Todo dia comemos e consumimos eucalipto. E ninguém se dá conta. O eucalipto reina entre as árvores cultivadas no Brasil. São mais de 5,5 milhões de hectares de eucalipto, de um total de cerca de 9 milhões de hectares de florestas plantadas, segundo a Indústria Brasileira de Árvores. A produtividade média de 39 metros cúbicos por hectare por ano (m³/ha/ano) do eucalipto brasileiro é cerca de duas vezes superior à das florestas do Chile e da África do Sul. Ela supera em três vezes a de Portugal e Espanha e em quase dez vezes a produtividade de Suécia e Finlândia. As florestas de eucalipto atendem à demanda por lenha, carvão, madeira e, sobretudo, celulose. Entre as aplicações da celulose, a produção de papel e papelão são as maiores e mais conhecidas. Não é só. As florestas de eucalipto participam da alimentação, do vestuário, do conforto do lar e até dos cuidados de saúde de todos os brasileiros.
A palavra eucalipto foi criada por um botânico francês, Charles Louis L’Héritier de Brutelle, em 1788. Ela se compõe do prefixo grego eu (bem, bom, agradável, verdadeiro) e de κάλυπτο, kályptos (coberto). Esse gênero botânico foi denominado assim pela característica de sua inflorescência. Nela, o limbo do cálice se mantém fechado, até depois da floração. Vale relacionar o significado de eucalipto (eu kaliptos) com apocalipse (apo kalipse), apo significando ação contrária ao coberto e, portanto, revelação.
O prefixo eu prolifera entre plantas e humanos, em palavras como Eugenia (bem gerada, nascida), Eunice (boa vitória), Eustáquio (boa espiga, bom fruto), Eulália (boa fala), Eusébio (bem venera — Deus), Euterpe (boa alegria, doçura), eufórbia (bom alimento), euforia (bem suportar), eutanásia (boa morte) e eutrofia (bom crescimento, até demais). E transforma-se em ev, em evangelho (bom anúncio, boa-nova) ou Evaristo (bom grado, muito amado).
Os eucaliptos são originários da Austrália e pertencem à generosa família das mirtáceas, com cerca de 3.000 espécies, dentre as quais: goiaba, araçá, cravo-da-índia, jaboticaba, jambo, pitanga, murta, uvaia, grumixama, guabiroba, camu-camu, cambuci, cambuí, cambucá e muitas outras.
Além da madeira, da lenha e do carvão, um produto excepcional extraído do eucalipto é a chamada polpa de celulose solúvel (dissolving pulp). Trata-se de um material com alto teor de celulose (> 92%-97%) quando comparado ao teor encontrado nas polpas kraft convencionais (85%-90%), destinadas à produção de papel e papelão. A polpa de celulose solúvel tem alta pureza e baixo nível de contaminantes inorgânicos. Dada sua alvura e viscosidade, ela pode ser aplicada nos mais diversos produtos, sobretudo em alimentação, saúde e cosmética.
Ela entra na produção de tripa de celulose para confecção de embutidos (salsichas, linguiças, mortadelas etc.). A celulose solúvel é um excelente estabilizante, emulsificante e espessante, capaz de integrar grande número de alimentos industrializados e processados, como sorvetes, iogurtes, biscoitos, doces, hambúrgueres, queijos, molhos, ketchup e sopas. Poucos consumidores sabem da presença celulose de eucalipto nesses produtos.
Além dos alimentos, a celulose solúvel entra na composição do revestimento de comprimidos e cápsulas de medicamentos, das pastas de dente e em formulações odontológicas (gel dental e soluções orais). Na indústria de cosméticos, há derivados da celulose utilizados para a confecção de gel, um veículo excelente para diversos princípios ativos dermatológicos e terapêuticos, e em diversos produtos de higiene pessoal, maquiagem, cremes cosméticos, fraldas e até em preservativos.
A celulose participa também na composição dos filtros de cigarros, nas lentes de contato, máscaras e tecidos cirúrgicos e até em telas de LCD. Em tudo isso há eucalipto. O processamento dos eucaliptos permite a produção de outros insumos para fabricar vernizes, esmaltes, tintas, óleos essenciais, celofane, filamentos para pneus, filmes fotográficos etc. Na construção civil, a celulose é utilizada na confecção de painéis e divisórias de ambiente (dry wall). No setor energético e petroquímico, a celulose é usada na produção de bioprodutos e biocombustíveis, inclusive o etanol celulósico.
