Meio ambiente é tema caro ao conservador. É o grande lar que abriga todos os lares: é o lar dos lares. Preservação das coisas positivas faz parte do DNA do conservadorismo. A causa ambiental não é, portanto, uma agenda de esquerda.
Um conservador vê o meio ambiente como algo a ser cuidado e preservado dos ataques que porventura venha a sofrer porque viver num ecossistema bem cuidado e agradável é melhor e preferível a um lugar degradado.
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A preocupação conservadora com o meio ambiente pode ser explicada a partir da expressão oikophilia, que o filósofo inglês Roger Scruton usava para definir o amor que nutrimos pelo lar, mas também para explicar o sentimento que serve de motivação para enfrentarmos as questões ambientais a partir de iniciativas locais: proteger o meio ambiente é salvaguardar o lar no qual vivemos.
Mas o autor conservador pioneiro na temática foi o grande sociólogo Gilberto Freyre. Foi ele quem inseriu a preocupação com o meio ambiente no pensamento social brasileiro, a partir da década de 1930. O assunto está presente em seus livros Casa Grande & Senzala (1933), Nordeste (1936), Rurbanização: Que É? (1982) e em artigos como “Homens, terras e águas na formação agrária do Brasil: sugestões para um estudo de inter-relações” (1954) e “A propósito da devastação das nossas matas” (1964).
Foi no livro Nordeste, um estudo sobre a face açucareira da região, que Freyre usou o termo “ecológico”, condenou a devastação das matas, afirmou a necessidade de proteger os rios e denunciou sua poluição provocada pelos engenhos de cana-de-açúcar.
“O empobrecimento do solo, em tantos trechos do Nordeste, por efeito da erosão, não se pode atribuir aos rios, à sua ânsia de correr para o mar levando a gordura das terras, mas principalmente à monocultura”, diagnosticou Freyre em seu livro. “Devastando as matas e utilizando-se do terreno para uma cultura única, a monocultura deixava que as outras riquezas se dissolvessem na água, se perdessem nos rios. O fato liga-se também à destruição das matas pelo fogo e pelo machado, em que tanto se excedeu a monocultura.”
O sociólogo usou a expressão ecologia para estabelecer uma visão mais ampla, interdisciplinar e humana acerca do meio ambiente. Freyre quis integrar teoricamente o ecossistema à vida em sociedade a partir das relações entre homem e natureza. No prefácio do livro Nordeste — Aspectos da Influência da Cana sobre a Vida e a Paisagem do Nordeste do Brasil (Global Editora, 2015), o professor Manoel Correia de Andrade sublinhou que Freyre foi quem “primeiro aplicou os conceitos ecológicos a grandes espaços territoriais no território brasileiro”.
Há casos em que cidadãos podem cumprir funções de forma mais eficiente que o Estado
Em seu livro Filosofia Verde — Como Pensar Seriamente o Planeta, Scruton afirmou que caberia a nós, indivíduos que amamos nosso lar, buscar respostas, inclusive preventivas, a partir da união de “resiliência, associações autônomas, soluções de mercado, leis de responsabilidade civil e condicionamentos estéticos”. Por essa razão, o filósofo defendeu “as iniciativas locais contra os esquemas globais, a associação civil contra o ativismo político e as fundações de pequeno porte contra as campanhas de massa”.
Aos órgãos estatais caberia a função de lidar com problemas ambientais que exigem um emprego maior de recursos institucionais, financeiros e humanos, mas sem impedir a atuação e a colaboração dos pequenos pelotões, expressão usada por Edmund Burke para designar o esforço conjunto feito pela família, comunidade e igrejas.
Se delegamos ao governo a responsabilidade exclusiva nessa tarefa, inviabilizamos a busca e o encontro de soluções diversas e multidisciplinares. E também impedimos os resultados “que surgem do livre debate entre cidadãos, da biodiversidade, da beleza natural, da autonomia local, da pesquisa intensiva e do regime de atribuição de recursos e de conexões de feedbacks capazes de direcionar os custos ambientais aos que os geram”.
