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Edição 25

Cabo X streaming: você já cortou seu cordão?

Netflix, Amazon Prime & afins já superam a TV por assinatura, que está em queda evidente

Dagomir Marquezi
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Cord cutters (“cortadores de cordão”) é o apelido dado a quem desistiu dos serviços de TV por assinatura e optou de vez pelo streaming via internet.

Cabo ou streaming? Já passamos por outras transições que geraram momentos de dúvida. Tipo “quando deixar a fita VHS para trás e aderir ao DVD?” Mas essa era uma questão relativamente fácil. Por causa da superioridade tecnológica, era óbvio que o DVD sairia vitorioso. O caso cabo X streaming envolve questões bem mais complicadas do que um simples upgrade de qualidade.

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Hoje mesmo essa escolha nem precisa ser feita. Quem tem condições financeiras para isso (e vontade de variar o cardápio de atrações) pode ter os dois sistemas convivendo numa boa. Acontece que a crise da pandemia obrigou muita gente a cortar despesas. E, entre cortar a assinatura de um serviço de cabo a R$ 200 ou a de um streaming a R$ 20, a escolha imediata pareceu óbvia. Os sistemas de streaming deram um salto de audiência. E os serviços por cabo não param de perder clientes.

A TV mais tradicional ainda vive de publicidade, que geralmente nos aborrece e nos frustra

A Netflix vai então “destruir a Rede Globo”? Não é tão simples assim. Em primeiro lugar, é a Netflix que corre o risco de ser engolida por concorrentes cada vez mais numerosos, fortes e dinâmicos. A Netflix é um serviço limitado, que só exibe produção muito recente e parece estar acomodada com o muito que conquistou. Comodismo é um perigo para qualquer empresa do mundo, especialmente num mercado em ebulição.

Outra razão para a Rede Globo não ser “destruída”: a empresa se adiantou e já entrou com força no streaming por meio do aplicativo Globoplay. Está longe de ser um “dinossauro” a ser abatido com facilidade. Pode perder audiência por outras razões, como sua rigidez ideológica (virou uma espécie de “TV Psol”) ou a baixa qualidade de muitos programas que oferece. Mas, em termos de tecnologia, fez a lição de casa e se preparou para os novos tempos.

A TV por assinatura virou um produto relativamente caro e cada vez menos visto. Pagamos pelo acesso a centenas de canais de venda de joias, igrejas e cultos, gastronomia, reality shows, canais para bebês, e também canais de ciência, notícias, cultura, história e documentários. Ninguém pode negar a fartura de opções. Um dos problemas do cabo é que não dominamos esse fluxo. O hábito de esperar determinado horário para assistir a um programa ficou ultrapassado pela experiência de total controle que temos nos aplicativos de streaming. Além disso, essa TV mais tradicional ainda vive de publicidade, que geralmente nos aborrece e nos frustra.

Fica na TV aberta quem sofre de tecnofobia ou tem pavor de mudar a rotina

Por essas e por outras, as pessoas já estão cortando o cordão também aqui no Brasil. Segundo a Anatel, o melhor momento da TV por assinatura aconteceu em novembro de 2014, com 19,8 milhões de usuários. Esse número caiu para 15,3 milhões em abril de 2020. É uma queda de 22,7%. Na contramão, a audiência dos serviços de streaming subiu um quinto só durante a pandemia. Em junho, por exemplo, a soma dos serviços de streaming resultou em 7 pontos de audiência, em média, segundo a Kantar Ibope Media. Isso significa aproximadamente 1,75 milhão de pessoas assistindo ao mesmo tempo. E esse número refere-se ao público que viu filmes e séries apenas por aparelhos de televisão — não são considerados aí os espectadores que usaram celular, tablet ou computador.

É um momento histórico para a mídia no Brasil. Significa que, com 7 pontos, os sistemas de streaming somados representam o segundo “canal” em audiência no país. Só são ultrapassados pela Rede Globo, com 15 pontos. Em “terceiro” lugar vem a Rede Record, com média de audiência de 5,5 pontos. Depois, o SBT (5), seguido pela Band (1,5) e pela RedeTV (0,6).

