“A América é uma ideia. A Irlanda é um ótimo país, mas não é uma ideia. A Grã-Bretanha é um ótimo país, mas não é uma ideia. É assim que vemos vocês em todo o mundo, como uma das maiores ideias da história da humanidade.” Assim se manifestou Bono Vox, ativista e vocalista da banda irlandesa U2, em evento promovido em 2012 na Universidade de Georgetown, nos Estados Unidos.
A América é uma ideia. Parece uma frase simples, e o conceito pode parecer vago para quem olha para os Estados Unidos mas não enxerga o que o país representa para a civilização ocidental. Até Bono, um social-democrata (com muita ajuda) que já achou que Lula era um cara bom, entende o que a nação mais próspera do mundo representa. Uma ideia. E uma ideia que é maciçamente fundada em um pilar sagrado para os americanos, a liberdade.
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Os fundamentos da República americana vêm diretamente no Iluminismo europeu dos séculos XVII e XVIII. Os pais fundadores dos EUA eram bem versados nos escritos dos filósofos, cujas ideias influenciaram a formação do novo país. John Locke, um inglês do século XVII, em seu Segundo Tratado de Governo, identificou as bases de um governo legítimo, que, para ele, ganha autoridade por meio do consentimento dos governados, e não apenas pelas graças de um monarca. O dever desse governo é proteger os direitos naturais das pessoas. De acordo com Locke, esses direitos são Vida, Liberdade e Propriedade.
Para o filósofo, se o governo falhasse em proteger esses direitos, seus cidadãos teriam o direito de derrubá-lo. E foi justamente essa ideia que influenciou profundamente Thomas Jefferson, um dos pais fundadores, ao elaborar a Declaração de Independência em 1776. A base da teoria de Locke dos direitos naturais se tornou então o pano de fundo da declaração: “Consideramos essas verdades evidentes, que todos os homens são criados iguais, que são dotados pelo seu Criador de certos direitos inalienáveis, entre os quais a Vida, a Liberdade e a busca da Felicidade”.
Há 244 anos, os termos da Declaração de Independência formaram então o DNA da nação e ajudaram a escrever uma sólida Constituição, que, com apenas 27 emendas, põe os direitos individuais inalienáveis acima de governantes que, porventura, possam se embebedar de poder.
A pandemia histórica da covid-19 não trouxe apenas mortes, pânico e muita desinformação no meio do árido terreno do desconhecido, trouxe também a sutileza do cerceamento.
Propositado ou não, esse cerceamento de direitos individuais invioláveis é inadmissível pela Constituição. O distanciamento social e as medidas sanitárias já provaram ser bons instrumentos no combate ao vírus, mas estão longe de ser as únicas ou mais eficazes armas em um possível arsenal de guerra que ainda não conhecemos. E por mais que se repita ad nauseam que o distanciamento social é a única medida possível para evitar uma catástrofe, isso não pode significar um confinamento obrigatório com imposições de “leis” que não existem.
Em meu primeiro artigo para a Revista Oeste, defendi o debate honesto sem a politização e a fuga nas platitudes fundadas na dicotomia cega do “Fla x Flu” do vírus. Ou é isso, ou é aquilo. Não! É isso e aquilo, e mais aquilo também. Em um mar de incertezas e desencontros de especialistas, médicos e até da própria Organização Mundial da Saúde, é preciso atentar para pontos tão importantes quanto as sequelas físicas causadas pela doença. As ramificações dessa crise vão além de mortes em hospitais e debates acalorados sobre a cloroquina. É preciso olhar a “floresta” e também tentar enxergar além do olho do furacão. Debater os severos impactos econômicos a curto e longo prazos e o cerceamento de direitos individuais não o faz uma pessoa “sem coração” ou anticiência. E discutir isso não é apenas um direito, mas uma obrigação.
Em 2014, pesquisadores da Universidade de Oxford compararam dados de suicídio anteriores a 2007 com os de anos pós-crise financeira de 2008 e encontraram mais de 10 mil “suicídios econômicos”, associados à recessão nos Estados Unidos, no Canadá e na Europa. Aaron Reeves, autor principal do estudo e pesquisador de pós-doutorado no departamento de sociologia da universidade, atestou em artigo publicado no British Journal of Psychiatry: “Houve aumento substancial de suicídios durante a recessão, consideravelmente mais do que esperávamos com base nas tendências anteriores”.