A introdução do eucalipto no Brasil e seu plantio em escala comercial se devem ao agrônomo paulista Edmundo Navarro de Andrade (1881-1941), um plantador de florestas. Ele estudou na Escola Nacional de Agricultura, em Portugal. Ao retornar ao Brasil, em 1904, foi contratado pela Companhia Paulista de Estradas de Ferro. Sua missão era encontrar a melhor espécie florestal para reflorestar áreas desmatadas na construção das ferrovias, para fornecer madeira para dormentes e carvão às locomotivas.
Em 1914, Edmundo Navarro buscou na Austrália 144 espécies de eucalipto e testou sua aclimatação. Das espécies trazidas, 64 se adaptaram muito bem ao clima do país. Navarro criou 18 hortos florestais ao longo das ferrovias. Neles, estudou 95 espécies florestais, até confirmar sua escolha pelo eucalipto.
Navarro instalou a sede do Serviço Florestal em Rio Claro. Publicou mais de dez obras sobre suas viagens e o eucalipto, incluindo o livro Cultura do Eucalipto. Ele também foi pioneiro na utilização do eucalipto para produção de papel e papelão. Em 1925, viajou aos Estados Unidos para conhecer a fabricação de papel a partir da madeira. E levou para serem testadas algumas toras de eucalipto. Os testes foram satisfatórios, e o eucalipto serviu à produção de quatro tipos de papel.
A produção florestal total do Brasil aproxima-se de 200 milhões de m³/ano, uma liderança mundial
Navarro foi secretário da Agricultura do Estado de São Paulo de 1930 a 1931. Criou o Museu do Eucalipto, o único do gênero no mundo. O Horto Florestal de Rio Claro, onde fica o museu, leva o nome do pesquisador. São 2.230 hectares abertos à visitação, com acesso às trilhas e ao Solar Navarro de Andrade, residência do pesquisador, tombada pelo patrimônio histórico.
Em 1941, ano da morte de Navarro, quase 100 milhões de eucaliptos, de espécies diferentes, cresciam nos hortos florestais ao longo das ferrovias. A sorte estava lançada. As décadas de 1960 e 1970 foram marcadas pelo crescimento da produção de celulose no mercado brasileiro graças à incorporação constante de inovações tecnológicas na produção florestal e nos processos industriais. Nas décadas de 1980 e 1990, houve grande expansão das áreas cultivadas com eucaliptos.
A produção florestal total do Brasil aproxima-se de 200 milhões de m³/ano, uma liderança mundial. Desse total, cerca de 70 milhões de m³/ano são de florestas energéticas: 53 milhões de m³/ano em lenha industrial (presentes também em padarias e pizzarias, para a glória da gastronomia) e cerca de 17 milhões de m³/ano em carvão. A produção de carvão vegetal de eucalipto posiciona o Brasil como principal produtor no mundo (12%). Ele substitui insumos de origem fóssil (carvão mineral) e diminui a emissão de gases de efeito estufa na siderurgia. A maioria das 180 unidades de ferro-gusa, ferro liga e aço no Brasil utiliza carvão vegetal no processo de produção.
Em 2020, a indústria florestal produziu 10 milhões de metros cúbicos de madeira serrada. O crescimento da produção de celulose é constante. Em 2020, o Brasil produziu cerca de 21 milhões de toneladas de celulose, alta de 6,4% em relação a 2019. No último trimestre de 2021, foram 4 milhões de toneladas exportadas, avanço de 12,7% no comparativo anual. As exportações em 2020 totalizaram 15,6 milhões de toneladas, alta de 6,1% em relação a 2019.
