Na edição 75 da Revista Oeste, J.R. Guzzo desmontou com precisão matemática a fantasia reapresentada há cinco carnavais: Jair Bolsonaro vai preparar, está executando ou já consumou um golpe de Estado:
“‘Bolsonaro’ e os ‘setores antidemocráticos’ dão o golpe — aí o que acontece, na prática? Vão fechar o Supremo e, caso sim, vão fazer o que com os 11 ministros? Prende? Deixa solto? Põe o que no lugar do STF? A máquina da Justiça precisa continuar funcionando; não vão parar as ações de despejo ou de cobrança. Outro problemão é o Congresso. Fecha? Cassa mandato? Joga fora a papelada da ‘CPI’? O que vão fazer com a reforma tributária? Fica tudo igual? Estão marcadas para 2022, com voto eletrônico tal como quer o ministro Barroso, eleições para presidente, governadores de Estado, Congresso e assembleias legislativas. É preciso definir se elas vão ser mantidas ou suspensas, e, caso sejam suspensas, quando vai haver eleição de novo. Quem pode ser candidato? Lula, por exemplo: pode ou não pode? Com certeza não pode, mas — vai saber. Outra coisa: o que o golpe vai fazer com os atuais governadores? E se os 27 aderirem, numa decisão corajosa em favor da estabilidade e da pátria —– não se cassa ninguém? São Paulo vira um Estado independente, em caso de rebelião contra o novo governo federal? Vai ter uma Marinha, ou uma Força Aérea?”
Guzzo prova por A mais B que o golpe bolsonarista só existe na imaginação de Alexandre de Moraes, dos jornalistas da Globo e de um punhado de artistas e intelectuais. Passados mais de três anos, o consórcio no poder persiste na ladainha.
O primeiro golpe incluía no pelotão avançado moradores de rua, autistas, avós e um vendedor de algodão-doce — muitos deles armados com estilingues e bolinhas de gude. Depois veio o golpe de um homem só, empunhando rojões e fogos de artifício. Agora, “Alexandre de Moraes e seus acompanhantes no STF querem que você acredite que um aglomerado de 37 pessoas, a lotação de um ônibus, quis dar um golpe de Estado no Brasil”, escreve Guzzo na reportagem de capa desta edição.
É a autópsia de uma farsa. “Não é possível, de jeito nenhum, derrubar um governo sem que pelo menos um soldado se mexa do lugar, sem tirar um tanque da garagem e sem dar ordens específicas a nenhuma autoridade. Ninguém, nunca, deu um golpe militar se o Exército em peso ficou contra esse golpe. Não dá para dar um golpe com uma verba de R$ 100 mil. É impossível, apenas isso.”
Enquanto isso, o Congresso começa a emitir sinais de altivez. Arthur Lira manifestou-se contra o indiciamento de Marcel van Hattem e Cabo Gilberto Silva, investigados pela Polícia Federal por criticarem, em plenário, o delegado Fábio Shor. “O problema de Alexandre de Moraes e da maioria dos ministros que o acompanham é a palavra ‘quaisquer’ no artigo 53 da Constituição”, ressalta Silvio Navarro. “A Corte agora quer determinar o que um congressista pode ou não falar, especialmente o tom e os assuntos.”
No mesmo dia em que Lira ensaiou essa reação, Moraes deixou claro que segue confortavelmente instalado no Supremo Comando da Nação. Durante a sessão que começou a debater a regulação das redes sociais, o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, disse ao advogado do Facebook, José Rollemberg Leite Neto, que se tratava de um debate “de boa-fé”. “O senhor fique tranquilo, que não é uma inquirição.” Então ecoou a voz de Alexandre de Moraes no microfone: “Ainda…”. Barroso deveria pelo menos recriminar o deboche, observa Augusto Nunes. “Em vez disso, gargalhou.”
A história ensina que as grandes rupturas democráticas não começam com estilingues, fogos de artifício e nem mesmo com tanques. Começam com um silêncio.
Boa leitura.
Branca Nunes,
Diretora de Redação
Muito boa a apresentação, mais uma vez. Parabéns a Dona Redação. Elguns textos, inclusive este, deveria ser liberado para o público ainda não assinante. Claro que o Guzzo é o sineiro que badala nas horas certas para despertar a consicência.
” A história ensina que as grandes rupturas democráticas não começam com estilingues , fogos de artifício e nem mesmo com tanques. Começam com um silêncio”. Perfeito, Branca Nunes.