“O único poder que qualquer governo tem é o de reprimir os criminosos. Bem, então, se não temos criminosos o bastante, o jeito é criá-los. E fazer leis que proíbam tantas coisas que se torna impossível viver sem violar alguma.” A frase, retirada de A Revolta de Atlas, da filósofa russa Ayn Rand, abre o livro Leis Absurdas do Brasil (LVM Editora), do economista André Costa, e parece ter sido escrita para o país.
Em Belo Horizonte, por exemplo, uma lei obriga os mercados a informar aos clientes, “na embalagem ou em placa fixada junto ao produto”, a melhor forma de consumir batata in natura: frita ou cozida. Em São Paulo, é proibido oferecer para consumo ovos crus — eles devem ser fervidos por sete minutos e apresentar gema dura; e os restaurantes são forçados a conceder desconto àqueles que realizaram cirurgia bariátrica ou qualquer outra gastroplastia. Parece pouco? Tem muito mais.
É o que mostra Costa, que divulga esses projetos absurdos nas redes sociais desde 2016. Por sugestão do cientista político Adriano Gianturco, professor do Ibmec, ele reuniu no livro os 51 mais esdrúxulos. “Atualmente, no Brasil, existem 180 mil leis vigentes”, escreveu Costa na introdução. “O país já editou e publicou desde a Constituição de 1988 mais de 5,4 milhões de textos normativos. São 769 normas por dia útil.” Ou uma a cada dois minutos.
Como escreveu o pensador austríaco Ludwig von Mises, “quem pede maior intervenção estatal está, em última análise, pedindo mais compulsão e menos liberdade”. Já passou da hora de os brasileiros exigirem menor intervenção estatal. E ganharem em troca a liberdade.
— Como surgiu a ideia de criar a página Leis Absurdas nas redes sociais e, depois, publicar um livro com parte desse material?
Depois de me formar na faculdade, em 2016, tornei-me sócio de uma agência de publicidade. Na ocasião, estava acontecendo o fim do processo de impeachment de Dilma Rousseff. Então, era comum termos discussões um pouco mais acaloradas no escritório, já que os sócios tinham visões políticas diferentes. Durante o trabalho, comentávamos alguns projetos de lei que eram propostos. Na época, houve muita discussão em torno de um que queria retirar a obrigatoriedade de passagens aéreas serem vendidas com bagagem incluída. Fiz, então, um post no Facebook, explicando as consequências econômicas de impor a inclusão de bagagens em todas as passagens aéreas. O post repercutiu bastante, mas também gerou comentários exaltados daqueles que discordavam da minha visão. Decidi, então, não usar mais o Facebook para isso. Ao mesmo tempo, um dos meus sócios resolveu criar uma página naquela rede a fim de listar alguns projetos e leis inúteis sobre os quais já tínhamos discutido. Meses depois, eu me mudei para a Austrália e, como tinha muito tempo livre, resolvi retomar o projeto que meu sócio havia começado e criei a página Leis Absurdas no Instagram. No fim de 2017, recebi uma mensagem do professor Adriano Gianturco, do Ibmec, sugerindo que eu escrevesse um livro sobre as leis mais absurdas.
— Todas as leis que estão no livro são absurdas?
Do meu ponto de vista, pautado nas ideias libertárias, todas as leis que não são naturais são absurdas. Dito de outra forma, todas as leis positivas são absurdas, enquanto as leis negativas não são absurdas. As leis negativas são aquelas que, ao não fazer nada, você já as está cumprindo. Por exemplo: uma lei que proíbe a invasão de propriedade é uma lei negativa. Para que eu a cumpra, basta não fazer nada. Se eu não invadir a propriedade de outra pessoa, estou cumprindo a lei. Por outro lado, uma lei que versa sobre o direito à saúde é uma lei positiva. Nesse caso, alguém é obrigado a prestar um serviço a outra pessoa. Ou seja, para que eu cumpra essa lei, terei de pagar por isso a algum terceiro. Se eu não fizer isso, estarei descumprindo a lei.
— Qual é o terreno fértil para a germinação de leis absurdas?
Frequentemente me perguntam se eu acredito que as leis absurdas decorrem de desconhecimento econômico por parte dos nossos políticos ou, até mesmo, má-fé. Acredito que seja um pouco dos dois. Existem os políticos completamente ignorantes a respeito de economia e que propõe leis esdrúxulas, sem ter noção das consequências que virão pela frente. Por outro lado, existem os políticos que, na busca por popularidade, propõe medidas absurdas, mas que vão ao encontro dos desejos de grande parte da população — já que a própria população tem pouco ou nenhum conhecimento econômico.
— Quais as leis mais absurdas que você encontrou?
O livro começa com a Lei nº 8.118/2000, de Belo Horizonte [MG], que obriga os supermercados a informar a melhor maneira de comer batata. Temos também a Lei nº 4.314/1998, de Bauru [SP], que determina a forma correta de fazer o sanduíche bauru. Há, ainda, leis que determinam a disponibilização de preservativos em bares e proíbem saleiros em restaurantes. Existe também uma lei que proíbe autoatendimento em postos de combustíveis e outra que torna obrigatória a presença de ascensorista em elevadores. O que não falta são leis absurdas de todos os tipos.