Desemprego, medo, insegurança e preocupações com dinheiro afetaram a saúde mental de cidadãos em 54 países em 2009.
Foi o que apontou o estudo. Só nos Estados Unidos, a taxa de suicídios, que subia lentamente desde 2000, disparou durante e após a recessão de 2008. As taxas foram significativamente maiores nos Estados que sofreram maiores perdas de emprego.
Ontem, o presidente Donald Trump apresentou um plano nacional de reabertura do país. Enquanto alguns governadores andam extremamente preocupados com um lockdown sem data para terminar, outros tentam empurrar algumas medidas autoritárias que se sobrepõem às liberdades individuais invioláveis e têm recebido enorme resistência da sociedade norte-americana. Nesse ponto, democratas e republicanos se unem para proteger o que todos consideram tão sagrado: a ideia — e a prática — da liberdade, e isso inclui a liberdade de ir e vir, atualmente com sérias e corretas diretrizes, mas também a liberdade econômica.
Em Michigan, por exemplo, depois de a governadora ter obrigado os cidadãos a ficar em casa com ameaça de prisão e multas, manifestantes protestaram.
Eles foram para a frente da sede do governo exigir o fim da ordem de ficar em casa, alegando que as ordens violavam suas liberdades pessoais. Alguns Estados, como Califórnia e Nova Jersey, fecharam sob ordem executiva todos os estabelecimentos considerados “não essenciais” e isso incluiu lojas de armas. Americanos entraram então com uma ação conjunta contra esses estados e um juiz federal ordenou que as lojas de armas fossem reabertas e colocadas na categoria “essenciais”, pois o direito de possuir uma arma para a proteção de sua propriedade também é protegido pela Constituição.
No Mississippi, governantes locais proibiram serviços religiosos comunitários, mesmo que honrassem rigorosamente as diretrizes de distanciamento social. A igreja e seus fiéis processaram o Estado, e agora a Igreja Batista da cidade de Greenville terá permissão para prosseguir com seus serviços de drive-in, com os membros reunidos no estacionamento do templo e o culto transmitido por rádio FM. O Departamento de Justiça local foi categórico: “Os governos estaduais e municipais têm o poder de proteger seus cidadãos da propagação de doenças infecciosas. Não há exceção pandêmica, no entanto, às liberdades fundamentais que a Constituição protege”. Amém.
Que os americanos inspirem os brasileiros. Chega de atrocidades como as cenas vistas nesta semana no Brasil.
Vimos trabalhadores sendo algemados como criminosos, ou pessoas que, respeitando as diretrizes sanitárias e do distanciamento social, apenas corriam na praia serem levadas por policiais como marginais. No funeral dessas (e Deus sabe quantas mais) liberdades individuais que vão sendo guilhotinadas, o show mórbido fica por conta de quem condena aqueles que querem discutir possíveis aberturas na economia ou opções para o relaxamento do lockdown para encontrar soluções que evitem o total colapso econômico de milhões de famílias.
Discutir a possível circulação de forma controlada? “Não!” É fecha tudo e fecha a boca. E essa compaixão baseada apenas no “fique em casa”? Não passa de uma hipócrita sinalização de virtude para quem vive com o Instagram aberto, mas fecha os olhos aos que não podem retocar a realidade com filtros. Para os humanistas do Leblon ou da Vila Madalena, quem se importa com John Locke ou João da Silva?, o bacana é salvar o mundo de casa, bebendo um bom vinho importado diante de uma tábua de queijos e assistindo ao show do U2 na Netflix. Essa é a ideia, Bono tolinho.
Não importa o lugar, o meio… Seus artigos são antológicos, spkr!
Já não tenho mais adjetivos para Ana Paula. Aprecio seus artigos desde os tempos da Crusoé. Textos irrepreensíveis e sempre precisa e cirúrgica em suas abordagens. Vida longa pra você na Oeste.
Depois de ler (em sequência) a reportagem de capa da revista Oeste e os artigos de J. R. Guzzo, Augusto Nunes e Ana Paula Henkel só me vem uma pergunta na cabeça. por que raios eu não fiz a assinatura da revista Oeste antes?