Uma ação ambiental conservadora identifica quais são os problemas específicos, encontra respostas adequadas e atribui as responsabilidades. Desse modo, os indivíduos são capazes de assumir as funções que podem cumprir de forma mais eficiente que as instituições estatais.
A partir dessa “instruída divisão do trabalho”, é possível, segundo Scruton, desenvolver uma “política que estimule e libere as iniciativas privadas, facilite os meios e encoraje o aparecimento de grupos voluntários; uma política que fomente as soluções locais e que desregulamente, sempre que a regulamentação se mostre parte do problema”.
Sob uma perspectiva conservadora, não só o localismo é preferível às soluções estatais como respostas nacionais são mais adequadas do que propostas globais. “Em vez de tentarem retificar os problemas ambientais e sociais em escala global, os conservadores procuram reafirmar a soberania local sobre ambientes conhecidos e geridos”, explicou Scruton. Mas essa proposta só é possível se envolver “o autogoverno das nações e a adoção de políticas que favoreçam as lealdades e os costumes locais”.
Exige-se, para isso, “uma oposição à disseminada tendência atual de centralização governamental, o que implica repassar ativamente para as comunidades locais alguns dos poderes confiscados pelas burocracias centralizadoras”, que tanto podem ser, no caso do Brasil, o Poder Executivo federal ou estadual quanto, no âmbito internacional, “instituições transnacionais como a Organização Mundial do Comércio (OMC), a Organização das Nações Unidas (ONU) e a União Europeia (UE)”.
Governos e instituições transnacionais decidem muitas vezes sem fazer ideia dos desafios locais
Um conservador sabe (ou deveria saber) que o homem deve ser amigo do meio ambiente e que o meio ambiente deve ser amigo do homem, o que significa dizer que não existe, a priori, uma relação de antagonismo entre, por exemplo, desenvolvimento econômico e meio ambiente.
Vivemos numa época em que a tecnologia nos permite promover o progresso por meio de uma aliança saudável e sadia com o meio ambiente. Parte da compreensão individual acerca dessa necessidade a assimilação dessa ideia ao nosso senso comum.
Essa perspectiva que alia meio ambiente a economia tem três efeitos práticos, que se relacionam:
1) a sociedade cobrar dos agentes econômicos que respeitem o ecossistema, o lar comum onde todos habitam;
2) a percepção cultural que fará com que os empresários sejam socialmente pressionados, que se preocupem com os eventuais impactos ambientais de suas atividades e tentem reduzi-los ou compensá-los;
3) a existência de regras, sobretudo privadas, que orientem a atividade e punam severamente aqueles que as violem.
Além disso, há que levar em conta que organizações setoriais privadas teriam condições de realizar um trabalho de orientação, fiscalização e punição muito mais eficiente do que as instituições estatais, que poderiam atuar de forma complementar. Todos os crimes ambientais cometidos por empresas, dos menos aos mais graves — como os recentes em Mariana e Brumadinho, em Minas Gerais —, foram realizados sob normas e fiscalização estatais. Isso de nada adiantou.
Desgraçadamente, há quem destrua ou dê pouca importância ao meio ambiente, como se não fosse imperativo proteger o lugar que nos abriga. Também existem aqueles que, diante do ambientalismo radical, reagem estupidamente mimetizando os vícios dos adversários com base num antiambientalismo radical, fazendo parecer que o meio ambiente não importa e que não há diferença entre viver num lugar de natureza bem cuidada e ar limpo e num lugar poluído e degradado.
Qualquer ataque ao meio ambiente deve ser imediatamente, socialmente e juridicamente rechaçado porque, se nada fizermos, o processo de degradação poderá ser irreversível. Essa reação deve ser realizada, primordialmente, no âmbito local, não com grandiosos projetos nacionais ou globais que só aumentam o intervencionismo estatal sem solucionar o problema. Quem atua numa instituição do governo federal em Brasília ou em órgãos internacionais como a ONU decide muitas vezes sem fazer ideia dos desafios locais e da maneira mais adequada de superá-los.
