Há quase um ano, bem antes da eleição presidencial norte-americana de 2020, muitos caminhos já mostravam que uma possível vitória da chapa Joe Biden e Kamala Harris tinha potencial para ser um desastre em várias áreas da política americana. Mas ninguém esperava que, perto de Joe Biden, Jimmy Carter — um dos piores presidentes da história dos EUA — pareceria moderado.
A economia, que, mesmo durante a pandemia, dava fortes sinais de recuperação nos últimos meses da administração Trump, atualmente enfrenta grandes desafios. A impressora de dinheiro (e fábrica de inflação) anda ligada 24 horas por dia em Washington. Há uma crise migratória e humanitária sem precedentes na fronteira sul. Estima-se que 2 milhões de imigrantes ilegais possam entrar no país apenas neste ano. Com sete meses no Salão Oval, a já desastrosa administração Biden ainda nos ofereceu o espetáculo da despreparada retirada das tropas norte-americanas do Afeganistão. Joe Biden deixou para trás não só mais de US$ 85 bilhões em equipamentos e veículos militares. Ele também desenhou um futuro sombrio para as mulheres afegãs.
Em reação aos atentados de 11 de setembro, os EUA e seus aliados invadiram o Afeganistão em 2001, para combater os terroristas da Al Qaeda. Com isso, criaram um clima de liberdade inédito no país. Desde então, uma geração de meninas cresceu seguindo o modelo das primeiras corajosas afegãs que estudavam, dirigiam, usavam maquiagem, praticavam esporte e eram livres para sonhar e trabalhar. Em 2016, a equipe nacional feminina de ciclismo foi até indicada ao Prêmio Nobel por um grupo de políticos italianos. As atletas afegãs começaram a competir no exterior e tinham esperança de participar da Olimpíada de Tóquio. Até que a terrível situação com a segurança em seu país interrompeu o sonho.
Apedrejadas até a morte
O Talibã vê os esportes femininos como um sacrilégio, e os membros de suas famílias como traidores. O que essas mulheres incríveis fizeram para quebrar inúmeras barreiras também acabou colocando um alvo em suas costas. Com a retirada das tropas americanas do país nessa semana, milhares de profissionais autônomas, professoras e até ex-atletas enfrentarão um futuro sombrio. Quem conseguiu fugir do país reporta que mulheres estão queimando material de trabalho, pesquisas, roupas, diplomas e equipamentos esportivos para esconder o fato de que uma vez sonharam com caminhos melhores.
Quando o Talibã esteve no poder pela última vez, entre 1996 e 2001, as mulheres no Afeganistão não tinham permissão para deixar suas casas, exceto sob condições estritamente definidas. Eram forçadas a se vestir com burcas que cobriam seus corpos da cabeça aos pés. Foram proibidas de votar, trabalhar ou receber qualquer educação após os 12 anos de idade. Elas não podiam transitar em público sem um tutor do sexo masculino. Não era raro testemunhar chicoteamentos e espancamentos de quem violasse essas leis. Escravidão sexual também fazia parte do regime do Talibã. Mulheres acusadas de adultério eram apedrejadas até a morte.
Depois da invasão dos Estados Unidos em 2001, as restrições ao sexo feminino diminuíram. Um forte movimento foi gerado e apoiado por grupos e doadores internacionais, o que levou à criação de novas proteções legais. Em 2009, a Lei para Eliminação da Violência Contra as Mulheres criminalizou o estupro, a agressão e o casamento forçado, além de tornar ilegal qualquer tentativa de impedir que mulheres ou meninas trabalhassem ou estudassem.
Desde o começo de agosto, à medida que o Talibã retomou o controle sobre seu novo emirado islâmico no Afeganistão, grande parte das mulheres desapareceu das vias públicas. Os extremistas as forçaram a deixar seus empregos e suas casas, encerrando 20 anos de progresso em direção à liberdade e à igualdade. Ativistas de direitos humanos dizem que ainda não têm certeza se o Ministério dos Assuntos da Mulher vai reabrir. Nesse ínterim, o apoio internacional a programas para mulheres foi suspenso. Fontes do setor não podem dizer quando ou se ele será retomado.