Parabéns Ana Paula, pela excelente coluna
Creio que um dos grandes problemas do Brasil e que a maioria não tem nem ideia de seus
direitos
Gosto muito dos temas dos artigos da Ana Paula, mas só lembrando que esse país bastião da liberdade moderna também abrigou a escravidão, a Ku Klux Klan e a severa segregação racial até meados da década de 60…
Excelente texto Aninha.Você é a musa das coisas simples.Pra poupar os adjetivos fico naquele filme: “Nunca te vi,sempre de amei”.
O que está acontecendo no Brasil é uma vergonha, onde o STF e os presidentes das casas legislativas querem conflito com o Presidente da República. Como a entrega de grana mingou para todos, inclusive para o Instituto do Gilmar Mendes que mamava dinheiro público, o ódio e a necessidade de vingança estão fora de controle para esta cambada de canalhas.
Jamais seremos a América, nosso povo possui baixa instrução e não reclama nunca, de nada. Veja nos protestos que ocorreram, nenhum jovem…
Obrigado por mais um texto primoroso.
Sou assinante da Crusoé e fiz minha assinatura ontem na Oeste, e simplesmente estou me deliciando com o conteúdo desta revista. Obrigado!
Isso sim, é LUCIDEZ!
Brilhante Ana!! Já enviei o link para várias pessoas!!
o #FiqueEmCasa é fácil , tomando aquele vinho, tabua de frios ouvindo Beatles e criticando quem ouse pensar diferente. Voce resumiu de forma brilhante :É, fecha tudo e FECHA A BOCA , cretinos, hipócritas, irresponsáveis .
Parabéns Ana Paula!
Infelizmente no Brasil não temos a quem recorrer juridicamente, pois nossa “justiça” é corrupta e imoral!
Viva a América!
Ótimo artigo. Contribui para desmascarar a hipocrisia de alguns políticos e governantes brasileiros.
Ah! Agora vejo de quem o corrupto e condenado ex presidente plagiou a frase “ …..sou uma ideia” dita no discurso antes de ser preso pela PF em 2018.
” Ou ficar a pátria livre, ou morrer pelo Brasil”
Está mais do que na hora de resgatarmos nosso país das mãos do autoritarismo de alguns mas principalmente dos 11 de Toga nos quais nunca votamos.
Anos atrás vi uma frase, a qual levei anos para entender, ou aceitar, qual seja melhor, que dizia mais ou menos assim: “Nós não temos liberdade. A liberdade que julgamos ter é aquela de escolher nossa própria escravidão”. Pronto. Será que essa coisa está se materializando de vez agora?
Boa Henkel! “Bono tolinho” aderiu à conveniência artística, trocou a ideia autêntica pelo idealismo rançoso de agendas progressistas.
Ana Paula, parabéns !! Você , a cada dia, se torna uma jornalista de alto gabarito,além de ser, com humildade e segurança, uma esclarecedora dos danos que mobilizações e movimentos hipócritas induzem a desvios a conduta do povo, de maneira geral. Assinei Revista Oeste por você, Augusto Nunes, JR Guzzo, Guilherme Fiúza, pois já conhecia a qualidade e a decencia do trabalho de vocês. Agora, conhecendo os demais, desde Selma Santa Cruz, por quem parabenizo os demais. Havia assinado a Crusoé….e por favor, fuja daquela revista vendida. Onde escreve Igor Gadelha, saia correndo, sem olhar para trás !! Diogo Mainardi, a maior decepção que tive no jornalismo. Enfim…bola pra frente…Parabéns , novamente !!!
Chique você! Já te devo muitas noites mal dormidas, e compensadoras, no vôlei q sempre estou junto.
Sempre SENSACIONAL agora em outro cartesiano.
Análise perfeita!! A cada edição fico mais convencido que a minha decisão de assinar essa revista foi correta!! E, só para não deixar para depois, sou seu fã como também compartilho de sua admiração pelo Presidente Ronald Reagan, que, para mini, foi o melhor Presidente dos USA!!
Nos USA, há uma Constituição. Aqui, quanto muito, uma “Conspiração”.
Excelente texto.
Excelente, Ana Paula!
Você foi brilhante nas quadras e agora demonstra ser brilhante nos textos!
fala isso para o Dória!
fiz o mesmo que um leitor que escreveu, vim para a Oeste também por pessoas como a Ana, mas saí da Crusoé…que virou mais do mesmo…
Idem
Também saí da Crusoé a Oeste é o máximo!
Bravo Ana!
