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Nísia Trindade, ministra da Saúde | Foto: Montagem Revista Oeste/ShutterstockMarcelo Camargo/Agência Brasil
Edição 240

Ministério fantasma

Nísia Trindade permanece no comando da Saúde mesmo diante de escândalos como o transplante de órgãos infectados com HIV no Rio de Janeiro

Rachel Díaz
Sarah Peres
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Em 22 de dezembro de 2022, o então presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, anunciou a presidente da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Nísia Trindade, como a nova ministra da Saúde. A socióloga foi apresentada por parte da mídia como a “primeira mulher após 50 homens na Saúde”, além de uma “boa gestora”, “hábil no diálogo” e alguém que ia “valorizar o SUS”. Antes, já tinha ganhado o título de primeira mulher presidente da Fiocruz, cargo que ocupou por dois mandatos, iniciados em 2017.

Notícia publicada na Folha de S.Paulo (14/12/2022) | Foto: Reprodução/Folha de S.Paulo
Notícia publicada no G1 (22/12/2022) | Foto: Reprodução/G1
Notícia publicada na IstoÉ (23/12/2022) | Foto: Reprodução/IstoÉ

Nísia ganhou a pasta por fazer parte da “cota feminina”, defendida pela primeira-dama Janja Lula da Silva. O primeiro revés ocorreu nos primeiros meses de 2023, quando o centrão pediu sua cabeça para emplacar outro gestor. Ela, no entanto, foi defendida por seus pares, como o ministro Márcio Macêdo, da Secretaria-Geral da Presidência, que definiu Nísia como “um ser humano maravilhoso, que sabe sentir a dor do povo”. 

A declaração foi dada na 7ª Conferência Nacional da Saúde, em julho daquele ano. No mesmo evento, Lula disse que a socióloga podia “dormir tranquila”, porque ficaria no cargo até quando ele quisesse. 

E, assim, a “apadrinhada” de Lula e de Janja ficou no cargo. Em outubro de 2023, surgiu uma das primeiras grandes polêmicas envolvendo o ministério: durante o 1º Encontro de Mobilização da Promoção da Saúde no Brasil, promovido pela pasta, foi realizada uma dança erótica. O evento custou R$ 1 milhão aos cofres públicos. E a performance foi classificada como um “caso isolado”.

Em 5 de dezembro de 2023, o Ministério da Saúde enviou R$ 55 milhões para Cabo Frio, no Rio de Janeiro, por meio da portaria GM/MS nº 2.169, que destinava um total de R$ 103 milhões para cidades do Estado. 

Um mês depois, a prefeita de Cabo Frio, Magdala Furtado (PV), nomeou Márcio Lima Sampaio, filho de Nísia, como secretário municipal de Cultura. Apesar da “coincidência”, o Ministério da Saúde negou que a ministra tenha influenciado na nomeação. Em maio, mais R$ 3,6 milhões foram repassados para a cidade.

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Recursos da Saúde também foram enviados a prefeituras comandadas por aliados de Lula. De acordo com uma reportagem do portal UOL, publicada em agosto, do R$ 1,4 bilhão disponibilizados para os municípios de Diadema, Araraquara, Mauá, Hortolândia, Cabo Frio e Belford Roxo, cerca de R$ 649,4 milhões foram retirados dos fundos da pasta. Os repasses foram realizados entre janeiro de 2023 e julho deste ano.

Notícia publicada no UOL (19/8/2024) | Foto: Reprodução/UOL

Conforme reportagem da Edição 201 de Oeste, publicada em janeiro, a falta de ação de Nísia e a promoção da agenda woke já revelavam a falta de interesse em assumir a devida responsabilidade da sua função. Os problemas envolvendo o ministério se tornaram consideravelmente mais graves nos meses subsequentes à publicação, com uma epidemia de dengue, falta generalizada de insumos e até mesmo infecção por HIV em órgãos para transplante. Esses são apenas alguns dos escândalos protagonizados pela pasta da socióloga.

Falta de insumos

Enquanto o Ministério da Saúde envia grandes quantias de dinheiro para aliados políticos, uma grave escassez de medicamentos, insumos para diabetes e vacinas tem sido observada no Sistema Único de Saúde (SUS) desde o início do ano.