Sororidade hipócrita
O que sabemos até agora é que os talibãs não permitiram que as mulheres retornassem a seus empregos normais, nem no governo. Algumas apresentadoras de noticiários de televisão foram forçadas a vestir roupas que cobrem quase todo o corpo e obrigadas a abandonar seus postos. O editor sênior de uma estação de TV privada reportou que o Talibã o pressionou para remover mulheres de seus cargos e tirá-las do olhar do público.
Será que perdi a campanha de Oprah Winfrey para angariar fundos para o resgate dessas mulheres?
Axana Soltan, que dirige uma pequena organização sem fins lucrativos de apoio a mulheres afegãs nos Estados Unidos, disse que alguns de seus parentes passaram a acreditar que a morte é preferível à vida sob o bárbaro regime do Talibã: “As mulheres no Afeganistão se sentem abandonadas, sem esperança, incertas quanto ao futuro e traídas. Falei com várias primas, e elas disseram que não têm esperança quanto ao futuro das mulheres afegãs. Uma delas descreveu sua condição como ‘viver dentro de um buraco negro de desesperança’ “, disse Soltan.
Diante de mulheres e meninas que viverão como se tivessem voltado aos tempos medievais, fica a pergunta: onde estão as feministas para dar voz a essas mulheres e condenar a bestialidade do Talibã? Onde estão as mulheres que queimavam sutiãs “contra o patriarcado”? Onde estão as atrizes famosas de Hollywood, que só depois de juntar milhões de dólares em suas contas levantaram a voz contra produtores poderosos e predadores sexuais? Onde está Hillary Clinton, a ex-primeira-dama americana que permanece casada com um predador sexual cujos rastros ajudou a esconder? Onde estão Madonna, Alexandria Ocasio-Cortez, Meryl Streep, Alyssa Milano? Lady Gaga, por onde andas que não apareceu até agora para compor uma canção sobre as mulheres do Afeganistão? Será que perdi a campanha de Oprah Winfrey para angariar fundos para o resgate dessas mulheres?
Há uma série na Netflix, uma joia perdida entre muito títulos, chamada She-Wolves: England’s Early Queens (“Lobas: as primeiras rainhas da Inglaterra”, 2012), criada e estrelada pela historiadora ph.D. de Cambridge e escritora Helen Castor. A série é uma viagem fascinante pela trajetória de algumas das mulheres mais extraordinárias da monarquia britânica, daquelas que realmente desafiaram o poder, as injustiças, as convenções e que fizeram história. Feminismo raiz, e não de butique, que prega apenas o ódio contra os homens “opressores” do Ocidente, justamente aqueles que ajudaram a construir os tempos mais livres da história da humanidade.
Logo no primeiro episódio somos apresentados à mais antiga das “lobas”, chamadas assim até por Shakespeare: Matilde de Flandres (1031-1083), primeira mulher a exercer o cargo de rainha britânica com autoridade e não apenas como esposa decorativa do rei. A série ainda relembra Leonor de Aquitânia (1122-1204), Isabel da França (1295-1358), Margarida de Anjou (1430-1482), Joana Grey (1536-1554), Maria I (1516-1558) e Elizabeth I (1533-1603). Cada capítulo nos transporta para uma história de mil anos que mostra mulheres que, para muitos deslumbrados e desavisados de hoje, aparentemente nunca existiram. Porque jamais aceitariam essa sororidade hipócrita de hoje ou qualquer pedágio ideológico para merecer proteção. O tíquete para a relevância nos livros de história não se compra nos guichês de partidos políticos nem nos despachantes engajados de parte da imprensa.