Gilberto Freyre e Roger Scruton são excelentes influências para conhecer e aprimorar uma perspectiva conservadora a respeito do meio ambiente. Os conservadores têm muito a contribuir na discussão, proposição e aplicação de soluções para os problemas ambientais. Só não podem se eximir dessa responsabilidade e, de forma um tanto tola, reforçar a ideia de que “meio ambiente é coisa de esquerdista”. Não é; nunca foi.
Meio ambiente deveria ser tema caro a todos nós, independentemente de posição política. Mas, se for para qualificar politicamente sua proteção, a afirmação mais adequada é que o meio ambiente é causa conservadora. Ponto-final.
Bruno Garschagen é cientista político, mestre e doutorando em Ciência Política no Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa (Lisboa) e autor dos best-sellers Pare de Acreditar no Governo e Direitos Máximos, Deveres Mínimos (Editora Record).
É por causa de jornalistas como o Garschagen que eu assinei a Oeste, esclarece muito os temas que a gente não sabe muita coisa com uma visão conservadora, finalmente uma mídia com a nossa cara.
“Vivemos numa época em que a tecnologia nos permite promover o progresso por meio de uma aliança saudável e sadia com o meio ambiente. Parte da compreensão individual acerca dessa necessidade a assimilação dessa ideia ao nosso senso comum.”
Tecnologia – progresso – aliança – compreensão – senso comum ~ alguns dos substantivos (e seus respectivos adjetivos) que muitos representantes da “esquerda” ainda precisariam assimilar para poder entender os termos do teu artigo, Bruno. Que assim seja.
Também não sei se entendi direito, Bruno. Me preocupa muito a atuação de ONGs sem controle de órgãos governamentais. E precisamos de um modelo de desenvolvimento sustentável da Amazônia que leve em conta os mais de 20 milhões de brasileiros que habitam aquela região. Por outro lado, o desmatamento irregular e os crimes ambientais têm que ser punidos com rigor. Sinto falta de um Projeto de País que contemple essas questões.
Bem pontuado Bruno. Buscarei ler este livro do Scruton que mencionou no artigo.
Existe um abismo profundo separando duas realidades. È uma barreira, uma fronteira que não ajuda a conciliação. Veja que a maioria dos “ecologistas” militantes são urbanos e que criticam o povo do interior, do sertão e das áreas de grande produção e produtividade agropecuária. Mas os problemas ambientais e de poluição estão nas grandes cidades e nas litorâneas se apresentam praias poluídas e trânsito intenso que libera gases tóxicos e estressam motoristas e quem circula casa-trabalho.
Tem gente famosa que fez campanha contra a construção de Belo-monte e hoje é são os maiores críticos da falta de política ambiental “deste” governo esquecendo totalmente os outros anteriores. É pura bucha.
Se bem interpretei o autor Bruno, a boa defesa do meio ambiente é natural aos conservadores, que prezam o espaço que ocupam, estimam e respeitam as tradições culturais, o apreço a família, religião, costumes, enfim, o ambiente social que vivem, que podem diferenciar apenas em aspectos regionais de etnias e regimes liberais ou radicais.
Entretanto, no mundo globalizado, o convívio no mesmo espaço de imigrantes de diversas culturas, não entendo como afastar o poder moderador do Estado na organização, orientação e fiscalização, proteção e segurança das comunidades rurais e também urbanas na proteção do meio ambiente.
