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Seis corpos de israelenses sequestrados foram encontrados pelo Exército em um túnel sob uma área de recreação infantil (4/9/2024) | Foto: IDF/Cover Images via Reuters Connect
Edição 233

Sob o domínio do medo

Casal sequestrado em 7 de outubro pelo Hamas esteve no Brasil e contou como foi a experiência no cativeiro

eugenio goussinsky
Eugenio Goussinsky
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Nascido na Argentina, Luis Har foi para Israel em 1971, aos 18 anos. Na época, o país vivia com a Síria uma guerra de atrito — nome que se dava à série de confrontos pontuais entre os dois países que se estendeu até a Guerra do Yom Kippur, em 1973. Mas, na nação, prevalecia a esperança em meio à tensão. Quatro anos antes, Israel havia vencido a Guerra dos Seis Dias, contra três inimigos ao mesmo tempo. 

Cerca de 52 anos depois, os conflitos envolvendo Israel mais uma vez atingiram Luis. Em outubro de 2023, ele foi levado como refém pelo grupo terrorista Hamas, ao lado da mulher, Clara Marman, de 62 anos, e de outros três parentes. Todos foram arrancados de dentro do kibutz Nir Yitzhak.

Natural de Lomas de Zamora, na Grande Buenos Aires, Luis, de 71 anos, passou 129 dias preso em um quarto na Faixa de Gaza. Foi resgatado em fevereiro pelas Forças de Defesa de Israel (FDI), junto com o cunhado, Fernando Simón Marman, 60, irmão de Clara, que havia sido libertada em novembro. 

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Luis e Clara passaram uma semana no Brasil, onde deram depoimentos em dois eventos da comunidade judaica, em São Paulo e no Rio de Janeiro. Em entrevista a Oeste, Luis afirma que todo o drama que viveu não diminuiu seu amor por Israel.

No cativeiro, uma das iniciativas que o salvaram foi contar histórias, hábito que sempre o acompanhou. Durante boa parte do tempo, ele relembrou sua vida e escutou o cunhado. As conversas, proibidas, eram sempre num tom de voz muito baixo.

“Não quero falar sobre a guerra atual”, disse. “Só digo que hoje vejo muitas coisas de maneira diferente. Pensei, sofri, refleti, mas não diria que tive medo. Sabia exatamente o que estava acontecendo. Me passava pela cabeça a possibilidade de nunca mais sair. Mas não tinha medo. Ao contar tantas histórias minhas e de minha vida, depois de passar por todas as experiências que tive desde que nasci, vi que tinha muito a falar.”

‘Voltaremos a invadir Israel’

Luis e Clara se uniram na luta contra o desânimo. Por causa disso, eles nunca perderam a esperança. “Quando um se desestimulava, o outro logo dizia: ‘Chega de pensar assim’. E fomos prosseguindo”, conta. “O que eu mais sentia falta era do abraço dos meus netos. Ficava me lembrando de como era reconfortante abraçá-los e sentia muita saudade. Isso também me manteve vivo.” Luis tem dez netos, de quatro filhos.

Clara, também argentina, conta que a pressão psicológica era uma das armas dos terroristas, além das metralhadoras. “Ficavam passando informações terríveis, só a parte ruim, quando algo dava errado com o Exército israelense, por exemplo, ou quando Netanyahu não definiu um acordo”, afirma. “Sabíamos que eram dados parciais, mas não era fácil. Também falavam: ‘Você é argentino, vá para seu país, aqui é Palestina. Por que querem voltar se voltaremos a invadir Israel e daqui a três anos faremos o mesmo que fizemos?’.”

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‘As mãos mais seguras do mundo’

Além de Clara e Fernando, foram sequestradas a irmã dela, Gabriela Leimberg, 59, e a filha de Gabriela, Mia Leimberg, 17. As três permaneceram 53 dias no cativeiro. Foram libertadas em novembro, durante o cessar-fogo para troca de reféns por prisioneiros palestinos. Até agora formam a única família de sequestrados que não perdeu nenhum de seus componentes.