As lobas de Helen Castor e as mulheres que, na quietude de seus anonimatos, inspiram aquelas que lutam contra regimes bárbaros, essas, sim, estão a salvo de modismos passageiros e fúteis e das ideologias revolucionárias de auditório. Seus nomes serão lembrados muito tempo depois que a geração da indignação seletiva tiver desaparecido.
Leia também “O fiasco de Joe Biden”
Quem sabe se, ao invés de transformar Jimmy Carter em bode expiatório, apelasse às feministas russas (haha, até ficou parecendo verdade), as afegãs estariam salvas.
Mas onde estão as chatas que defendem tudo e nada?
Excelente Texto!
Excelente texto. Parabéns Ana.
Perfeito
Parabéns Ana Paula!
Espetáculo de texto. Colocações perfeitas . Tu realmente me orgulha e me representa. Odeio o feminismo de butique, de holofotes e palcos. Mulheres de verdade vão a luta e não são rivais dos homens, caminham ao lado. Não vi nenhuma destas “revolucionárias” fazer nada contra a tirania Talibã . Elas tem indignação seletiva, com selo de partido políticoe ideologia. Futeis e fakes como seus cérebros.
Ana Paula, como sempre maravilhosa!!!
Eita! Como se diz aqui no sertão nordestino: BOTOU FURANDO! Parabéns, grande ANA.
Extraordinário texto, rainha Ana Paula #5!
Fui procurar “She-Wolves: England’s Early Queens” na Netflix e não está mais disponível. É uma pena.
Isso me dá muita raiva!
Parabéns pelo texto, Ana Paula.
Excelente texto. A maioria das rainhas na Inglaterra é Escócia colocaram a coroa na cabeça e REALMENTE governaram. Hoje, as Velhas de Hollywood, ganham a vida fazendo mais 5 minutos de sucesso acusando alguns cineastas abutres e ABUSADORES.
Muito lúcida e impactante sua-nossa indignação
Querida: mais uma vez gostamos de teu texto. Irrepreensível! Fiquei mais contente que citaste uma das mulheres da Idade Média que é minha ancestral… está na genealogia de uma família bem brasileira miscigenada. Entre as feministas “pau de araque” aqui do Brasil existem também artistas e políticas de língua solta, cérebro de chuchu e alma de pedra. Imagine a Maria do Rosário e algumas celebridades da globo se reunirem e irem até o Afeganistão para tentar discutir um termo de libertação das mulheres… Sobre o Biden, amigos que moram aí falam coisas piores.
Como sempre, ótimo! Parabéns!
Obrigado por compartilhar uma visão tão lúcida de uma realidade tão triste. Onde tudo isso vai parar?
Excelente artigo, como de praxe.
Quanto à série mencionada, não encontrei no catálogo da Netflix aqui no Brasil.
Excelente artigo Ana Paula. Merece ser traduzido para o inglês (e para mais línguas) e ser amplamente divulgado. Parabéns!
Artigo magnífico Ana Paula,li absolutamente tudo que se tem por aqui sobre o Afeganistão.Um País que em pleno século vinte e um,oprime,tortura e explora sua população.Voltamos ao marco zero depois da insanidade de Biden ao retirar sua tropa militar da maneira como fez,deixou em solo afegão muitos americanos.O terrorismo ganhou novamente, banho de sangue em Cabul e Kandahar.
Concordo plenamente
É notável que vivemos de fato em uma sociedade ginocentrista e feminina.
A tragédia com relação às mulheres é evidente e real, porém, se fala APENAS sobre isso. Em momento algum, se questionou sobre os homens mortos, torturados, presos e que pereceram no combate ao Talebã, atualmente bem como nos últimos 20 anos.
Será que somente as mulheres importam, embora sejam os homens que sempre acabem tendo que lutar e combater o mal nas linhas de frente?
Ana, mais uma vez, parabéns.
Talibã, Al-Qaeda, Boko Haram, Irmandade Muçulmana e muitos outros são sómente soldados do Islã. Perene com sua jihad que só terminará no último dia. É uma patologia não uma religião.
Ótimo texto.
Excelente Ana Paula!