— Quanto custa a aprovação de cada projeto de lei e qual o custo de cada reunião feita em plenário?
Um estudo realizado pela equipe do deputado federal Gilson Marques [Novo-SP] concluiu que cada projeto aprovado custa R$ 9,5 milhões, além de R$ 2,4 milhões por reunião em plenário.
— Atualmente, você vive na Austrália. Há espaço para leis inúteis em países de Primeiro Mundo?
Há espaço para leis absurdas em todos os lugares. Na Austrália, porém, a quantidade é infinitamente menor que o número registrado no Brasil. Isso não impediu, por exemplo, o surgimento do projeto que quis obrigar o Facebook a pagar por notícias compartilhadas pelos usuários em suas páginas. Há, ainda, uma lei em Victoria, no sudeste da Austrália, que proíbe os estabelecimentos de servir comida na área de fumantes.
— Seu livro já dissuadiu políticos de criar leis absurdas?
Já recebi mensagens de políticos pedindo que eu divulgasse, na página Leis Absurdas, que eles haviam retirado da pauta algum projeto inútil. Não posso dizer, com certeza, que os parlamentares desistiram de alguma proposta unicamente por causa da página, mas acredito que a pressão popular na internet pode contribuir, de fato, para que eles pensem duas vezes antes de seguir em frente com um projeto absurdo.
— Quando você se tornou um libertário?
Sempre fui inclinado às ideias de liberdade. Acho que nasci já como uma espécie de Giorgio Rosa, do filme Rose Island. Lembro de discutir com minha professora de Geografia, na sexta série, a respeito do salário mínimo. Naquela ocasião, eu só queria dizer que aceitaria trabalhar por menos do que o salário mínimo vigente na época. Durante a faculdade de Economia, pouco vi sobre os autores liberais. Apesar disso, nunca vi sentido nas ideias keynesianas nem, muito menos, marxistas. Foi só no último semestre, quando fui a uma palestra do Adriano Gianturco, que comecei a conhecer Ludwig von Mises, Murray Rothbard, Frédéric Bastiat, Ayn Rand e Friedrich Hayek. E, a partir de então, a cada nova leitura, mais eu me identificava como libertário.
Leia também “O drama do panorama”
É o que mais tem no Brasil…
O que não falta no B
O Povo aprender a votar também seria muito bom para acabar com esses absurdos!!!
O problema não é a lei, mas sim os funcionários públicos que usam destas leis para te aperrear e/ou achacar.
Aí você entende o porquê do Brasil não sair desse atoleiro eterno … e o pior, pagamos uma fortuna para manter essa classe política inútil … sou obrigado a discordar do querido Tiririca, que dizia em sua campanha “pior que ta num fica” … a cada dia fica sim, e nós seguimos pagando a conta … com essa “crasse” política nosso país não corre o menor risco de dar certo …
Muito boa a entrevista.
As normas para se construir a própria casa, no Brasil são absurdas e variam conforme as prefeituras. Por exemplo o tamanho dos banheiros, a quantidade máxima de janelas, o tamanho dos quartos, etc. Incrivelmente, no Canadá e nos EUA é igual. Raul Seixas já criticava na música O Carimbador Maluco e tinha gente que dizia que o maluco era ele.
O que aconteceu com o Homem Ocidental?
Nossos políticos já são uma piada.
Muito interessante e útil o artigo. Assunto que parece apenas uma curiosidade, trata na realidade de um problem sério, às vezes trazendo consequências graves para o povo. Num país em que a Constituição estabelece limite anual de juros em 12% (mas não “pegou”, ainda bem), tudo é possível! Para aproveitar a onda, o STF podia determinar que o Ministério da Economia baixasse a inflação para, digamos, 1,5% em cinco dias; o Congresso votar uma lei tornando obrigatória a pesquisa para armazenar energia eólica e o Executivo editar uma medida provisória tornando obrigatória a presidência e relatoria de CPI ser exercida por excelências que sejam investigados por crime de corrupção.
Este artigo me fez recordar o livro “O Estado Babá”, de David Harsanyi, lançado no Brasil, em 2011, por Litteris Editora Ltda. Certamente, também lerei o livro comentado neste artigo.
E aí eu fico pensando: como a sociedade consegue viver em harmonia hoje sem as mais de 700 leis que serão promulgadas amanhã?
👏👏👏👏👏👏👏👏
Há que se repensar o legislativo, a cada lei aprovada diminuem nossas liberdades. Hoje acho que a única função do legislativo devia ser revogar leis para limpar e arejar a democracia.
Muito interessante essa matéria. Assim continuamos a acreditar na mídia.
Parabéns pelo livro. Lembro que também no ginásio (hoje primeiro grau) mantive discussões com professores. Houve muita identificação com as idéias libertárias de Ludwig von Mises.