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Política e Economia
Edição 75

Política e economia

Muito dessa tensão que estamos vivendo tem ligação com o fato de Bolsonaro representar uma ruptura, e o sistema estar unido contra ele

Rodrigo Constantino
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O Brasil terminou o primeiro trimestre de 2021 com quase 15 milhões de desempregados, enquanto o nível de pobreza atingiu praticamente 30% do total da população, ante os 25% no mesmo período do ano anterior. Além disso, o fardo inflacionário tem aumentado, e as previsões apontam para mais de 7% no fechamento acumulado do ano, medido pelo Índice de Preços ao Consumidor (IPCA). No mais, a volatilidade dos mercados financeiros aumentou, e o Ibovespa, que atingiu 130 mil pontos em junho, perdeu cerca de 10 mil pontos desde então. O que está por trás disso?

Quanto aos indicadores macroeconômicos, é impossível fazer qualquer análise sem levar em conta a pandemia. Não só o vírus chinês em si, mas a reação que muitos países adotaram por conta dele. Se esta pandemia não foi sem precedentes, a decisão de fechar tudo foi. No Brasil, ela ficou a cargo de prefeitos e governadores, com o aval supremo. Muitos repetiam que o foco deveria ser a saúde, e que a economia ficaria para depois. O “depois” chegou.

As restrições ao funcionamento da economia impuseram um custo muito elevado, que explica o aumento da pobreza. Ele teria sido ainda pior não fossem os programas de auxílio emergencial do governo federal. Os mesmos que apoiaram o fechamento e repetiram que a economia poderia ficar para depois exploram politicamente os dados negativos contra o presidente Jair Bolsonaro, demonstrando puro oportunismo demagógico.

O fato é que o PIB brasileiro caiu menos do que as estimativas do ano passado, que chegavam a apontar até 10% de declínio, e neste ano deve acontecer uma recuperação razoável, com crescimento da ordem de 5%. Em comparação com nossos vizinhos, o Brasil não fica entre os piores, cabendo o posto aos argentinos, com folga. A situação de miséria se agravou tanto no país governado pela esquerda lulista que o escambo voltou a ser praticado. Famílias se desfazem do que tiverem em casa para trocar principalmente por alimentos ou produtos de limpeza e higiene pessoal.

O fenômeno inflacionário, assim como a queda da atividade, também é global. Bancos centrais do mundo todo injetaram muita liquidez nos mercados para impedir recessões maiores, e há gargalos enormes na logística e na mão de obra, produzindo choques de oferta e alta de preços. Nos Estados Unidos, a inflação ultrapassa os 5%, para se ter ideia. O ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou que a inflação brasileira não está fora de controle e que os índices de preços sobem no mundo todo. Para ele, uma inflação entre 7% e 8% está “dentro do jogo”. E ele tem um ponto.

Claro que assusta esse patamar, ainda mais num país com péssimo histórico como o nosso. Felizmente, temos agora um Banco Central independente, graças ao governo Bolsonaro, e cujo presidente tem credenciais liberais sólidas para transmitir a confiança de que não permitirá uma espiral inflacionária. O ideal seria acelerar reformas que reduzissem os gastos públicos, mas isso depende do Congresso, e perto de eleições complica mais ainda. Se o BC tiver de usar sua cavalaria monetária, porém, isso será feito para ancorar as expectativas. A escalada da taxa de juros medida pela Selic já teve início com esse propósito.

Vale notar que a crise hídrica também agravou o quadro, e isso é choque pontual de oferta, não uma política inflacionária deliberada produzida pela expansão do crédito. Só no resultado do mês passado, os custos de moradia subiram 3,1%, puxados pela energia elétrica, que subiu 7,88%. Houve também uma alta forte do preço das commodities no mercado internacional, causada pelo reaquecimento de economias como a chinesa, a que menos sofreu com a pandemia originada justamente lá, talvez em laboratório.

