No que diz respeito ao atual estado clínico da democracia, há tantos diagnósticos quantos tratamentos propostos. O exame realizado pelo cientista político alemão Yascha Mounk no livro O Povo contra a Democracia dá suporte a recomendações pretensamente capazes de impedir o desmonte dos mecanismos de pesos e contrapesos por parte de regimes antiliberais. Para Mounk, com medidas que limitam a atuação do Parlamento e aumentam o controle sobre o Judiciário, regimes populares com tendências conservadoras têm propensão a infectar a democracia com o vírus do autoritarismo.
O cientista político norte-americano e professor na Harvard Steven Levitsky, um dos autores de Como as Democracias Morrem, chega a embargar a voz em palestras, tal sua dor frente à condição crítica do sistema enfermo. Levitsky cita com frequência a Hungria e a Polônia como exemplos da atuação de governos com tendências totalitárias.
Mais divertido, menos dramático, e às vezes até sarcástico, Jason Brennan apresenta um outro prontuário. Brennan, filósofo e cientista político, também norte-americano, escreveu Against Democracy (“Contra a Democracia”). Com base em pesquisas consistentes, ele diz que o eleitor, basicamente, é: 1) gente boa (pensa votar no que é melhor para o país); 2) ignorante (não se municia dos dados necessários para fundamentar suas escolhas); 3) irracional (vai às urnas motivado pelas emoções). O resultado, portanto, só será positivo se um conjunto de casualidades operar favoravelmente.
Em Contra as Eleições, o historiador e arqueólogo belga David van Reybrouck atesta que a moléstia não está na democracia em si, mas no sistema eleitoral. O cidadão é convidado a votar a cada dois anos, um intervalo de tempo insuficiente para testemunhar transformações relevantes, e tem a percepção de que sua manifestação individual não significará coisa nenhuma. Assim, que tal reduzir a quantidade de eleições ou mesmo escolher uma parte dos líderes por sorteios e não pelo voto? Não é um desvario, dado que a democracia ateniense utilizava o instrumento.
Da epistocracia platônica ao anarquismo distópico, haverá prescrições para as mais variadas preferências. No entanto, os diagnósticos do sistema democrático quase sempre se baseiam em radiografias de governos supostamente “extremistas”. O que dizer, então, quando leis claramente autoritárias são estabelecidas em países como a França, cujo presidente é celebrado como referência global de líder democrático contemporâneo? No artigo “Um caso de amor com a tirania”, de J. R. Guzzo, o leitor conhecerá as assombrosas estripulias de Emmanuel Macron. Guzzo mostra como a burocracia pode servir de atalho para o exercício da opressão contra as liberdades, tudo sob uma aparência de legitimidade.
Em certos aspectos, burocratas acabaram ganhando mais poder do que líderes democraticamente eleitos. Na União Europeia, eles são responsáveis por determinar o volume de vidros de azeite de oliva que deverá sair de uma fábrica grega, ou a quantidade de penas de ganso que um travesseiro feito na Bulgária precisa ter. Impressionam os numerosos protocolos, normas e formulários. O psiquiatra Theodore Dalrymple relata sua experiência pessoal, quase burlesca, como médico do sistema prisional britânico. Dalrymple atribui boa parte da “crise de identidade” vivida pelas democracias ocidentais às nossas expectativas em relação à atuação dos governos. Caso a sociedade delegue menos funções às autoridades, se reduzirá o espaço de interferência na nossa vida.
Essa não é uma questão para o regime ditatorial chinês, que segue desfrutando da transigência do Ocidente. No que concerne a um dos tópicos mais debatidos na atualidade, a preservação ambiental, a China foi aplaudida por prometer zerar as emissões líquidas de carbono até 2060. Enquanto a militância está de olho na Amazônia e nas mudanças climáticas, a ditadura do leste pratica pesca predatória, compromete o ecossistema das Ilhas Galápagos, polui irracionalmente e ameaça espécies em extinção. No artigo “A China e a fábula dos pardais”, Dagomir Marquezi expõe essas e outras barbaridades.
Ainda nesta Edição 36, Augusto Nunes volta ao tema da Bolsa Ditadura. O experimentado jornalista político Silvio Navarro, editor-executivo da Revista Oeste, analisa o cenário nacional e como ACM Neto e Gilberto Kassab ampliaram seu raio de atuação e influência nas eleições municipais. Navarro assina a reportagem de capa. E o repórter Anderson Scardoelli, depois de uma apuração criteriosa, conta como se dá a retomada em V da economia. Eis uma bela notícia que merece celebração.
Boa leitura.
Os Editores.
Vivemos numa democracia ou numa ditadura ? Temos um REGIME HÍBRIDO que é uma mistura dos dois.
Salve, salve, Revista Oeste.
Maximo louvor à briosa EQUIPE. Vcs, e seus pares da imprensa alternativa nacional, estão resgatando a decência no jornalismo brasileiro. Tomara esse veículo se torne empresa cooperativada. Pela idéia, cobrarei apenasmente o título de cooperativado 1.
Graça & Paz p todos nas pessoas dos geniais decanos, J.R. GUZZO e AUGUSTO NUNES.
Fico com o historiador e arqueólogo belga. Este foi o que mais me convenceu.