A fruta mais consumida no mundo não é a banana, nem a laranja. É a maçã. Originária da região do Mar Negro, a macieira foi domesticada desde a Antiguidade e cultivada em jardins e pomares. Como as peras, as maçãs são colhidas um pouco antes da maturidade e depois expressam todas as suas qualidades. Elas são fáceis de conservar e transportar, tanto em caminhadas como para a escola. Por séculos, as macieiras se espalharam pela Europa e pela Ásia. E terminaram por conquistar as Américas, a Austrália e a Nova Zelândia no século 17. Hoje, a macieira doméstica (Malus domestica Borck.) é cultivada em todo o planeta.
As macieiras foram objeto de muitos cruzamentos. São milhares de variedades (subespécies e cultivares) em todo o mundo, com as mais diversas cores, tamanhos, formatos, consistência e sabores. Cerca de 2.000 são de origem inglesa e 1.500 francesas. O Brasil produz duas variedades principais de maçã: a Gala (de origem neozelandesa) e a Fuji (de origem japonesa). A primeira abre a temporada de colheita de meados de janeiro até março. A Fuji completa o ciclo da colheita em maio.
No Brasil, maio é o mês de Maria, das noivas, do Dia das Mães e da safra da maçã. A fruta colhida ficará disponível o ano todo ao consumidor, armazenada em câmaras frias. Em 2021, a safra brasileira ultrapassará de novo 1 milhão de toneladas. Talvez mais de 1,3 milhão. Em 2019, 1.258.000 toneladas de maçã foram colhidas. Em 2020, cerca de 1,1 milhão de toneladas, uma redução devido ao baixo calibre da fruta por razões climáticas (falta de chuvas). Santa Catarina colherá mais de 550 mil toneladas na safra 2020/21. O Estado concentra 51% do plantio da fruta. Seguido pelo Rio Grande do Sul (44%) e Paraná (5%).
A produtividade das macieiras varia com o clima, os sistemas de produção e as tecnologias utilizadas. A média brasileira, da ordem de 50 ton/ha, inclui pomares jovens (ainda não produzem), pomares velhos (em declínio de produção) e áreas menos tecnificadas. Nos pomares em plena produção, com tecnologias modernas, a produtividade chega a 80 ton/ha.
A qualidade da fruta brasileira melhora a cada ano graças a novas variedades e melhorias nos sistemas de produção, como a cobertura dos pomares com telas para evitar o impacto do granizo, muito frequente na serra catarinense, e também com novos cuidados no transporte e na armazenagem.
A maleicultura é uma atividade intensiva no uso de mão de obra e emprega diretamente cerca de 50 mil trabalhadores, sobretudo na colheita. Não há no Brasil, nem em outros países, máquinas capazes de colher maçãs, de agilizar essa etapa da produção e de facilitar o trabalho nos pomares. Há muita pesquisa no tema e os avanços em robótica prometem resultados no futuro.
Do total produzido pelas macieiras, 20% serão destinados à indústria para a produção de doces, sucos e até sidra; outros 65% serão comercializados no mercado nacional de fruta fresca e os outros 15% serão exportados.
Em três décadas, segundo a Associação Brasileira de Produtores de Maçã (ABPM), a produção do Brasil cresceu mais de 6.000%. A maçã movimenta R$ 7 bilhões na economia. De importador de maçãs, o país tornou-se fornecedor internacional. Hoje, o Brasil participa com 1,34% da produção mundial de maçãs e está entre os dez maiores produtores da fruta no mundo. A China detém 52% da produção mundial, seguida por EUA, Turquia, Irã, Itália, França, Polônia, Rússia, Argentina e Brasil. Os principais destinos da fruta nacional são Rússia (31%), Bangladesh (29%) e Índia (11%).
A exportação crescerá em 2021. No primeiro trimestre, a exportação de maçãs aumentou em 112% no valor e 89% no volume. O exterior é essencial para diversificar a comercialização, diante da demanda retraída com a praga da covid-19, o aumento da oferta e a redução de preços no mercado interno.