Em março, reportagem da Folha de S.Paulo revelou que pacientes com hanseníase em todo o país tiveram seu tratamento interrompido por falta de medicamentos. Um documento mostrava que os remédios para o tratamento inicial da doença, como poliquimioterapia e clofazimina, são doados pela Organização Mundial da Saúde (OMS), mas o governo ainda não os havia recebido.

Notícia publicada na Folha de S.Paulo (24/3/2024) | Foto: Reprodução/Folha de S.Paulo

Como alternativa, o ministério sugeriu o uso de um medicamento de segunda linha, chamado ROM (Rifampicina + Ofloxacino + Minociclina), em dose única mensal, afirmando que havia respaldo científico para a substituição.

Em maio, a falta de insulina para diabéticos ganhou destaque quando uma organização composta de 26 associações lançou a campanha “Cadê a Minha Insulina”. Insulinas de ação prolongada, usadas para tratar diabetes tipo 1, estavam em falta nas unidades de saúde. A pasta não havia comprado os insumos.

Notícia publicada na Veja (20/5/2024) | Foto: Reprodução/Veja

O grupo também denunciou dificuldades no acesso à insulina de ação rápida, disponível apenas no Componente Especializado, que requer consulta com endocrinologista e retirada em locais específicos. Segundo a organização, a burocracia resultou em desperdício, com cerca de 1,4 milhão de canetas de insulina sendo descartadas.

Em 21 de outubro, o governo Lula ficou sem vacinas contra a covid-19 para entrega imediata, depois de parte de um lote comprado da farmacêutica Moderna perder a validade. De um contrato de 12,5 milhões de vacinas adaptadas à variante XBB, avaliadas em R$ 725 milhões, 8,26 milhões foram distribuídas aos Estados. Cerca de 4,2 milhões permaneceram em estoque.

Notícia publicada na Folha de S.Paulo (21/10/2024) | Foto: Reprodução/Folha de S.Paulo

Vacinas básicas também estão em falta. Uma pesquisa da Confederação Nacional de Municípios revelou que seis em cada dez cidades enfrentam falta de imunizantes infantis. Dos quase 2,5 mil municípios consultados em setembro, pouco mais de 1,5 mil relataram escassez de vacinas contra doenças como hepatite A, catapora, febre amarela e meningite. A distribuição dessas vacinas é responsabilidade do ministério.

A maior crise de dengue da história

Ao longo do ano de 2023, a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) fez uma série de alertas chamando a atenção do governo brasileiro para o aumento dos casos de dengue. E deixou claro que a situação poderia se agravar caso as medidas necessárias não fossem tomadas.

A previsão da Opas se confirmou nos meses seguintes. O número de mortes pela doença atingiu o recorde. Nem a covid-19, que foi usada por esquerdistas para chamar Bolsonaro de “genocida” por causa do índice de mortalidade da doença, matou tanto quanto a dengue no segundo ano do terceiro governo do petista.

Notícia publicada na Revista Oeste (17/10/2024) | Foto: Reprodução/Revista Oeste

Em várias ocasiões, a ministra tentou minimizar a crise da dengue. Em 7 de fevereiro, durante um evento, disse que a vacina não era um “instrumento mágico”. Em 16 de abril, ao falar sobre a baixa adesão às vacinas, atribuiu o fracasso da campanha ao “negacionismo” contra imunizantes, supostamente iniciado no governo Bolsonaro.

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O governo Lula, no entanto, comprou 5 milhões de doses da vacina Qdenga, da farmacêutica japonesa Takeda, que seriam suficientes para apenas 0,5% da população, já que são necessárias duas doses. Quando questionada sobre a quantidade, Nísia afirmou que o ministério contava com doações.

Para tentar demonstrar serviço, a pasta anunciou vários repasses financeiros. Em dezembro de 2023, foram destinados mais de R$ 111 milhões para Estados e municípios, além de R$ 144 milhões para vigilância. No início de fevereiro, foi anunciado o maior valor: R$ 1,5 bilhão para combate à dengue, seguido por mais R$ 300 milhões para a compra de soros e medicamentos.

As quantidades exorbitantes de dinheiro não foram suficientes para remediar a tragédia. Em um relatório de 7 de outubro, a Opas expôs o fracasso das ações do governo Lula contra a dengue: enquanto o Ministério da Saúde indica cerca de 6,5 milhões de casos no Painel de Arboviroses, a associação ligada à Organização Mundial da Saúde relatou que o Brasil registrou mais de 9,5 milhões de casos até a 46ª semana epidemiológica deste ano.