Luis lembra com detalhes todos os momentos desde que foram jogados em uma caminhonete. No caminho para Gaza, os solavancos faziam o cano da metralhadora roçar seu rosto. 

Já ciente da situação, ele até impediu, com a mão, que Clara afastasse a ponta da arma. Seu receio era de que os criminosos pensassem ser uma reação. Caminharam por horas em um túnel escuro até serem levados de carro a uma cidade em Gaza.

Clara Marman, 62, e Luis Har, 71, moravam no kibutz Nir Itzhak, em Israel, quando foram sequestrados pelo Hamas no dia 7 de outubro de 2023 | Foto: Arquivo Pessoal

Clara conta que resistiu em ser libertada sem o marido e o irmão. Mas não viu outra alternativa. “Imaginei que liberariam os homens depois das mulheres e queria que saíssemos todos juntos”, diz. “Mas não tínhamos escolha, poderíamos até morrer se insistíssemos. Além disso, eu poderia sair e falar para os familiares que eles estavam vivos.”

Correram descalços por mais de 100 metros, até que a luz de um caminhão se acendeu na direção deles. O alívio veio quando ouviram os militares falarem para os condutores do veículo: “São nossos, são nossos!”

Luis e Fernando ainda ficaram aprisionados por mais de dois meses, sem água corrente, lavando-se com água de balde. A maioria dos terroristas, com exceção de um, os tratava de forma agressiva. A aflição só terminou com o resgate, semelhante a uma cena de filme de ação.

“Quando fomos dormir, como todos os dias, às 2 da manhã, ouvimos um grande barulho. Não sabíamos o que estava ocorrendo. ‘O que foi que eu fiz?’, perguntei a mim mesmo. Então fui para o chão, para o lado da porta, mais próximo de onde os terroristas dormiam”, lembra Luis. “Alguém me agarrou na perna e me disse: ‘Saia, saia. Viemos para te tirar daqui’. Naquele momento, me senti nas mãos mais seguras do mundo.”

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‘Entre o bem e o mal, só fico com o bem’

A operação não foi simples. Eles foram para um terraço, com os soldados os abraçando. “Dariam a vida por nós.” Luis ouviu, então, os militares falarem pelo rádio que tinham “diamantes nas mãos” — o que, em código, significava “reféns resgatados”. Foram transportados de tirolesa até um campo. Correram descalços por mais de 100 metros, até que a luz de um caminhão se acendeu na direção deles. O alívio veio quando ouviram os militares falarem para os condutores do veículo: “São nossos, são nossos!”.

Desde então, a vida de Luis e Clara não é mais a mesma. Não puderam retornar ao kibutz e foram morar com a filha em Or Aqiva, cidade próxima a Cesarea. Uma das atividades que os confortam é relatar, em público, essa experiência. Um doloroso aprendizado, um exercício para, diante das piores agruras, não sucumbir ao ódio.

“Entre o bem e o mal, só fico com o bem”, ressalta Luis. “Não me concentro nem penso no mal. Prefiro deixá-lo de lado, não perder tempo. Não me diz respeito, não me acrescenta nada e não posso controlar. Dedico meu tempo àquilo que importa: à família, aos amigos, à vida. Em parte, eu já pensava assim. Mas apenas em parte. Agora, estou convicto disso.”

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2 comentários
  1. Robson Oliveira Aires
    Robson Oliveira Aires

    E ainda tem idiotas, estúpidos, repugnantes, desprezíveis que defendem esses terroristas vagabundos, os quais são dignos de pena de morte.

  2. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
    Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

    Aterrorizante. Mas que se sirva de combustível para os bravos israelenses e defesa de seu território.

Israelenses em luto prestam homenagens a Yagev Buchshtab, um dos seis reféns cujos corpos foram recuperados do cativeiro em Gaza e levados a Israel em uma operação militar, em seu funeral no Kibutz Nirim, sul de Israel, em 21 de agosto de 2024 | Foto: Florion Goga/ Reuters Anterior:
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