor a combustão.
Foi isso que o jornal Der Spiegel chamou de “a verdade suja sobre as tecnologias limpas”. Boa parte da matéria-prima usada para fabricar equipamentos como baterias ou pás de turbinas eólicas é obtida através de processos que, segundo a publicação alemã, “não passam de invasões brutais da natureza”.
Sobre as turbinas eólicas, diz o Der Spiegel:
“Cada unidade requer cimento, areia, aço, zinco e alumínio. E toneladas de cobre: para o gerador, para a caixa de velocidades, para a estação transformadora e para os intermináveis fios do cabo. Cerca de 67 toneladas de cobre são usadas em uma turbina offshore de médio porte. Para extrair essa quantidade de cobre, os mineradores precisam movimentar quase 50 mil toneladas de terra e rocha, cerca de cinco vezes o peso da Torre Eiffel. O minério precisa ser triturado, moído, regado e drenado. Resumindo: muita natureza destruída por um pouco de energia verde.”
Esses são os custos invisíveis da transição energética e da fuga histérica de um apocalipse largamente imaginário. Não existe almoço grátis, já ensinou Milton Friedman — e isso se aplica também à produção e ao uso de energia. A descarbonização da economia e a substituição dos combustíveis fósseis por fontes de energia “renováveis” aumenta a mineração — e isso resulta, frequentemente, em devastação ambiental. Governos tentam se livrar da dependência do petróleo apenas para cair na dependência de metais raros.
Nassim Taleb apresenta um argumento convincente: na dúvida, é melhor pecar pelo excesso de cautela (e de conservação) do que correr o risco de desequilibrar um sistema complexo como o meio ambiente, o que pode gerar resultados potencialmente trágicos e irreversíveis (ao menos no curto prazo e para a tecnologia atual).
Mas a mesma lógica precisa ser aplicada na avaliação de políticas “verdes”, como o uso de veículos elétricos e a tal transição energética. Essas políticas têm, elas próprias, efeitos destrutivos, muitos deles ainda desconhecidos e cujo impacto pode ser igualmente trágico e irreversível.
O economista e pensador Friedrich Hayek, ganhador do Prêmio Nobel de 1974, apontava o erro que cometemos quando delegamos decisões importantes a “especialistas”. Nem mesmo um “especialista” sabe tudo sobre determinada questão. Hayek explicava que o conhecimento distribuído pela sociedade é muito maior do que aquele que pode ser dominado por uma única pessoa ou um grupo.
Além disso, “especialistas” estão frequentemente sujeitos a vieses decorrentes dos cargos que ocupam, dos financiamentos que recebem ou da necessidade de conseguir visibilidade em um meio acadêmico extremamente competitivo. Por tudo isso, nenhum “especialista” — ou grupo deles — deveria tomar decisões em nome da sociedade, muito menos da humanidade.
Mas, quando se trata de meio ambiente, é justamente isso que acontece.
Leia também “Nunca lhe prometi a Floresta Amazônica — Parte 3”
ROBERTO MOTS, EXCELENTE NALISE SOBRE ESTE PSEUDO-MEIO AMBIENTE !!!
PENSO QUE AS DECISÕES DE CUNHO AMBIENTAL DEVE ESTAR SOB O PRISMA DA ENGENHARIA PURA ( MATEMATICA ) E NÃO SOB O PRISMA SOCIAL.OU DA MIDIA.
Excepcional artigo, dividido em 4 partes! Nível “acadêmico”. E, o que é mais importante, num linguajar “acessível” que até o Fernando Haddad conseguiria entender (mas duvido que o faça).
Eu acredito que a tecnologia de fabricacao das baterias irão cada vez mais evoluir, e o carro elétrico vai se consolidar.
Muito esclarecedor e didático
Roberto Motta, claro e límpido,
Como sempre Mota é cirurgicamente preciso, faço das suas as minhas palavras . Parabéns pelo texto .
Excelente artigo Motta.
O desgoverno Lula está tratando destas questões com o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima com uma ministra que já falou horrores a respeito do descondenado.
Mudanças climáticas fazem parte do planeta desde que o mundo é mundo.
A formação dos continentes foi decorrência de alterações climáticas.
O que estes ativistas pretendem é espalhar o pânico entre a população leiga e desinformada tal como ocorreu com o Covid e as vacinas.
Excelente artigo. A diversificação de matrizes energéticas é fundamental. O Brasil pode melhorar muito com a construção de milhares de pequenas hidrelétricas ao invés de hidrelétricas gigantes. Deve também aproveitar o espaço das hidroelétricas gigantes para instalação da energia solar sobre as águas represadas. Governo Bolsonaro foi o melhor neste quesito.
Nosso destino sendo definido por adolescentes mimados e irresponsáveis e hedonistas.
E veja o Átila Iamarino