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Plantio de Eucalipto no município de Três Lagoas, em Mato Grosso do Sul | Foto: Anna Carolina Negri/Shutterstock
Edição 255

Na agropecuária nada se perde, nem a fumaça

Esse tipo inovador de insumo agropecuário, a matéria orgânica ultradecomposta, é um modelo agroindustrial quase exclusivo do setor florestal brasileiro

Evaristo de Miranda
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Não importa a chaminé torta,
se a fumaça é direita.
(Provérbio turco)

O setor florestal é um dos mais dinâmicos e modernos do agronegócio brasileiro. São mais de 10 milhões de hectares de florestas plantadas, dos quais 7,8 milhões com eucaliptos; 1,9 milhão com pinus e cerca de meio milhão de hectares com outras espécies (teca, acácia, araucária…). E tudo com muita tecnologia, genética e agregação de valor pela industrialização. Intimamente ligadas à indústria, as florestas de eucalipto fornecem madeira e derivados (painéis, compensados…), assim como celulose (papel, papelão, produtos alimentares, farmacêuticos…). Já as florestas energéticas de eucalipto geram combustíveis sólidos: lenha e carvão vegetal. O Brasil produz cerca de 7 milhões de toneladas de carvão vegetal por ano, e um de seus principais destinos é a siderurgia.

A indústria siderúrgica brasileira adotou o carvão vegetal na produção de gusa, aços e fundidos com baixa pegada de carbono. O país é líder mundial na produção de aço e gusa com carvão vegetal. Grandes produtores de gusa e aço (China, EUA, Japão, Rússia…) recorrem ao coque, derivado do carvão mineral e do petróleo, combustíveis fósseis, não renováveis.

Esse processo é grande emissor de CO₂ e responsável por cerca de 75% da produção do aço mundial. Na França, por exemplo, a produção de aço emite cerca de 20 milhões de toneladas de CO₂ por ano, ou 5% do total das emissões francesas de gases de efeito estufa. Isso se deve essencialmente à produção primária do aço com base em carvão mineral.

A produção de ferro-gusa no Brasil é triplamente “ecológica”. O carvão vegetal é usado como combustível e agente químico na produção de ferro-gusa. Como combustível, serve para gerar calor no alto-forno. Como agente químico, é usado para remover o oxigênio do minério de ferro. O processo consome aproximadamente 1,68 tonelada de minério de ferro e 3 metros cúbicos de carvão vegetal (700 quilos) para produzir 1 tonelada de gusa.

Carvão vegetal | Foto: Shutterstock

Parte do gusa é fundamental na reciclagem de sucatas metálicas. Sobretudo em países desenvolvidos, os eletrodomésticos usados, os veículos abandonados, as máquinas e os equipamentos descartados são todos obrigatoriamente destinados à reciclagem. Nesse processo, adiciona-se gusa ao ferro a ser reciclado para diluir as impurezas das sucatas. O ferro-gusa tem esse terceiro alcance ambiental ao permitir a reciclagem do ferro, com economia de energia, emissões e matéria-prima. O ferro-gusa de carvão vegetal, por ser mais limpo e ter tantos empregos, é muito valorizado.

A China é o maior produtor de gusa (46,4%), seguida pelo Japão (9,7%), Rússia (5,9%) e EUA (4,3%). Tudo obtido com um combustível fóssil: o carvão mineral. O Brasil ocupa a sexta posição na produção e a primeira na exportação. Aqui, o ferro-gusa pode ser considerado um produto agroflorestal, baseado no uso de carvão vegetal, recurso renovável, oriundo de florestas de eucalipto, altamente produtivas.

A produtividade florestal brasileira é duas vezes superior à das florestas do Chile e da África do Sul. Ela supera em três vezes a de Portugal e Espanha, e em quase dez vezes a produtividade da Suécia e Finlândia (Revista Oeste, Edição 95). A produtividade média no plantio de eucalipto passou de 10 m³/ha/ano em 1970 para 39 m³/ha/ano atualmente.

Floresta de Eucaliptos em Mato Grosso | Foto: Kelsen Fernandes/Shutterstock

A área de florestas plantadas no Brasil (mais de 100 mil quilômetros quadrados) supera o território de Portugal ou da Coreia do Sul. Em 2023, a produção de carvão vegetal no Brasil atingiu 24,2 milhões de metros cúbicos. Minas Gerais concentra 88% do volume total produzido (21,4 milhões de metros cúbicos). Bahia e Mato Grosso do Sul responderam juntos, em 2022, por 7% da oferta nacional de carvão vegetal.

A economia circular é realidade no agronegócio. Campeão da economia circular, o setor florestal brasileiro gera 2,7 milhões de empregos diretos e indiretos e recicla 83% de seus subprodutos. Resíduos sólidos, como os da produção de etanol e açúcar, grãos e algodão, são utilizados na geração de energia e na alimentação animal, por exemplo. Nada se perde. Dejetos da criação animal são transformados em adubo, biogás e energia.

Resíduos líquidos também são aproveitados, como no caso da vinhaça da cana-de-açúcar ou do lícor negro na produção de celulose, utilizados na geração de energia, na produção de biometano e de fertilizantes. Se muita gente sabe disso, poucos conhecem as empresas produtoras de insumos agrícolas e veterinários cuja principal fonte de matéria-prima é a fumaça de eucalipto.

Fornos de eucalipto para a produção de carvão no Brasil | Foto: Robson Valadares/Shutterstock

A pioneira nesse processo foi a mineira Biocarbo, empresa especializada em subprodutos da fumaça. Ela trabalha no ciclo de vida completo da cadeia produtiva do carvão vegetal: pesquisa e desenvolvimento; produção de matéria-prima; beneficiamento e comercialização dos coprodutos. A empresa, com 30 anos de operação, exporta para o Japão, os EUA e o Canadá seus produtos extraídos da fumaça.