Segundo dados da Kantar Ibope, a audiência da TV aberta caiu 17% desde o ano 2000. A única emissora que subiu nesse período foi a Record (+ 51%), fidelizada pelo público evangélico. Entre os que viram a audiência diminuir estão, pela ordem: SBT, com queda de 40%; Rede TV (-39%); Band (-24%); e Globo (-20%). Tirando a audiência da Record, as pessoas estão se cansando de passar seus dias e noites com Luciana Gimenez, Fátima Bernardes ou Silvio Santos. Uma parte da população vai gostar desse estilo mais tradicional de televisão para sempre. Muitas dessas pessoas sofrem de tecnofobia, e se apavoram com a perspectiva de mudanças em sua rotina.

Amazon Prime e AppleTV+ indo pelo caminho de servir de atalho a outros serviços de streaming

Tudo indica que, apesar desses bolsões de resistência, o cord-cutting vai se acelerar antes mesmo do fim do ano. Algumas razões para isso:

  • A variedade das opções de streaming está crescendo. E ainda não temos acesso ou contato com serviços como Peacock, BrittBox, Acorn TV, Uncut, CBS All Access, FilmDoo, HBO Max, SeeSo, DiscoverFilm, Criterion Channel ou Cinesquare. Como veremos adiante, o que já temos à disposição no Brasil é um banquete;
  • Com a queda do número de assinantes, as operadoras ficam com menos poder de baratear seus preços. Isso as leva a ter menos assinantes, e assim por diante. Já os serviços de streaming se dão ao luxo de oferecer períodos gratuitos de experiência ou preços promocionais para degustação;
  • Os novos aparelhos de TV já vêm equipados de fábrica com conexão direta com os aplicativos de streaming. O serviço a cabo se tornou apenas uma das opções entre tantas oferecidas por uma smart TV.

Mesmo os serviços de streaming estão em rápida transformação. A liderança da Netflix está cada vez menos folgada. Segundo dados do aplicativo JustWatch, assim está a divisão da audiência:

  • Netflix (31%)
  • Amazon Prime Video (24%)
  • HBO Go e Telecine Play (9%)
  • Globoplay (7%)

Essa predominância da Netflix não deve durar muito. Sua grande rival, a Amazon Prime, está oferecendo em seu pacote cinco (sub)canais: StarzPlay, Paramount+, MGM, Looke e Noggin. O associado da Amazon Prime tem acesso a essas outras cinco opções, por preços adicionais. A AppleTV+ está indo pelo mesmo caminho de servir de atalho a outros serviços.

Para esquentar o jogo, a Disney+ chega com tudo em 17 de novembro, com uma mistura poderosa de ingredientes: Disney, Pixar, Star Wars, Marvel e National Geographic. Já foi anunciado também no Brasil o Pluto TV, com uma penca de conteúdos gratuitos. O Quibi já está disponível, com uma programação mais enxuta já desenvolvida para a telinha do celular.

Terror e “filmes-cabeça”, ópera e rock, esportes e documentários — tem de tudo, até Shakespeare

Tem muito mais. O serviço brasileiro Oldflix entrega o que o Netflix não tem: memória, com filmes produzidos desde a década de 1930 e séries como The Monkees e Agente 86. O também brasileiro Darkflix é especializado em filmes de terror. O Belas Artes tem um catálogo de “filmes-cabeça”, assim como o Mubi. Para os fanáticos por música, temos o Opera Vision (que é gratuito). No Quello, rock e pop. No (argentino) SelectaTV, música clássica. No CuriosityStream e no Philos, documentários. No Funimation e RetroCrush, os desenhos animados japoneses conhecidos como animes. Para esportes, temos o DAZN, o EsporteInterativo e o MyCujoo.

Ainda há muito a explorar em nichos especializados. Quem gosta de teatro, por exemplo, conta com nada menos que quatro serviços: o Broadway HD oferece dezenas de registros dos palcos de New York. O Cennarium, peças montadas no Brasil. Montagens britânicas estão no Digital Theatre. Os fãs de William Shakespeare encontram no Globe Player só versões das peças do bardo em vários idiomas e linguagens. O preço para todos esses serviços varia de zero a cerca de R$ 70 mensais.

