A era do carro particular está acabando. Essa era teve início em 1908 com o famoso Modelo T, concebido por Henry Ford. A partir dos anos 1950 nos Estados Unidos — e dos anos 1960 no Brasil — surgiu a ideia de que uma pessoa sem um carro não era bem-sucedida. Passou a fazer parte obrigatória de nossa ambição possuir um carro — ou mais — na garagem. E trocar de carro a cada dois ou três anos, num ritual abençoado com o “cheirinho de novo” de um automóvel zero-quilômetro.
Mesmo os que advogam que o carro representa um símbolo de liberdade individual estão tendo de repensar. O carro virou a liberdade de ficar preso num congestionamento infernal respirando monóxido de carbono. Não adianta ligar a experiência de dirigir apenas a momentos de prazer, como nos comerciais. A vida não é um utilitário de luxo levando você e sua gata para praticar esportes radicais. É mais provável que você esteja parado no congestionamento, com a cabeça pulsando de raiva pela fechada que levou no quarteirão anterior.
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As pessoas vão deixar de ter carro? Claro que não. Em certas condições específicas, ele continuará sendo absolutamente indispensável. Para aquele que mora num sítio isolado, a outra que trabalha circulando por lugares distantes, e o outro ainda que precisa transportar alguém com limitações motoras. E existem os fanáticos por automobilismo, os que encaram o carro como um sinal de status, os que prezam o controle absoluto de seus deslocamentos. São milhões que permanecerão preferindo o carro particular.
Mas o número desses fiéis aos carros tende a diminuir, e rapidamente. Um sinal concreto disso está na explosão de negócios imobiliários ao redor de estações de metrô. Carros viraram para boa parte da população sinônimo de sofrimento e dependência. Novas soluções estão surgindo para mudar esse panorama. A pandemia de covid-19 escancarou o que já estava sendo experimentado: o trabalho em casa. Outro forte fator de mudança foi o Uber. Já vivemos muito tempo divididos em duas classes, os que iam de ônibus e os que podiam se dar ao luxo de pagar um táxi. Aplicativos como o Uber nivelaram esse abismo. Cada vez mais pessoas estão aderindo ao “transporte total”, trocando o carro pelo uso combinado do metrô, ônibus e Uber, tudo coordenado a partir de aplicativos no celular. Fica bem mais barato que pagar IPVA, combustível e manutenção a cada ano.
As maiores mudanças estão por vir. Elas misturam conquistas tecnológicas com concepções urbanísticas mais pensadas. Acabou-se o tempo em que administrar cidades era alargar ruas e avenidas para que mais carros pudessem se atravancar na hora do rush. Segundo cálculos da ONU, 70% da população mundial vai morar em regiões urbanas até 2050. Ou pensamos no futuro, ou teremos um colapso. E seremos eternamente infelizes em nossos deslocamentos pelas cidades, cada vez maiores e mais lotadas.
Algumas dessas grandes mudanças estão sendo realizadas nos próprios automóveis. A poluição se reduzirá com a expansão da frota de carros elétricos. E o estresse, pelos carros sem motorista. A ideia nesse caso é que o usuário tem coisa mais importante e interessante a fazer do que dirigir. Você pode trabalhar enquanto se desloca, ler, comunicar-se com quem precisa, ou simplesmente observar a paisagem.
Na prática, os carros voadores são grandes e sofisticados drones
Em breve, os carros estarão se movimentando por si, e de modo muito mais seguro que o convencional: por meio das redes 5G, os veículos vão “conversar”, evitando qualquer acidente. Você apenas diz para onde quer ir. O carro o leva.
Melhor ainda do que não ter de dirigir, é voar até seu destino. As cidades logo começarão a conviver com os carros voadores. Vão voar usando um princípio mais seguro que o dos helicópteros, uma combinação de hélices e asas móveis. Seus motores são elétricos, e eles podem decolar e pousar em praticamente qualquer lugar plano. São, enfim, grandes e sofisticados drones. Esses carros voarão baixo e precisarão, é claro, se deslocar sob regras rígidas de segurança. Deverão seguir por “avenidas” aéreas eletrônicas, onde regras inéditas de trânsito precisarão ser criadas e cumpridas com o máximo rigor.
A brasileira Embraer já está trabalhando em seu modelo de carro voador. Possui oito hélices, espaço para piloto e quatro passageiros e alcance de 100 quilômetros. Para isso, a companhia criou uma empresa paralela para projetos inovadores, a EmbraerX. Que por sua vez é parte do Uber Elevate. Trata-se de um ramo da corporação destinado a transformar em realidade a ideia de um Uber voador em um prazo entre 2023 e 2028.