Precisamos e muito nós espelhar nos moldes americanos, ai as coisas funcionam e muito; todo e qualquer tipo de “medida intervencionista” por parte do governo é quebrada em frações de segundo pelo povo, afinal de contas eles sabem muito bem seus respectivos direitos e deveres.
É gratificante poder ler o que você escreve e poder ver que entre os comentários não constam os de algumas bestas quadradas que infestam a Crusoé. Aqui, graças à diretriz dos editores, não se pode utilizar apelidos, codinomes ou sómente o primeiro nome. Lá, os que o fazem, são todos indivíduos pagos para atacar quem se solidariza com textos como o seu.
Mais um texto brilhante. Não sei se vc lê todos os comentários, mas assim mesmo deixo minha modesta participação. Um ex-aluno meu, maconheiro, certa vez ao ser alertado por mim sobre os perigos da droga ele responde ásperamente: “- olha velho, toma conta da tua vida que da minha cuida eu. Tenho a liberdade de fazer o quero”. Bom, aí passam os anos e ele escreve num jornal regional e no seu texto falava mal do Bolsonaro como fascista e que está “podando” as liberdades democráticas. Aí, a gente vê o discurso do Presidente defendendo a liberdade e o patriotismo. Ou seja, quem diz que defendia a liberdade nos dias de hoje são contra a liberdade.
Sempre um brinde à lucidez. Obrigada.
Vale a assinatura
Excelente artigo. Muito satisfeita e esclarecida com essa leitura. Parabéns.
Olá Ana Paula, assinei a Revista Oeste para te seguir, embora eu também seja um leitor e admirador do Guzzo. Eu te acompanho desde o Crusoé, e seus artigos são sempre motivo de comprovação de que ainda existe vida inteligente na superfície terrestre. Parabéns!
Corroboro, integralmente, as tuas palavras, inclusive a de acompanhar a Ana Paula desde a Crusoé.
Brilhante! Parabéns pela lucidez. E obrigada por nos brindar com ela.
Parabéns, Ana. É a primeira vez que comento por aqui, pelo lado Oeste. E adorei teu artigo. Um libelo de amor pela vida pelas pessoas pela humanidade. Eu tenho muito orgulho de ti como mulher e intelectual brasileira nos dando sempre munição para mantermos a fé na vida. Grande abraço.
Para o americano comum, reagir ao cerceamento das liberdades é uma decorrência de valores concretos, até palpáveis, após 250 anos habitando aquela terra abençoada por Deus e por uma Constituição inviolável, encorporada mesmo ao DNA desse povo livre. No Brasil, a liberdade é ainda uma abstração. As pessoas não têm consciência do que exatamente estão sendo privadas até porque nosso “habitat” institucional é e sempre foi outro, bem diferente do americano. Estamos engatinhando nesse assunto.
Caro Juarez, é exatamente isso. O americano médio está acostumado a reagir frente a flagrantes violações dos direitos e garantias individuais. E isso vem de muito tempo. Nós, ainda não estamos nem perto disso, mas acredito que o brasileiro médio começou a despertar, está mais vigilante e participando um pouco mais da vida política. Ainda não é o suficiente, mas já é um começo.
Campeã nas quadras e medalha de ouro na escrita,você é nossa musa inspiradora ,a voz dos que estão em silêncio. Por favor não pare nunca!
Você me representa! Leio e me vejo em cada sílaba. Brilhante
????
Ótimo texto Ana. Você viu o governador de NY criticando o Brasil? Foi isso mesmo?
Leio conversando com você . Ótimo papo, é informativo e a abordagem é refinada. Favor escrever bastante.
.
Me sinto inspirado a continuar na defesa das liberdades, valores tradicionais, e propriedade privada, ao ver a existência de vozes que não se abatem diante da mídia mob, parafraseando Sean hannity.
Ler sua coluna é como tê-la sentada à mesa da minha copa-cozinha batendo um bom papo escoltado com um café fresquinho e um delicioso bolo de fubá. Prazeiroso! Seja sempre muito bem-vinda em minha casa. E venha sempre … escreva, escreva, escreva! Bom dia ?
Parabéns por mais um ótimo texto.
É muito prazeroso ler seus artigos, mesmo quando abordam assuntos áridos. Você é um dos principais motivos que me fez assinar a revista.
T acompanhava na Crusoé, agora aqui. Continue lúcida e corajosa como sempre.