O cabo então está vivendo uma “morte lenta”? Nem tanto. Os canais por assinatura continuam soberanos em áreas como jornalismo, documentários, reality shows, tevês nacionais, novelas, entretenimentos de auditório etc. Quando queremos TV ao vivo, vamos ao cabo. Ele também nos oferece o ato terapêutico de zapear o controle remoto em busca de um pouco de alienação em alta velocidade. Mas está em queda evidente.

De acordo com a consultoria Bernstein, em junho a Netflix atingiu 17 milhões de assinantes e ultrapassou o número de assinantes de TV a cabo no Brasil (segundo a Anatel, 15,2 milhões). É um marco na história da mídia brasileira. Mas essa rivalidade entre o cabo e o streaming logo poderá ser ultrapassada por um fator surpreendente.

Um novo padrão de TV aberta está sendo testado nos Estados Unidos e na Coreia do Sul: o ATSC 3.0, também conhecido como NextGenTV (ou “TV da próxima geração”). O novo padrão promete transmitir TV aberta em padrão 4K com sinal de internet já incorporado. Teremos TV e internet no mesmo pacote — e grátis. Sua implantação definitiva está prevista para 2025. Aí a questão de ter cabo ou streaming estará completamente superada e substituída por uma nova realidade. Parece incrível, mas a solução para nossos futuros problemas talvez venha através da tradicional antena de uma TV aberta.

Até lá, ninguém vai responder à pergunta que nos angustia: quem vende tempo para assistir a tanta coisa?

Leia também “No futebol, a liberdade entra em campo”

 

6 comentários
  1. Livio Mozarth Mendes Marcal
    Livio Mozarth Mendes Marcal

    Netflix vai perdendo assinantes devido à suas séries sempre com um viés. As séries mais clássicas são assistidas e as novidades vão ficando por lá com notas baixas. Essa OldFlix não conhecia. Vlw Dagomir.

  2. Marcelo Gurgel
    Marcelo Gurgel

    O cardápio da Netflix é muito ruim.

  3. Heloisa Medeiros
    Heloisa Medeiros

    A TV a cabo ficou caríssima, além de o usuário não poder escolher os canais que quer, tem sempre que fazer um “pacote” com coisas que não interessam. O pior de tudo é que tem muito anúncio (vc paga caro e ainda tem que engolir anúncios??), os mesmos anúncios repetidos o dia inteiro, e muita interrupção com aqueles anúncios dos programas do próprio canal, também repetidos à exaustão!!!!!!

  4. Alberto Junior
    Alberto Junior

    Dagomir Marquezi mostrando a que veio! – serviço de utilidade pública de alta relevância cultural. É a expansão da informação qualificada. A Oeste vem mesmo com tudo!

  5. Natan Carvalho Monteiro Nunes
    Natan Carvalho Monteiro Nunes

    Como é bom ver esse tipo de artigo por aqui na Oeste. Muito bom, várias informações bacanas. Espero ver mais análises assim.

    A TV a cabo está com os dias contados. Ainda sobrevive por causa dos eventos ao vivo, como transmissões esportivas e telejornais. Mesmo assim, tais transmissões já não são exclusivas da TV a cabo. Filmes, séries, shows, tudo isso está nas plataformas de streaming, onde você seleciona exatamente o que quer assistir.

    Acho que a briga mesmo é dentro do próprio streaming. A Netflix, atual líder em assinantes, vem perdendo espaço e vendo a Amazon chegar cada vez mais próximo. Eu mesmo cancelei a Netflix para ficar apenas com o Prime da Amazon, pois tenho um vasto catálogo, filmes 4k, 3 telas simultâneas e pago apenas 9,90, além do frete grátis em compras no site da Amazon. Pagava 45,90 na Netflix, que vem apresentando um serviço bem aquém do que um dia já foi, e por isso já há indicações de que a empresa pode perder até 4 milhões de assinantes só nos EUA em 2020.

  6. Paulo Renato Versiani Velloso
    Paulo Renato Versiani Velloso

    Já está em franca ascensão a compra de um pequeno equipamento (TV box) que se adapta às HDTV’s comuns e as transformam em smart TV , com isso se aceleraram o corte dos serviços de assinatura de TV a cabo para o streaming e sem a necessidade de arcar com a compra de um novo aparelho de smart TV. Eu mesmo sou uma testemunha disso.

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