Para a superfície e abaixo dela, outras opções estão sendo criadas. Uma delas é o Hyperloop, uma ideia de Elon Musk que conheceu sua primeira experiência prática e ainda muito limitada no mês passado. A empresa Virgin está produzindo sua primeira versão do Hyperloop, um veículo que parece ter chegado de outra dimensão. A ideia do Hyperloop é viajar dentro de um túnel a vácuo, flutuando num “colchão” magnético invisível. Calcula-se que, quando o projeto estiver concluído, o Hyperloop vá atingir a velocidade de 1.200 quilômetros por hora.
As consequências nesse caso vão além da simples velocidade. Correndo desse jeito, o Hyperloop pode ligar São Paulo ao Rio em pouco mais de 20 minutos. Na prática, a distância entre as duas metrópoles desapareceria. Você poderia almoçar em São Paulo e comer a sobremesa no Rio, ou vice-versa. No que se refere ao transporte de passageiros, elas se tornariam uma única cidade.
É vergonhoso para o Brasil que a ligação entre a maioria de seus aeroportos internacionais e o centro de suas cidades dependa de ônibus. Cidades bem resolvidas se ligam a seus aeroportos por trem expresso ou metrô. Os chineses foram além e conectaram o centro de Xangai ao aeroporto internacional da cidade com um maglev.
O maglev tira seu nome do princípio da levitação magnética. Ele não roda nos trilhos, mas flutua (como o Hyperloop). O único atrito em seu deslocamento é com o ar. O maglev de Xangai (conhecido como Transrapid) viaja a 430 quilômetros por hora, cobrindo a distância de 30,5 quilômetros em 7 minutos. É atualmente o trem mais rápido em operação no mundo.
Outras soluções não dependeriam tanto de novas tecnologias, mas da chamada vontade política. Como o uso de hidrovias urbanas. O caso mais didático e frustrante está em São Paulo.
Temos dois grandes rios, um cruzando a cidade no sentido sul-norte (o Pinheiros) e outro no leste-oeste (Tietê). Seriam duas vias naturais para o transporte ligeiro de passageiros. Formariam um só sistema, já que o Pinheiros deságua no Tietê.
Infelizmente, o Tietê e o Pinheiros se transformaram há muitas décadas em dois repulsivos depósitos abertos de esgoto. Desde que nasci, ouço promessas de governadores e prefeitos que juram que os rios serão despoluídos como foi o Tâmisa, em Londres. Mas as promessas nunca chegaram perto de se concretizar. E a população aparentemente não se interessa por isso.
De minha parte, continuo sonhando em viajar de barco pelo Pinheiros, observando as praias, ancoradouros e as crianças brincando nos parques de suas margens.
Dagomir Marquezi, nascido em São Paulo, é escritor, roteirista e jornalista. Autor dos livros Auika!, Alma Digital, História Aberta, 50 Pilotos — A Arte de Se Iniciar uma Série e Open Channel D: The Man from U.N.C.L.E. Affair. Prêmio Funarte de dramaturgia com a peça Intervalo. Ligado especialmente a temas relacionados com cultura pop, direito dos animais e tecnologia.
Boa, Dagomir! Acho que não terei tempo para desfrutar desses avanços tecnológicos, mas fico contente em saber que no futuro, por exemplo, órgãos transplantados e vítimas de acidentes poderão ser transportados mais rapidamente aos hospitais. Fora as descobertas que virão com as inúmeras pesquisas e que trarão mais conforto e segurança para todos. A eventual má intenção nasceu com os primeiros homens, lá atrás.
[…] também: “O carro que voa e o trem que flutua”, artigo de Dagomir Marquezi publicado na edição 37 da Revista […]
Ótimo artigo. Diversificar a pauta da revista é salutar e enriquecedor.
Eu, hein! A linha editorial de uma revista não se limita a temas políticos. Qual o problema? Não é a primeira vez que o Dagomir aborda tecnologia em seus artigos. É importante a diversidade.
O artigo deveria ter sido publicado na “Superinteressante”.
Mudaram a linha editorial?
Não entendi.
Estou andando somente de Uber há um ano.
Esquece. Não irei abandonar o carro (posso até usar menos, mas…).
Carros voadores e sem motoristas?!? Temos muita filosofia e ética para discutir antes…
E carros voadores com pilotos humanos?!?! Kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk
Kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk
(Converse com alguém da aviação para entender um pouco mais de “navegação aérea”… pessoal não consegue nem usar gps em 2d).
Não entendi o objetivo desse artigo. Completamente fora da linha editorial de Oeste. Fora os erros conceituais e a falta de objetividade
Fato!
Ainda bem que até isso acontecer Eu não esteja viva pra ver (tenho 48 anos), pois adoro dirigir, e pelo jeito até esse prazer vão tirar das pessoas … a tecnologia ajuda, mas também cansa, torna tudo muito chato, as pessoas tendem a pensar iguais, e nos torna burros e preguiçosos … apesar de estar lendo uma revista digital em meu celular, muita tecnologia está me cansando e não tenho aderido a tudo que está aparecendo…
Somos dois, Elaine.
Três.