As manifestações marcadas para o dia 16 de março foram convocadas para demonstrar o apoio popular ao impeachment do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A data não mudou, mas os organizadores já decidiram que outra palavra de ordem ganhou força nesta semana e se tornou muito mais urgente: “Anistia já”. O caminho que leva à normalização política começa pela libertação de centenas de brasileiros que, acusados de envolvimento nos tumultos de 8 de janeiro de 2023, recriaram as figuras do preso por crime de pensamento e do exilado político. Essa mudança na direção dos ventos foi acelerada pela troca da guarda na cúpula do Poder Legislativo.
“Vou reunir o colégio de líderes e tratar do assunto com tranquilidade”, disse o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta. “Não podemos interditar o debate”, disse Davi Alcolumbre, presidente do Senado. Com esse desfile de platitudes muito apreciado pelos caciques do centrão, a dupla comunicou que a ideia de encerrar o drama absurdo imposto a golpistas imaginários não dormirá nas gavetas dos comandantes do Congresso. A votação nos plenários decidirá o peso e o alcance do texto aprovado. A história ensina que os parlamentares nunca contrariam a vontade do eleitorado. Mas o povo deve dizer nas ruas o que efetivamente quer.
Lula preferiu enxergar no começo do ano da anistia apenas o início antecipado da campanha eleitoral de 2026. Depois de uma troca de ideias com Janja e uma consulta ao novo marqueteiro, derrapou no deboche vigarista. “As pessoas são muito interessantes”, decolou o palanque ambulante. “Nem terminou o processo e já querem anistia. Eles não acreditam que são inocentes? Eles deveriam acreditar que são inocentes, e não ficar pedindo anistia antes do juiz determinar a punição.” Como qualquer bebê de colo, Lula sabe que o ministro Alexandre de Moraes não admite a existência de inocentes fora do rebanho esquerdista. Os parceiros de toga concordam.
![Hugo Motta, Lula e Davi Alcolumbre](https://medias.revistaoeste.com/wp-content/uploads/2025/02/Hugo-Motta-Lula-e-Davi-Alcolumbre.jpg)
Dos 898 réus do 8 de janeiro julgados até agora, 371 foram condenados a temporadas na prisão nunca inferiores a 14 anos. Os 527 restantes tiveram de engolir “acordos” em que assumem a autoria de crimes que não cometeram e aceitam matricular-se em “cursos de democracia”. Ou se submetem a esses abusos ou continuam usando tornozeleira eletrônica, fetiche que Moraes usou para inventar a meia liberdade. Para Lula e seus devotos, Justiça é isso. Golpistas munidos de estilingues, com o chefe no exterior e sem líderes por perto, abastecidos por vendedores de algodão-doce, recrutaram até moradores de rua, autistas, septuagenárias equipadas com terços e jovens que transformam batom em substância inflamável para destruir o Estado Democrático de Direito. Como os encarcerados nos campos de concentração nazistas, esses só merecem ter no braço não um número, mas dez letras: “Sem anistia”.
Carteirinha de sócio do clube dos anistiados é coisa para a extrema esquerda, que tentou derrubar o governo militar a bala e impor ao Brasil a ditadura comunista. Esses ganham, além do perdão incondicional, gordas indenizações e mesadas de bom tamanho garantidas pelo programa Bolsa Ditadura. Nascida no governo de Fernando Henrique Cardoso, a entidade foi transformada pelos governos do PT num imenso viveiro de assassinos, sequestradores, pilantras oportunistas, combatentes de araque, guerrilheiros de botequim e revolucionários de picadeiro. Muitos nunca souberam o que é uma cela. Nem ficaram à espera do fim do julgamento, como Lula recomenda aos inimigos.