Segundo a Indústria Brasileira de Árvores, mais de 75% das exportações do Brasil vão para dez principais destinos. A China está no topo, com 48,1% do total (US$ 2,9 bilhões), seguida por União Europeia (12,6%), Estados Unidos (5%), Turquia (2%), Tailândia (1,9%), Coreia do Sul (1,7%), Irã (1,7%), México (1,7%), Vietnã (1,6%) e Bangladesh (1,5%). Além dos US$ 6 bilhões alcançados em exportações de celulose, os produtos da indústria de base florestal embarcaram US$ 1,7 bilhão em papéis e US$ 276 milhões em painéis de madeira no ano de 2020.
São mais de mil municípios na área da indústria florestal. A receita bruta total do setor foi de R$ 97,4 bilhões em 2019 e representa 1,2% do PIB brasileiro. Graças ao eucalipto, a celulose é, de longe, a fibra vegetal mais produzida e consumida no país. Desde os tempos de Navarro, os críticos do eucalipto, em geral, não têm ideia da sua real dimensão na economia e na vida dos brasileiros. Bom apetite!
Leia também “A fibra da agricultura”
É uma aula.
Parabéns pela ótima reportagem.
Sou de Rio Claro e cresci indo passear aos domingos de manhã no Horto Florestal Navarro de Andrade. O aroma da floresta de eucaliptos é especial.
Ótimas lembranças.
Uma curiosidade: os bairros que circundam o Horto Florestal tem temperatura em torno de 5 graus mais baixa do que os do resto da cidade.
Parabéns, bem amado Evaristo, pela riqueza e leveza de seu texto. Nada como informar, com dados e perspectiva histórica, para termos uma sociedade consciente e responsável na definição de seus rumos. Abração
Evaristo (bom grado, muito amado) de Miranda superando a si mesmo.
Reportagens completas, ricas em dados e estatísticas que nos conduzem a descobertas e reflexões.
Desculpem minha ignorância, em desconhecer tantas serventias dessa árvore, nossa conhecida de toda vida.
Evaristo, como sempre , surpreende. Uma aula e tanto sobre uma árvore que , para mim, servia para construção porque era o que vi meu avô fazia nos anos 50 e 60 no seu sítio em Taubaté. Aliás, adorava o cheiro da floresta de eucaliptos e admirava o porte esguio de suas árvores.
Foi uma viagem a minha infância além de me surpreender com tantas aplicações diversas de eucalipto em varias áreas de nossas vidas.
Parabéns e obrigada , Evaristo.
Evaristo Eduardo de Miranda, como sempre, dando aulas gratuitas no canal. Em todo segmento, esse mestre tem muito a contribuir para a nossa cultura. Parabéns!
Sr. Evaristo, excelente artigo! Parabéns!
Mais um texto brilhante da lavra do Prof. Evaristo. Parabéns.
– HA! que demais Professor Evaristo! Que bela reportagem, aliás quão curiosa são as aplicações em que podem ser utilizadas a celulose na indústria hein! Ao saber que até os embutidos e linguiças recebem aplicações de celulose fiquei surpreso, uma vez que sabia apenas da aplicação do material em balas dentro da indústria!
Me corrijam se estiver errado por favor!
Ouvi dizer que o eucalípto é um grande destruidor de lençois e mananciais. É fato??
Parabéns Dr Evaristo por compartilhar a excelente matéria!
Delicioso artigo!
Excelente artigo!
Obrigado por essa excelente matéria.
Brasil o pais dos números superlativos.
Grande Evaristo, novamente nos ensinando mais alguma coisa.
Quando iria imaginar que eu consumiria tanto eucalipto? Achava que só seriam as folhas de papel gastas (e que tento diminuir).
Parabéns pelo texto, mas ainda me da água na boca o texto dos porquinhos.
Grande abraço.
Já disse aqui que o amigo e mestre Evaristo de Miranda é uma enciclopédia ambulante. Quando eu era menino o meu pai comprou, com muita dificuldade, uma coleção de livros “Enciclopédia Barsa” para obtermos conhecimentos os mais diversos possíveis. Muito bom para a época. Hoje temos o prazer de ler os artigos do Miranda com um show de esclarecimentos e de informações maravilhosas. Parabéns meu nobre amigo!!!
Esse tipo de informação que nos dá ânimo de continuar a acreditar no país….apesar do vento contra, continuamos a jornada.
Parabéns pelo artigo.
Ótimo.