Mas há um fator interno nos números negativos, sim, e se trata da instabilidade política. Por um lado, decisões do governo sobre precatórios e renovação de auxílios acenderam uma luz amarela sobre uma guinada populista de abandono à responsabilidade fiscal, ainda que a crise pandêmica justifique a medida. A demora nas reformas estruturais, como a administrativa, também desanima investidores. Por fim, não se pode ignorar a tensão institucional em curso no Brasil. Mas de quem é a culpa aqui?

A imprensa em geral a coloca em Bolsonaro, ignorando os vários abusos por parte do Supremo Tribunal Federal. E aqui cabe uma análise um pouco mais detalhada. Bolsonaro venceu com um discurso disruptivo, quase revolucionário. Tentou governar com bancadas temáticas e pressão das ruas, sabendo dos grandes desafios disso, mas recusando lotear os ministérios no velho toma-lá-dá-cá. A aprovação da importante reforma previdenciária animou, mas era talvez um lapso de sensatez de um Congresso fisiológico em busca de sobrevivência. O “centrão” sabia que tinha de preservar as galinhas dos ovos de ouro.

Logo ficou claro que o presidente precisava chamar os parlamentares para o governo, transferir poder e cargos. Ele não venceu para ser um déspota esclarecido, e o Congresso, ainda que com regras ruins, foi eleito. Bolsonaro se rendeu, então, ao “centrão”, mas parte disso tem como meta somente sua própria permanência, já que a ameaça de impeachment é constante. Algumas reformas até avançaram, mas bem aquém do necessário. Seria tudo mais simples e fácil se Bolsonaro ao menos aderisse de vez ao mecanismo corrupto, não é mesmo?

A pergunta é capciosa de propósito. Muito dessa tensão que estamos vivendo tem ligação com o fato de Bolsonaro representar uma ruptura, e o sistema estar unido contra ele. A coisa que os mercados mais temem é incerteza, indefinição. Investidores não costumam deixar de alocar capital em países dominados por corruptos ou mesmo por ditaduras. Vide a China. Claro que podem preferir democracias sólidas, mas isso não é necessariamente um impeditivo. O que não gostam é de insegurança.

São nossas liberdades como cidadãos que estão em jogo.

Pode parecer amoral ou insensível isso, mas é exatamente esse o jogo: os investidores não priorizam a ética ou a liberdade dos povos, apesar da sinalização de virtude com campanhas como o ESG (Environmental, Social, and Governance, em inglês). O objetivo continua sendo maximizar o retorno sobre o capital investido. Investidores não são ONGs, e mesmo essas muitas vezes viram negócios lucrativos sob o manto do ativismo nobre. É o que é, não o que romantizam. E movimentos bruscos de mudança assustam investidores, eis a verdade.

O caso extremo é uma revolução. Ela pode acabar bem, como a liberal americana, ou muito mal, como as “progressistas” francesa, cubana, soviética etc. Mas, durante o processo de parto, os investidores ficam receosos demais, justamente pela indefinição do resultado. É por isso que já vemos bilionários desejando a volta do corrupto petista: eles sabem que isso significa um retrocesso ético na política, o retorno da roubalheira, mas não ligam muito, se em troca tiverem a garantia de “normalidade”. Bolsonaro incomoda por não transmitir essa “tranquilidade” dentro de um esquema podre.

Esse breve resumo serve para a seguinte conclusão: há problemas reais em nossa economia, parte deles oriunda da pandemia, e outra parte derivada do clima tenso na política. Mas esse ambiente nervoso tem como principal causa o fato de que o presidente vem resistindo aos esforços do “mecanismo” de derrubá-lo num ato golpista. Os investidores podem sofrer no curto prazo, mas são nossas liberdades como cidadãos que estão em jogo, a tentativa de construir uma democracia mais robusta, impondo limites ao arbítrio supremo. E raramente há parto sem dor…

Leia também “A ditadura do capitalismo lacrador”

24 comentários
  1. Lidia Maria Kasbergen Silva
    Lidia Maria Kasbergen Silva

    Será se ele trabalhasse caladinho, tipo o ministro Tarcisio, niguem o visse ou ouvisse, ele nao teria mais sucesso em seu governo. CAda vez que ele dá um passo ou abre a boca a imprensa toda se apega ao fato e é de perder a paciencia. ACho que nao verei este pais caminhando normalmente sem convulsões a cada dia.