No exterior, algumas portas se abrem. A queda da qualidade dos frutos argentinos resultou em menos embarques para Europa, Nova Zelândia e África do Sul. A saída do Reino Unido da União Europeia pode beneficiar a exportação brasileira. O consumo de maçãs por ingleses é alto. E há previsão de redução tarifária com o Brexit. Além da boa demanda internacional, o dólar valorizado ajuda as exportações. O produto brasileiro atende cada vez mais às exigências do mercado internacional. E alimenta o espírito.
Símbolo da criatividade, a maçã caiu sobre a cabeça de Isaac Newton e lhe revelou a lei da gravidade universal (sic). Já Rob Janoff deu uma mordida de bite e byte nessa maçã e a tornou o símbolo do iPhone. Mas a simbologia mais antiga e universal colocou a macieira no centro do Paraíso e da aventura humana. O Divino Jardineiro plantou duas árvores no Éden: a árvore da vida e a do conhecer bem e mal, cujos frutos foram vedados ao Humano. A tradição associou a macieira ao pecado original e à queda ou expulsão do Paraíso. A serpente, nua e astuta, seduziu Eva e Adão. Ao oferecer-lhes uma maçã, propôs o fim do monoteísmo: — Sereis como deuses. E não como Deus. De certa forma, a mesma maçã envenenada foi oferecida pela bela Rainha Má, transformada em bruxa, a Branca de Neve.
A Bíblia não associa o fruto proibido a nenhuma planta conhecida. O texto hebraico do Gênesis (2,17) evoca apenas o fruto da árvore do conhecer bem e mal (tov ve rá), sem artigos. Assim como a obra de Friedrich Nietzsche Além de Bem e Mal também não leva artigo (Jenseits von Gut und Böse). Muitos tradutores não imaginam seu pecado, nem o alcance de agregarem artigo definido ao bem e ao mal.
A entrada da maçã nesse mito judeu-cristão teve origem nas primeiras traduções latinas da Bíblia. Em latim, o mal se diz malum, enquanto malus designa a maçã, como no italiano mela. Por um erro de tradução ou por um jogo de palavras desejado, a maçã entrou no Paraíso e a macieira (malus) passou a ser associada com a árvore do conhecer bem e mal (malum). Na iconografia cristã, a maçã já simbolizava o pecado original nas catacumbas de São Genaro em Nápoles, datadas do 2º século.
Em português, o termo pomo também designa a maçã, como no francês pomme. Pouco usada, essa palavra deu origem a pomar, dado o vínculo da maçã com jardins e pomares. Ela aparece em duas expressões de uso mais comum: pomo da discórdia e pomo de adão.
O pomo da discórdia foi a maçã de ouro oferecida pela deusa Discórdia à mais bela das deusas, num banquete olímpico ao qual não fora convidada. Isso gerou grande disputa entre Juno, Minerva e Vênus. Esse mito grego culmina com Páris recebendo o amor da belíssima Helena, esposa do rei Menelau, e dando origem à guerra e à ruína de Troia. Quanto ao pomo de adão, segundo a tradição fabularia, Adão não engoliu bem o seu bocado de maçã e de pecado original et pour cause. Os caroços da maçã engasgados em sua garganta deram origem a essa proeminência da traqueia, escudo protetor das cordas vocais, conhecida como “pomo de adão”.
A maçã brasileira, recém-colhida, chega à mesa dos consumidores em maio. Crocante, saborosa e saudável. Símbolo do amor, ela carrega história, tecnologia, sonhos e muito trabalho de nossos pomicultores. Aproveitem. Quem a consome está a dois passos do Paraíso.
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Evaristo de Miranda é doutor em Ecologia e chefe-geral da Embrapa Territorial.
PARABENS EVARISTO…NÃO SE ESQUEÇA DO DITADO AMERICANO QUE DIZ : UMA MAÇÃ AO DIA MANTEM LONGE O MEDICO DE CASA
Que belo artigo, Parabéns… tem feito muito frio na serra catarinense isso ajuda na qualidade do fruto com um período de dormência maior da planta.