Nossa dívida com o Prof. Evaristo cresce a cada texto publicado. Resta-nos agradecer mais um ensinamento que enriquece nossos conhecimentos sobre um setor que sustenta a economia brasileira. Obrigado, professor
Excelente e esclarecedor artigo!
Dr. Evaristo mais uma vez trazendo um “new look”, dessa vez com esplendido artigo sobre o Eucalipto. Meus parabéns!
c
Meu mestre Evaristo, mais um artigo suculento! Em ambos os sentidos, o cultural e o alimentar.
Despertou-me a vontade de chamar o eucalipto de o “boi vegetal”, do qual tudo se aproveita, nada se perde.
Atuo na área florestal em atividades de produção de celulose e resido em um dos inúmeros municípios beneficiados.
Estou muito feliz de ler esta matéria e perceber a total veracidade dos fatos.
Parabéns!!!
Parabéns!
Cada vez que leio seus artigos, sinto quanto as terras do nosso País são produtivas. Em uma única planta o EUCALIPTO, a sua enorme variedade de produção, da nossa pasta de dente, ao papel papelão, enumeros outros produtos.
Que grande legado nos deixou o Agrônomo Edmundo Bavarro de Andrade.
Gostei muito de saber do prefixo EU entre plantas e humanos.
Viva o nome EVARISTO.
Pronto !! Agora vou enxergar eucalipto em tudo que me rodeia !! O Evaristo tem o dom de tornar meu ambiente mais rico. Me faz bem conhecer assuntos nao ligados ao meu dia dia. Por isso espero sempre os artigos do Evaristo para aprender um pouco mais. Eutrofia !!
Bastante interessante! Muito informativo como sempre. Não sabia que tínhamos tantas espécies de eucalipto sendo trabalhadas no Brasil. Euforia, Evaristo.
Excelentes artigos do Dr. Evaristo, sempre chega no essencial mas dando um panorama histórico, demonstrando que nada aparece por geração espontânea. Quando vejo a qualidade do quadro técnico da Embrapa e dedicação de muitos, percebo claramente da importância da mesma para a revolução agrícola ocorrida no Brasil.
Excelente artigo como sempre. Senti falta de comentário ou análise sobre o impacto no solo e consumo de água.
Excelente! Parabéns Evaristo. Muito informativo.
E o gel, com a pandemia, tem ajudado a desinfetar a pele na formulação do álcool gel.
Obrigada, vou compartilhar.
Excelente texto: informativo, cultural, relevante e inteligente. Tem a pegada do Dr. Evaristo!
Tomara que o setor não se esqueça dessas lutas e conquistas e daquilo que o MST fazia em seus tempos áureos a partir de 2002. Invasões, destruição de plantações e pesquisas…
Excelente artigo, com informações e curiosidades muito relevantes. Não sabia da existência do museu. Vou visitar.
Excelente artigo, Dr. Evaristo! 👏🏻
O Museu de Rio Claro, vale a pena de ser visitado, e o Dr. Evaristo fez um excelente artigo, sobre a história e os benefícios do eucalipto. eu desconhecia.as
sinformações sobre a alimentação parabéns e obrigado pela aula.
Mais uma aula. Mais um excelente artigo do Prof. Evaristo.
Mais um excelente artigo de Dr. Evaristo, rico em detalhes e informações muito interessantes! Parabéns à Revista Oeste e ao Dr. Evaristo por proporcionarem conteúdos de alta qualidade!
Vai procurar sua turma de esquerdalhas…
Excelente!
E tem milhões de desinformados que se dão o direito de difamar o Brasil, mundo à fora. Pobres coitados que servem apenas de ” massa de manobra”. A escola tem que voltar a ser o que era nos anos 70/80, quando apenas ensinava e formava cidadãos e não militontos.
Gostei muito do seu comentário – Verdade absoluta.
Mais um show de informação. Parabéns!
Admirável a clareza e o conteúdo de cada coluna do Evaristo.
Jornalismo de qualidade, sou revista oeste.
Texto de altíssimo nível qualidade e elegância!
Olha a importância dos estudos e pesquisas
Muito interessante artigo! Uma pequena aula d botânica e indústrias derivadas