  2. Eduardo Bernardini
    Eduardo Bernardini

    Parabéns Constantino!!! Continue com essa forma boa de colocar em ordem os acontecimentos, pois isso coloca uma Luz no caminho, para construirmos um Brasil Melhor. Estaremos no 7 de setembro por aqui defendendo nossas cores, nossa terra, nossa liberdade, nos expressando e criando as bases de um Povo para criar uma Nação. Que essa Luz continue sempre clara a iluminar suas ideias.

    1. Silvestre Carlos Antunes Siqueira
      Silvestre Carlos Antunes Siqueira

      Perfeito Eduardo, muito bem dito, continuaremos lutando para criarmos as bases necessárias para formarmos uma Nação.

  3. Robson Oliveira Aires
    Robson Oliveira Aires

    Mais um artigo primoroso. Parabéns Constantino.

  4. MARIA DO CARMO DA COSTA SA
    MARIA DO CARMO DA COSTA SA

    Cada artigo que leio, sou instada por um íntimo desejo de fazer um comentário elogioso aos textos e análises. Eis mais um. Excelente!
    É que sou nova por aqui e ainda não me acostumei com jornalismo de qualidade. Parece que estou elogiando indiscriminadamente. Mas, não! Todos os jornalistas, analistas e articulistas são muito bons e já não via isso há tempo. Mais um pouco percorrendo esta ilha de excelência jornalística, e eis que me acostumarei com os profissionais que fazem seu trabalho sem militância, com apego aos fatos, reféns apenas da verdade e do cuidado com sua própria credibilidade.

  5. Claudio Haddad
    Claudio Haddad

    PARABENS CONSTANTINO….MUITO LÚCIDO E VERDADEIRO…PARTICULARMENTE NÃO ACREDITO EM RUPTURA SEM UMA REVOLUÇÃO ARMADA.

  6. Paulo Ferreira Dos Santos Junior
    Paulo Ferreira Dos Santos Junior

    Ótimo texto. De uma clareza hipnotizante.

  7. Ana Lúcia Kazan
    Ana Lúcia Kazan

    Muito bom, Rodrigo. Para os bilionários com contas na Suiça, não importa se o Lula estiver no poder, pois eles nunca perdem. Infelizmente é verdade: a esquerda tem sido eficiente em bagunçar o País e desequilibrar o governo do Bolsonaro que era nossa esperança de tirar a bandalheira do turno.

  8. Paulo Fernando Vogel
    Paulo Fernando Vogel

    Bolsonaro não representa a ruptura, ele É a ruptura. Esta a razão da reação. Percebam que TODOS os que o querem derrubar são os que perderam muitos intere$$e$ com sua eleição. Eles estão em busca do que acham que lhes foi tirado e só vão descansar depois de conseguirem.

  9. Jose Perugini
    Jose Perugini

    O que me assusta em toda esta situacao e ver pessoas supostamente com educacao olharem um presidiario como um presidente que apaoia sem restricoes um regime como a Venezuela. Em minha vida profissional vi a America Latina se curvar ao Chavismo. Muitos anos atras visitando Carasas vi Chaves na televisao das 9 da manha ate 5 da tarde discursando pela TV. Minha impressao era que Chavez nao passava de um Musolini latino americano. Despois desta onda vi paises como Venezuela, Ecuador, e outros pagarem um alto preco por este tipo de populismo. Falando como muitos profissionais na Venezuela pude ver a destruicao de um pais nas maos de uma ideologia retrogada e controlada por mais de 25,000 cubanos em posicoes chaves de governo. Porem mesmo depois de tudo isto em 2021 no Brasil vejo politicos, alguns empresarios, e jovens ainda olharem esta mesma ideologia retrogada como solucao para o Brasil.