Mais um excelente texto que nós trás o fatos marcantes do nosso AGRO como também nos trás várias histórias deliciosas relacionadas ao artigo.
Obrigado Evaristo, consegue deixar as notícias muito mais interessantes.
Posso relatar um pouco desta história como testemunha ocular. Até os anos 70 não produziamos maçãs em larga escala. A maioria era importada. A primeira maçã 100% nacional a chegar às nossas mesas foi a maçã verde, também conhecida como maçã brasileira. Futuramente a variedade deste fruto aumentou é se diversificou. Parabéns EMBRAPA e produtores brasileiros, vocês merecem todo o crédito por esta conquista.
Parabéns, Sr. Evaristo. Seus artigos são educativos, instrutivos, muito bons. Aprendo muito com eles e repasso as informações aprendidas aos familiares. Excelente artigo. Revista Oeste se superando a cada semana
Um passeio pela história e seus encantamentos!abs.
Esse país, que é desconhecido da “antiga mídia”, me dá Esperança.
Mais um artigo valioso do Mestre Evaristo de Miranda, ressaltando a pujança da agricultura brasileira. Elaborado com requintes que o tornam agradável leitura, destaca aspectos múltiplos da história da maçã. A propósito, sou testemunha de seus benefícios, pois dela alimento me, diariamente.
Cumprimento os responsáveis pelo corpo de colunistas, de primeira linha, da revista “ Oeste” que a tornam leitura indispensável àqueles que apreciam os destaques positivos de uma Nação próspera.
Francisco Albuqueque.
Mais um excelente artigo do Dr. Evaristo. Com grande didatismo, nos permite aumentar o conhecimento sobre importante tema, ao mesmo tempo que nos leva a uma fascinante viagem no tempo e no espaço, e o mais importante, para dentro do nosso país. Parabéns à Revista Oeste pela acertada e qualificada escolha para essa coluna!
Os artigos do Evaristo sao sempre muito bons, agradaveis, faceis de ler e com gostinho de “quero mais”
O Evaristo é uma Enciclopédia “Barsa” digital!!
Que riqueza de informações!!! Me orgulho de ser seu amigo.
Abs,
É o Brasil produzindo de Norte a Sul, de Leste a Oeste. Uma imensidão de terras cultivada por gente simples, gente boa, gente trabalhadora. Obrigado, Evaristo Miranda, por divulgar essas boas notícias que nos dão prazer em ler e orgulho do nosso Brasil.
Lembro-me bem, Evaristo: até os anos 80, a maçã era algo raro para a maioria dos brasileiros. Qdo a alcançávamos, eram argentinas, meio esfarelamento. Um gosto muito aquém do q as Gala e Fuji nos permitem hj! E a preços mais acessíveis.
Parabéns pela riqueza de informações!
Esta matéria do Evaristo é um show!
A matéria é completa, com história, culinária, mercados, perspectivas etc…
Parabéns ao autor Evaristo!
Ehhh Brasil!! Ótimo artigo Dr. Evaristo.
Excelente matéria Dr Evaristo. Colheita 2021 em São Joaquim concluída. Vamos comer maçãs.👏👏🍎
Que artigo! Merece aplausos constantes! Obrigado.
Gostei do coquetel de agro, economia, história e lendas. Até aqui no Juá está se expandindo as lavouras de maçã (ameixa e pera também). Na antiga casa do meu saudoso avô materno ainda tem um pé de maçã chimarroa com cerca de 80 anos ou mais. Só ali existe esta espécie. O pessoal da área poderia pesquisar a referida para ver se há condições de preservação. O gosto meio amargo dá um sabor especial na maçãnzada que minha avó e minha mãe faziam. Essa acho que tu não conhecia.
Parabéns doctor Evaristo, seus textos são excelentes e até mesmo emocionantes.
Ótimo texto. Informativo e encantador. Parabéns a Evaristo e à Revista Oeste.
Excelente artigo que comprova uma vez mais quão essencial o Brasil é para a agropecuária mundial.