Delegar aos denominados “pequenos pelotões” (ONGs?), o que diz o Bruno ter sido confiscado pelo poder centralizador que no caso do Brasil, é o Poder Executivo, na minha opinião é defender o indefensável. Afinal, essas ONGs, reinavam no meio ambiente de nosso país há décadas, especialmente na rica região amazônica, mas ausentes no agreste nordestino e no ambiente urbano das periferias das grandes cidades carentes de saneamento básico. Vale dizer que somente agora neste governo foi aprovado o marco regulatório do saneamento básico . Qual desenvolvimento e proteção ambiental para as populações locais essas ONGs (pequenos pelotões) proporcionaram? Nesse longo período não houve desmatamento, queimadas e roubo de madeiras, minérios e trabalho escravo das populações locais?
Quero dizer ao Bruno que aprecio seus princípios conservadores que também os tenho, todavia neste artigo, se bem entendi, há uma defesa daqueles que levaram a maior parte dos recursos do FUNDO AMAZÔNIA providos pela Noruega, Alemanha e Petrobras. O que se ouve é que a maioria dos recursos que dizem destinados ao Brasil, foram para as ONGs.
Peço desculpas ao Bruno se interpretei mal seu artigo, e caso o trabalho dessas ONGs. tenham sido importantes e significativos para o meio ambiente e desenvolvimento humano da Amazônia, peço nos proporcionar oportunamente matéria a respeito.
Forte abraço Bruno
Caro Bruno,
Aprovo a ideia de soluções locais, isto nos permitiria alterar o nosso péssimo código florestal e revogar a imposição de reserva legal de 80% nas propriedades rurais na Amazônia. Aproveito para sugerir, que de uma espiada nos indices sociais e de desenvolvimento do Acre. Aproveito tambem, se me permite, para convida-lo para uma visita a Tarauáca, cidade do nosso interior, onde poderá observar, in loco, nossas mazelas em meio a floresta preservada.
Creio que interpretaste mal. Os “pequenos pelotões”, segundo entendi, não têm nada a ver com ONGs, mas com as populações de cada local, auto-organizadas em torno desse fim.
A tarefa, entretanto, é hercúlea. E, como tudo que se faz pela via conservadora, muitíssimo (mais) difícil, porque sabemos que precisamos ir à raiz posto que a solução real dos problemas exige começar por enfrentá-los no seu fundamento. E a raiz da desordem ambiental, não é senão a mesma de todas as desordens: o pecado original e seus efeitos. Logo, é necessário restaurar o homem, cada homem, à sua perfeição primeva – tanto quanto nos é possível, com a graça de Deus, nesse vale de lágrimas.
O intento, portanto, depende de conversão. Decidida, generalizada, de pobres, ricos, abonados, remediados; continuada, ininterrupta até o fim dos tempos. Não a uma ideologia ambientalista idolátrica, mas ao Bem e à virtude, ao Bom e ao Belo. Conversão à perfeição da santidade, que sempre quer o bem, e, na sabedoria, tudo pesa na justa medida, tudo discerne, separando o bem verdadeiro do falso, os menos e os mais valiosos, os terrestres dos celestiais, os transitórios dos eternos, e os eternos do Único e Perfeito Bem. O santo, ou ao menos o sincero e verdadeiro aspirante à perfeição cristã, saberá, em cada momento e em todas as ações, agir bem e produzir o bem. No seu entorno, esteja onde estiver, cultivará o bem e sufocará o mal. Como tal, zelará pela natureza por amor (porque amar é querer o bem, e especialmente o Bem, para si e para os outros), por amor ao homem. E amará o homem por amor a Deus. Em suma, é necessário Instaurare omnia in Christo.
Gostei muito!
MUITO BOM…..PARABENS POR SINTETIZAR TODA A RELAÇÃO HOMEM-AMBIENTE.
Muito bom.
Caro Bruno,
Aprovo a ideia de soluções locais, isto nos permitiria alterar o nosso péssimo código florestal e revogar a imposição de reserva legal de 80% nas propriedades rurais na Amazônia. Aproveito para sugerir, que de uma espiada nos indices sociais e de desenvolvimento do Acre. Aproveito tambem, se me permite, para convida-lo para uma visita a Tarauáca, cidade do nosso interior, onde poderá observar, in loco, nossas mazelas em meio a floresta preservada.