Graças à parceria com usinas e siderúrgicas, a fumaça da produção e do uso do carvão de eucalipto é transformada em alcatrão vegetal e extratos pirolenhosos. Processados em plantas industriais, eles dão origem a produtos para diversos segmentos: farmacêutico, alimentício, agrícola (defensivos, hormônios, bioestimuladores…), veterinário, química fina e combustíveis (alcatrão). Os subprodutos da fumaça do carvão vegetal são carbon free.

Não é apenas reciclagem da fumaça, e sim upcycling: gera novos produtos, cria empregos, amplia renda e promove desenvolvimento tecnológico e industrial. O processo agrega valor a um subproduto antes lançado na atmosfera. A recuperação da fumaça fortalece a siderurgia a carvão vegetal (aço verde) e evita a liberação de compostos orgânicos voláteis (VOCs) na carbonização do eucalipto. A aplicação desses produtos na atividade agropecuária melhora os mecanismos de fermentação das biomassas, potencializada por processos físico-químicos, e a ação de diversos defensivos agrícolas evita a volatilização de amônia e a perda de fertilizantes.

Nos fornos, sob ação de calor, os tecidos lenhosos da madeira do eucalipto sofrem uma série de transformações e deixam um material sólido: o carvão vegetal. Quando a madeira é aquecida, o calor destrói parte das grandes estruturas celulares, como a lignina e a celulose. Ao serem quebradas, elas geram pequenas moléculas na forma de fumaça. Fragmentos muito pequenos desses tecidos vegetais são liberados na forma de vapor.

Madeira de eucalipto no interior de São Paulo | Foto: Alf Ribeiro/Shutterstock

A Biocarbo desenvolveu tecnologia própria para resgatar esse vapor, por meio de recuperadores de fumaça acoplados às chaminés, em grandes fornos de carvão vegetal. A fumaça vira líquido e depois é separada em alcatrão e extrato pirolenhoso. São mais de 200 moléculas orgânicas constituintes. Esses sub ou coprodutos da fumaça dão origem a insumos agropecuários.

Por serem pequenas e terem similaridade química, essas moléculas entram pelos poros (estômatos) e canais permeáveis das folhas e vão até o interior das células vegetais. Essa matéria orgânica ultradecomposta tem ampla gama de benefícios na produção vegetal. Após aplicação na parte aérea dos cultivos, puros ou associados a defensivos agrícolas, esses produtos se concentram no solo, próximo às raízes. Eles têm participação ativa nos mecanismos de nutrição mineral, no metabolismo da energia das plantas e na síntese dos ácidos graxos, da coenzima acetil-A (componente da respiração celular e um intermediário-chave no metabolismo celular) e do ácido indolacético, ou AIA (hormônio vegetal regulador do crescimento das plantas e outros processos).

Esse tipo inovador de insumo agropecuário, cuja principal fonte de matéria-prima é a fumaça, é um modelo agroindustrial quase exclusivo do setor florestal brasileiro. Ele estabeleceu um elo material, cíclico, permanente e crescente entre a produção florestal de eucalipto, a siderurgia e a geração, em retorno, de insumos para as diversas atividades agropecuárias.

Neste mundo existem pessoas capazes de transformar dinheiro em fumaça. Hoje, os mais altos cargos da Ré-pública esbanjam o dinheiro dos pagadores de impostos e trabalhadores do Brasil, em meio a narrativas e cortinas de fumaça. Fumus comissi delicti. Já na agroindústria brasileira, a fumaça é transformada em dinheiro.

Leia também “Quantas pessoas já viveram na Terra?”

9 comentários
  1. Alice Helena Rosante Garcia
    Alice Helena Rosante Garcia

    “Na natureza nada se cria tudo se transforma”
    Quem diria !! Tornamos a fumaça solida
    Parabens Prf Evaristo pela aula brilhante

  2. DONIZETE LOURENCO
    DONIZETE LOURENCO

    Mais uma aula de agricultura com alta tecnologia apresentada pelo Profº Evaristo de Miranda.

  3. Dalmacio Irapuan dos Santos
    Dalmacio Irapuan dos Santos

    Excelente artigo! Ampliou meu horizontes e argumentos contra a ideologia xiita do ecochatos!

    Quem diria, hem? Fumaça contribuindo para o superavit da balança comercial!🙏

  4. Antonio Carlos Neves
    Antonio Carlos Neves

    Pois é, e nós temos como autoridade máxima da Republica o casal Lula e Janja.

  5. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
    Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

    Valoroso conteúdo.

  6. Robson Oliveira Aires
    Robson Oliveira Aires

    Excelente artigo. Parabéns. Texto muito esclarecedor. A cada dia aprendendo mais com a Revista Oeste.

  7. Erasmo Silvestre da Silva
    Erasmo Silvestre da Silva

    O Brasil é o maior conservador ecológico mas não precisa dar satisfação a nenhum país. O Brasil tem que investir na produção industrial pra crescer para sua população e ponto final

  8. Ernando Nogueira Barros
    Ernando Nogueira Barros

    Evaristo de Miranda!! Eu não tinha conhecimento, artigo muito esclarecedor !

  9. Teresa Guzzo
    Teresa Guzzo

    Artigo sensacional ,obrigada Evaristo de Miranda. Esclareceu e explicou minuciosamente no que a fumaça se transforma. O agro é é continuará sendo o melhor setor na economia brasileira, agrega em tecnologia ,produtividade e sustentantabilidade, tudo se aproveita.Que venham europeus e chineses,nada derrubará o Brasil no agronegócio.

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