A ficha resumida de incontáveis anistiados e/ou indenizados informa que o Brasil de Lula promove a heróis da pátria meros matadores patológicos. Um dos mais repulsivos é Carlos Eugênio Sarmento Coelho da Paz, codinome “Clemente”, que aos 17 anos ingressou na Aliança Libertadora Nacional, liderada pelo terrorista Carlos Marighella. Aos 21, com a morte de Marighella e, 11 meses depois, do sucessor Joaquim Câmara, Clemente assumiu o comando da ALN. Em outubro de 1970, com a autoridade que lhe conferia a coleção de atrocidades, presidiu o “tribunal revolucionário” que condenou à morte, por “atitudes vacilantes”, o militante Márcio Leite de Toledo. Em março de 1971, chefiou a execução do que o jargão do terrorismo chama de “justiçamento”. Os assassinados por decisão dos companheiros não morriam. Eram justiçados.
Abatido por oito tiros, Márcio Leite de Toledo não foi o único. No livro Injustiçados, além do caso de Toledo, o jornalista Lucas Ferraz resgata outros três monumentos à infâmia. Dois foram reunidos num minidocumentário produzido pela Folha de S.Paulo (assista abaixo). Na tela, alternam-se depoimentos de parentes das vítimas e dos justiceiros de araque que eliminaram Márcio Toledo e também Francisco Jacques Moreira de Alvarenga. “Nós agimos de acordo com as circunstâncias da época”, alega Maria do Amparo de Araújo, integrante do “tribunal revolucionário” que determinou o justiçamento de Alvarenga, pelo crime de prejudicar a ALN com revelações feitas durante selvagens sessões de tortura. “Eu faria tudo de novo”, garante Maria do Amparo. “A culpa é da direita, que apoiou a ditadura.” Até recentemente, ela era secretária dos Direitos Humanos da prefeitura de Recife.
“Em tempos de guerra, você tem de tomar medidas que em épocas normais parecem hediondas”, diz Clemente, no mesmo documentário, com o semblante de quem acabou de comungar. “Fizemos a luta justa. Não me arrependo de nada. Para mim, o arrependimento não existe.” Pouco depois do assassinato de Toledo, saiu do Brasil e morou em Cuba, na Rússia, na Tchecoslováquia e na França, antes de voltar ao país, em 1981. Por ter aprendido em Paris a tocar alguns instrumentos, passou a apresentar-se como “músico e compositor”. (É algo como transferir Adolf Hitler para a categoria dos pintores.) Em 2010, candidato a deputado federal pelo PSB, naufragou com pouco mais de 500 votos. Nunca foi preso, interrogado ou julgado. Mas entrou na tribo dos beneficiários da anistia em 1983 e nela permaneceu até morrer, em 2019.
Assessor da direção do PSB, essa personificação da torpeza se foi sem preocupações financeiras nem remorsos. Se tivessem de submeter-se às regras que Lula pretende impor aos réus do 8 de janeiro, se a Justiça brasileira funcionasse, se só pudessem ser anistiados depois do julgamento dos incontáveis crimes cometidos, tanto Carlos Eugênio quanto Maria do Amparo e boa parte dos 2,5 mil contemplados pela anistia de 1979 estariam até agora sobrevivendo na clandestinidade. Perdoados, mais de 500 envolvidos em ações armadas mantiveram a pose e o discurso do guerrilheiro em repouso: logo será retomada a luta pela implantação do paraíso socialista.
Todos foram salvos pela resistência democrática que seguiu reivindicando a restauração do Estado Democrático de Direito. Os devotos da luta armada escaparam da morte ou da cadeia graças aos pais e avós dos brasileiros que hoje acusam de fascistas ou extremistas de direita. Eles queriam outra espécie de ditadura. O Brasil que pensa e presta exige democracia sem tutores, liberdade sem adjetivos e respeito à Constituição. Os anistiados de 1979 sonhavam com um golpe de Estado. Nove em cada dez capturados no 8 de janeiro nem sabe o que é isso. Não houve na Praça dos Três Poderes um único assassinato, roubo, sequestro ou latrocínio. A imensa maioria não depredou coisa alguma. Apesar disso, são proibidos de sonhar com a anistia também pelos perdoados de 1979.