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Tal número representa um aumento de 255% em relação ao mesmo período de 2023, e um crescimento de mais de 400% em comparação com a média dos últimos cinco anos para o mesmo período no Brasil.

Órgãos com HIV

Em 11 de outubro, a rádio BandNews FM divulgou que pacientes transplantados haviam sido infectados com o vírus HIV no laboratório Patologia Clínica Doutor Samele (PCS Saleme), em Nova Iguaçu (RJ). 

No total, nove pacientes no Rio de Janeiro receberam órgãos e tecidos contaminados com HIV. Desses, seis foram infectados, dois não contraíram o vírus, e um morreu depois da cirurgia. O Ministério da Saúde soube do caso um mês antes da notícia, mas não investigou por “falta de evidências”. Com a omissão, o laboratório continuou a realizar exames até o início do mês, quando o caso foi divulgado. 

Segundo Francisco Cardoso, infectologista e perito médico federal, as infecções por HIV são responsabilidade do Ministério da Saúde, uma vez que o sistema de transplantes é federal. 

“Por mais que haja parceria com os Estados, a responsabilidade, a regulação, a normatização e o financiamento é todo federal”, explicou. “Inclusive, é uma das poucas áreas do SUS em que não existe limite de pagamento para esse tipo de procedimento.”

O especialista classificou o episódio como o pior escândalo da história do Ministério da Saúde desde sua fundação, em 1953, sob o governo de Getúlio Vargas. “A culpa é deles”, disse. “Eles deveriam estar fiscalizando o sistema. Mas eles entregaram tudo de bandeja para os Estados fazerem o que quiserem, que foi a história da revogação das portarias.”

O perito explica que Nísia, sob pressão de órgãos como o Conselho Nacional de Secretários de Saúde, revogou duas portarias (nº 3264/2022 e nº 3265/2022) que haviam sido assinadas por Bolsonaro em 2022. Os textos determinavam critérios mais rígidos para a vigilância de transplantes, incluindo tempo de espera e qualidade do órgão.

Para Cardoso, na notificação do primeiro caso, o ministério deveria ter acionado a central de transplantes do Rio de Janeiro “imediatamente”, fechado o laboratório e realizado novos testes para verificar se havia outros incidentes semelhantes, além de oferecer suporte às vítimas. “Nenhuma polêmica anterior envolvendo o ministério chega perto disso, pois demonstra uma total ausência do Estado”, completou.

A culpa é de todos, menos da ministra

Diante de todas as polêmicas nestes quase dois anos de gestão, Nísia Trindade tem se mantido segura no cargo, mas seu ministério já registrou a saída de 12 secretários e diretores de órgãos ligados à pasta. As demissões e os pedidos de exoneração demonstram que a culpa da gestão ineficiente da socióloga nunca recai sobre ela. 

Em meio à crise sanitária na Terra Indígena Yanomami, a diretora do Departamento de Atenção Primária à Saúde Indígena, Carmem Pankararu, acabou sendo “sacrificada” no lugar de Nísia Trindade. Mais recentemente, o pedido de exoneração de seis integrantes da diretoria da Fundação Saúde, no Rio de Janeiro, tentou abafar a responsabilidade da ministra diante do caso dos transplantes de órgãos com HIV.

Apesar dos escândalos, Nísia fica

A gestão fantasmagórica de Nísia Trindade no Ministério da Saúde parece não ser suficiente para sua saída da pasta. Três fontes ouvidas por Oeste, que integram o Ministério e o Palácio do Planalto, negam que Lula cogite a exoneração. 

Apesar de ter entrado no Ministério da Saúde com o “apadrinhamento” de Lula e de Janja, é a primeira-dama quem mais tem zelado em prol da ministra. Janja chegou a defender e acolher a socióloga durante uma reunião ministerial em março deste ano, depois que Nísia foi cobrada pelo presidente.

Durante as críticas, Nísia chorou. Ela admitiu sua dificuldade em lidar com o centrão — que pede sua cabeça desde 2023 —, mas argumentou que o problema estaria na sua condição de mulher. Depois, culpou terceiros por seus erros de gestão, mas alegou que atuaria para corrigir o rumo de sua pasta. Janja recebeu a ministra de braços abertos.

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*Colaborou Uiliam Grizafis

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