Janaina Paschoal é até hoje lembrada por ser uma das autoras do pedido de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff em um momento crítico do país, feito que a alçou a uma cadeira na Assembleia Legislativa de São Paulo com a maior votação da história — 2 milhões de votos. Jurista e advogada, com doutorado em Constituição e Direito Penal, ela respondeu a uma série de perguntas sobre os entraves que a Carta de 1988 acabou criando para o país. Apesar de reconhecer as amarras, a deputada prefere a manutenção do texto atual — com ajustes pontuais — à elaboração de uma nova Constituição, que, argumenta, poderia atender a “ímpetos ditatoriais e favorecer grupos”.
Leia os principais trechos da entrevista.
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Reportagem da edição anterior da Revista Oeste registra que, “por seu feitio exageradamente minucioso e dirigista, cujo propósito é regular na prática tudo na vida dos cidadãos, [a Carta de 1988] terminou por criar um ambiente de insegurança jurídica permanente, engessar a economia e dificultar a governabilidade”. A senhora concorda?
Reconheço que a Constituição acaba, de alguma maneira, amarrando um pouco. Reconheço que muitos pontos devem ser melhorados, até em virtude de termos saído de uma ditadura, da expectativa de melhora social. Algumas normas programáticas foram construídas com uma narrativa, com um viés vinculante. Os direitos sociais são muitos, os recursos são poucos e as demandas judiciais acabam se multiplicando de acordo com os muitos direitos sociais.
O professor Modesto Carvalhosa acaba de concluir a redação de um livro intitulado Uma Nova Constituição para o Brasil. Em artigo recente, ele e um grupo de juristas defendem a tese de que “a Constituição de 1988 transformou a burocracia num obstáculo perverso ao exercício da cidadania”. Qual a sua avaliação?
Tenho uma série de ponderações e melhoras à Carta. Mas, diferentemente do professor Modesto Carvalhosa, que respeito muito, e de outros grandes juristas, gosto da Constituição de 1988. Sou defensora dela, entendo que foi uma grande conquista. Penso que é possível manter o texto, obviamente fazendo ajustes e atualizações com a ritualística prevista na própria Carta. Isso mostra a maturidade de um povo.
“Não gosto da ideia de referendo, é algo que me lembra a Venezuela. Tenho pânico! Penso que pode abrir precedentes para que se façam consultas não previstas”
A senhora afirma que é a favor de ajustes num texto que já contém centenas de emendas (é a terceira Constituição mais extensa do mundo).
Minha tese de doutorado foi sobre Constituição e Direito Penal [Constituição, Criminalização e Direito Penal Mínimo, USP, 2002]. Analisei várias cartas constitucionais. A nossa é muito detalhista, mas a da Espanha e a de Portugal também são. A mais concisa é a dos Estados Unidos, cujo tempo de existência finda mostrando a maturidade do povo, da democracia e da República norte-americana. Não acho que seja uma característica tão exclusivamente brasileira, da nossa Constituição de 1988.
Como a senhora avalia a convocação de um referendo ou um plebiscito para reformular a Carta?
Não gosto da ideia de referendo, é algo que me lembra a Venezuela. Tenho pânico! Penso que pode abrir precedentes para que se façam consultas não previstas. Nada contra a manifestação popular, nada disso. Mas sabemos como a força do marketing político foi eficiente para enganar o povo nos últimos anos. E, principalmente, se for para chamar uma nova Constituinte…
Por falar em Constituinte, também já se falou em um Conselho de Notáveis. Isso seria defensável do ponto de vista democrático?
Não concordo. Admiro demais muitos que pensam assim, mas não concordo com a necessidade de um Conselho de Notáveis. Parece elitista. Temos de preservar esta Carta, fazer os ajustes de que ela carece, mas tenho medo de uma Constituinte. Digo mais: não sei até que ponto não poderia piorar. Existem muitos ímpetos ditatoriais de lado a lado, de favorecimento de vários grupos. Prefiro tratar com a Carta que está aí a correr o risco de algo pior.
A senhora considera que a Constituição de 1988 é corporativista e protege políticos com mandato?
No que concerne aos políticos, defendo há tempos, e depois de entrar na política defendo ainda mais, a redução do número de parlamentares, seja em Câmaras municipais, Assembleias estaduais, na Câmara dos Deputados ou no Senado. Digo isso não só como medida de economia, mas de eficácia. Muitas vezes, o parlamentar se esconde nesse próprio ambiente, na própria Casa legislativa. Se nós alterarmos as normas para ter menos parlamentares, essas pessoas necessariamente vão ter que se mostrar, defender suas teses e dizer por que estão votando ‘sim’, ‘não’ ou obstruindo uma votação.
Qual a sua análise sobre a eliminação do foro privilegiado?
Quando aprendi o que é o foro privilegiado, aliás, como prerrogativa de foro, não aprendi como um benefício, mas sim como um ônus. A pessoa que pratica um crime é julgada por pessoas mais seniores, sem direito a recurso. As pessoas esquecem que, quando um cidadão é julgado por um crime, tem a primeira instância, a segunda instância, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o Supremo Tribunal Federal (STF). Mas, quando se tem a prerrogativa de foro, ela é julgada pelo STF, ou seja, por uma única instância. Subtrai-se o direito ao recurso. Acabou se criando a ideia de que era um benefício, mas, na origem, em tese, não é. Virou um benefício pela forma de condução dos inquéritos e processos e pela demora no procedimento para receber a denúncia. Na origem, é mais rígido ter a prerrogativa de foro.
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