É o caso de Rosa Cimiana dos Santos, que nesta semana viveu seus dez minutos de notoriedade com um desconcertante agradecimento ao ministro Alexandre de Moraes “pela anistia”. Como assim?, surpreenderam-se milhões de brasileiros que vêm acompanhando há cinco anos o desempenho do Primeiro Carcereiro. Agora se sabe que o afago público foi endereçado ao ministro da Justiça do governo de Michel Temer, que teria tratado com muito respeito os anistiados das décadas passadas. Entre eles está o pai de Rosa, o ferroviário Arthur Pereira da Silva. Líder sindical filiado ao Partido Comunista Brasileiro, ele foi anistiado post mortem, em 2003.
Localizada por Oeste, Rosa deixou claro que o que valeu para o pai não se estende a outras famílias. “Sou contra a anistia aos presos do 8 de janeiro”, afirmou. “O que significou aquilo?”, perguntou e respondeu. “Não era uma luta por um país democrático. Eles estavam pedindo que voltasse a ditadura militar, para voltar a cadeira do dragão, as mortes, os desaparecimentos dos políticos; é isso que eles estão pedindo.” Rosa tinha 4 anos quando o pai foi preso. Liberado meses depois para passar o Natal com a família, Arthur mergulhou na clandestinidade. Graças a Moraes, pai e filha foram premiados com a “indenização a anistiados políticos”. Só ela ganhou R$ 93 mil.
Não se sabe exatamente quantos são os beneficiários do Bolsa Ditadura. Nem quanto, quando, como e por que cada um embolsou a bolada. Atualmente, a lista que aparece no Portal da Transparência do Governo Federal registra 39.984 pedidos deferidos. O ano mais generoso foi 2007: entraram na imensidão de nomes 8.294 pretendentes — ou cerca de 22 por dia. Há quase 6 mil Josés, 2,5 mil Antônios, 1,3 mil Luiz (entre eles o agora presidente Luiz Inácio Lula da Silva), 1,2 mil Manuel e só sete Dilmas. Uma delas é Dilma Vana Rousseff. Calcula-se que o valor total pago ronde a faixa dos R$ 4 bilhões.
Há três espécies de indenização. A primeira é a prestação única: o anistiado recebe de uma só vez a quantia inferior a R$ 100 mil. A segunda é a prestação mensal, equivalente ao salário médio que o requerente estaria recebendo no emprego se não fosse interrompida por motivos políticos a ascensão profissional. A terceira é a retroativa: o montante acumulado durante os anos de perseguição é pago de forma escalonada. Ninguém entende direito o palavrório feito para não ser compreendido. Mesmo os indenizados não sabem explicar os critérios e cálculos que determinam os valores e a forma de pagamento. E ninguém no governo sabe precisar o tamanho da enxurrada de dinheiro bancado anualmente pelos pagadores de impostos.
Sérgio da Silva Del Nero, por exemplo, embolsou R$ 3,4 milhões. Hélio de Castro Alves Anízio, R$ 1,9 milhão. Ditmar Friedrich Muller levou quase R$ 3 milhões (fora a mesada de R$ 18 mil). Agraciado com R$ 1,4 milhão, o jornalista Carlos Heitor Cony recebeu R$ 19 mil mensais até morrer, em janeiro de 2018.
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Perdulária de nascença, a Comissão de Anistia já transferiu para os filhos a quantia paga a um anistiado que morreu ou livrou beneficiários do pagamento do Imposto de Renda. Também por isso, é difícil entender o surto de mesquinhez que atormenta há muitos anos Orlando Lovecchio Filho. Em 1968, distante de violências políticas, ele perdeu a parte inferior de uma perna num atentado a bomba contra o consulado dos EUA em São Paulo, numa ala do Conjunto Nacional. Então com 22 anos, ele estranhou o ruído oriundo de um embrulho e aproximou-se para desfazer o mistério. Estava perto demais quando a bomba explodiu. Em 2007, Orlando recebia R$ 571 pelo INSS (por invalidez) quando soube que um terrorista envolvido no atentado embolsava uma Bolsa Ditadura de R$ 1,6 mil — e uma indenização retroativa no valor de R$ 400 mil.