  10. Erasmo Silvestre da Silva
    Erasmo Silvestre da Silva

    Só se alcança novos patamares, mudando os paradigmas

  11. Daryush Khoshneviss
    Daryush Khoshneviss

    Constantino, excelente artigo, como sempre!
    O boi é um animal manso – mas tenta encurralar um boi pra ver o que acontece.
    Infelizmente caminhamos nessa direção.

  12. Rui Licinio Filho
    Rui Licinio Filho

    Não se iludam: Luladrão, se eleito, será uma marionete nas mãos do STF. Se ele fizer xixi fora do penico, o STF vai mandar o Senado abrir um processo de impeachment contra ele (Eles conseguiram obrigar o Senado acibstaurara uma CPI, não esqueçam). E se isso não der certo, eles vão revalidar as condenações do Lula na Lava-Jato e colocá-lo na cadeia. Lula será apenas um instrumento para o STF oficializar a ditadura de toga. O Brasil não é mais uma democracia.

    1. Sebastiao Márcio Monteiro
      Sebastiao Márcio Monteiro

      Sinceramente? Não acredito em qualquer posicionamento beligerante do STF contra o carniça. A postura do Supremo é pela retomada do poder pelo mecanismo, do qual eles fazem parte. Simples assim!

  13. Marcio Bambirra Santos
    Marcio Bambirra Santos

    Em outras palavras: nosso país é puro rock’n roll.

  14. Luzia Helena Lacetda Nunes Da Silva
    Luzia Helena Lacetda Nunes Da Silva

    Clareza máxima esse seu artigo, Constantino.

  15. marise neves
    marise neves

    E pensar que somos tantos e o sistema tão pouco. Basta nos juntarmos e forçar uma mudança que mude essa roubalheira que além de sangrar nosso país, desanima muito nós o povo.

  16. Marcelo Gurgel
    Marcelo Gurgel

    O Estado brasileiro foi aparelhado pela esquerda por 20 anos escolhendo e colocando esquerdopatas nos cargos chaves do funcionamento do Estado. O establisment diariamente conspira contra o Governo Bolsonaro.

  17. Luis Ricardo Zimermann
    Luis Ricardo Zimermann

    O que Lula e o STF (quase todos indicados pelo PT) fazem não me surpreende (e acho que não surpreende a ninguém). O que assusta é o misto de concordância ou pelo menos complacência em relação aos desmandos judiciais brasileiros praticado pela “elite esclarecida” de nossa nação. Pessoas que deveriam expor a situação absurda que vivemos como o faz o brilhante Constantino preferem fazer de conta que é normal termos o comandante do maior esquema de corrupção que o país já viveu como candidato a presidente da república!

  18. Caubi Iram Ataide De Oliveira
    Caubi Iram Ataide De Oliveira

    Já chegou a hora de Bolsonaro mostrar a que veio. além do que já vem fazendo. Desaparelhar o poder executivo; Jogar duro com o STF (BATEU,LEVOU); apoiar bancada governista no combate aos congressistas socialistas; não abrir a guarda para a conversa fiada dos governadores progressistas, eles só querem dinheiro. Fortalecer os trabalhos de seus ministros. A educação precisa de ações radicais para evitar a perpetuação ideológica de Paulo Freire…

  19. Hipocrisia é Desvio de Caráter
    Hipocrisia é Desvio de Caráter

    Em qualquer opção, resta-nos prever um futuro sombrio.

    1. Teresa Guzzo
      Teresa Guzzo

      Constantino vc é fonte de luz e clareza.Fatos reais e análise perfeita.Leio sempre seus artigos para aprender.Os fatos reais são muitas vezes cruéis, espero que o Brasil encontre o caminho para a prosperidade, acho que um pouco já conseguimos.

      1. Francisco Pinheiro Gomes
        Francisco Pinheiro Gomes

        Soube algo sobre o resultado primário. QUE FOI uma boa notícia. Previsão de 50 bi ao invés de 170 bi. É isso mesmo? Obrigado.

  20. Osvaldo Nogueira
    Osvaldo Nogueira

    O sistema quer continuar sangrando o combalido povo brasileiro(hospedeiro).

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