“Restou claro que o requerente foi vítima de uma fatalidade que culminou com a amputação de sua perna”, desconversou o conselheiro Egmar José de Oliveira no parecer apresentado à Comissão da Anistia. “Todavia, esse acidente não condiz com os pressupostos legais passíveis de anistia política estabelecidos pela Lei nº 10.559/2002, por não estarem relacionados à ideologia contrária ao regime sustentado pela revolução de 64, mas, sim, originário de uma triste fatalidade e de um ato insano.” Ou seja: examinado o caso por critérios exclusivamente financeiros, Orlando teria feito um ótimo negócio se fosse o autor do atentado. Vítima do terrorismo, não mereceu um centavo. Reparos financeiros também passaram ao largo dos familiares de Márcio Leite de Toledo. Em contrapartida, o assassino Carlos Eugênio Paz conseguiu uma indenização retroativa de quase R$ 600 mil, além da mesada de R$ 4 mil por mês.
Os presos do 8 de janeiro não reivindicam um tostão sequer. Querem livrar-se do sofrimento, da angústia, do medo. Sonham com a vida em liberdade num Brasil democrático. Merecem a anistia já.
— Com reportagem de Artur Piva, Cristyan Costa e Lucas Cheiddi
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A data da manifestação é 16/03/2025
O cara é mau, não. O cara é ruim.
O cara é mau. E não se importa com o que dizem e dirão dele. A existência para ele é tão somente um acidente. E pronto. Vale tudo.
Não abre e não consigo ler a matéria completa
Interessante ver o guerrilheiro dizer que não se arrepende dos justiçamentos, dos assassinatos que cometeu. Diz que eram tempos de guerra. De fato eram. Era a época da Guerra Fria entre EUA e URSS. Nós, como dezenas de outros países, ficamos no meio do conflito. O que houve não foi um arroubo de gente má que queria matar estudantes ou estudantes malvados que queriam matar soldados. Mas parece que depois as coisas ficaram assim definidas. Maniqueísmo e geopolítica no mesmo pacote. Mas vamos lá, o ex-guerrilheiro fala que eram tempos de guerra e medidas consideradas hediondas precisaram ser tomadas. Mas apenas do lado daqueles que se perfilaram do lado soviético da Guerra Fria? Ou seria tudo justificável para o outro lado também? Se o ex-guerrilheiro diz que os tempos da guerra fria justificaram crimes hediondos, vale para o policial do Dops também, certo? Afinal de contas, eram os dois lados da mesma guerra.
Parabéns a Augusto Nunes e Branca Nunes,artigo escrito a quatro mãos. Escancara a diferença dos anistiados do AI5 e dos que não receberam anistia em oito de janeiro. Injustiça, tortura e vidas destruídas é o que restou.
Caro Augusto, não creio que anistia passará. Justificativa: Dependerá dos votos do centrão controlado por, nada menos, que Kassab. A “oposição”, se é que, de fato, existe, deveria ter construído uma estratégia (tiveram dois anos para isso) para eleger os presidentes da câmara/senado. O bebum tem a caneta na mão; muito $$$$ disponível; a Itaipu binacional, que já liquidou, recentemente, o débito assumido para a sua construção, é a grande fonte de $$$$ a ser usado livremente pelo molusco. Ao invés de utilizar esse $$$$, que não é mais utilizado para pagar a dívida da empresa, para, por exemplo, abaixar a conta da luz, investir em infraestrutura, o molusco o utiliza para: patrocinar os shows da esbanja, maquiar Belém do Pará, que continuará sem uma rede de esgotos mas, principalmente, o utilizará em Brasília, dentro do congresso nacional. Alguém duvida disso?
Essa culpa está também nas mãos de nossos congressistas, e de todos que se calam no poder judiciário.
Essa culpa está também nas mãos de nossos congressistas, e de todos que se calam no poder judiciário.