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Árvore de lapacho rosa, na estrada Transpantaneira, Pantanal Matogrossense | Foto: Roberto Tetsuo Okamura/Shutterstock
Edição 77

A beleza dos ciclos celestes

No 22 de setembro, equinócio, faça chuva ou faça sol, o dia durará 12 horas. E a noite também

Evaristo de Miranda
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O clima nas regiões tropicais é um relógio: chove no verão e o auge da seca é sempre no inverno. Ele não é caótico, nem é essa incerteza toda apregoada por alguns. Aproxima-se o equinócio de primavera, em 22 de setembro. Será o fim do inverno e da estação seca, tanto aqui como no Peru, na Namíbia, em Moçambique ou Timor. Se nos trópicos o máximo das chuvas é sempre no verão, em climas temperados chove no inverno. O povoador português trouxe a expressão “inverno”, como sinônimo do tempo das chuvas. No Nordeste e em outras regiões, quando os agricultores falam do “inverno”, da estação chuvosa, eles estão falando do verão.

Mesmo nos cenários mais catastróficos, projetados por “especialistas” sobre o futuro do clima no planeta, ninguém chegou a ponto de sugerir mudanças no regime das chuvas ou nas estações. A dinâmica física da atmosfera é colocada em ação por quantidades colossais de energia solar e sua absorção, principalmente pelos oceanos. A Terra tem quatro estações pelo fato de seu eixo de rotação ser inclinado 23 graus e 27 minutos em relação ao plano eclíptico, o de sua translação em torno do Sol, e se manter paralelo a si mesmo ao longo do ano. Se o eixo de rotação fosse perpendicular, não haveria estações. Apenas um gradiente de calor entre o equador e os polos.

Flutuações e riscos climáticos fazem parte do cotidiano do mundo rural em todo o planeta. Com tecnologias e inovações da pesquisa agropecuária, produtor e produção estão cada vez mais resilientes e adaptados diante dos humores climáticos. Se “clima” do ano reduz o tempo ou a janela de plantio, máquinas modernas permitem semear rapidamente e com precisão. Se temperatura e umidade favorecem fungos, existem defensivos adequados para controlar a situação, sem quebra na produção. Novas variedades de cereais e leguminosas são mais resistentes a veranicos e seca. Sua fisiologia é mais eficiente no uso da água e possuem um enraizamento profundo. E o controle eficaz das ervas pelo produtor ajuda a conservar a água.

São muitas novas tecnologias para reduzir o risco climático na agricultura de sequeiro, sem falar da irrigação, estufas e outros ambientes controlados de produção. Mesmo se recorrer a essas tecnologias pode aumentar o custo de produção, não cabe ser fatalista ante as flutuações climáticas. Com práticas do neolítico, como defendem alguns, a agricultura não enfrentará as incertezas climáticas. Cabe, sim, agir com tecnologias, ciência e consciência.

Estrutura de estufa para a produção de morangos orgânicos no sul do Brasil | Foto: Xico Putini/Shutterstock

A meteorologia ou o “tempo” de cada ano nunca é favorável ou desfavorável a todos os cultivos. O verão e o outono mais secos no Sul e Sudeste neste ano prejudicaram os grãos, em particular o milho safrinha. Mas favoreceram uma produtividade excepcional nos arrozais irrigados do Rio Grande do Sul e uma grande qualidade na produção de flores, por exemplo.

Tecnologias, inovações e conhecimentos são sinônimos de capacidade de enfrentar as incertezas climáticas. Terrorismo climático não ajuda. Os produtores precisam de soluções tecnológicas concretas e viáveis no curto prazo. Os cientistas e a pesquisa agropecuária devem se aplicar em gerar mais alternativas tecnológicas para mitigar os riscos climáticos. E não apenas simular hipóteses climáticas, inverificáveis para daqui 50 anos.

Plantação de crisântemo, em Holambra | Foto: Roberta Blonkowski/Shutterstock

Os produtores ajudarão a salvar o planeta para as gerações futuras, mas como salvar a próxima safra? Farão o possível para garantir temperaturas amenas em praias e cidades no século 22, mas como enfrentar o risco climático hoje? Nesta primavera devem apostar em variedades de ciclo curto ou longo? Devem gastar mais em máquinas, informatização ou genética para enfrentar o álea climático? Como a meteorologia prevê a próxima primavera?

No 22 de setembro, equinócio, faça chuva ou faça sol, o dia durará 12 horas. E a noite também. No Brasil, Europa, Austrália, Japão, Canadá e Polo Sul. Em todo o planeta. Equinócio vem do latim aequinoctĭu, a igualdade dos dias e das noites. Todo dia, o Sol nasce a leste e se põe a oeste. No equinócio, ele nasce no leste. Exatamente no ponto cardeal leste. E se põe no ponto cardeal oeste. Bom para calibrar bússolas! Apontem para a Oeste.

Nesse dia, o Sol a pino traçará no solo a linha do equador. Postes não terão sombra ao meio-dia na região equatorial, como em Macapá. Ali será possível ver o disco solar no fundo de um poço ao meio-dia, algo impossível em Santa Catarina ou Rio Grande do Sul, onde o Sol nunca vai a pino. Por seis meses, ele esteve a pino na zona tropical do Hemisfério Norte, deslocou-se para o Trópico de Câncer e retornou ao equador. Do equinócio em diante, ele se deslocará para o Sul até o solstício de verão no final de dezembro, no Natal.

Sol nascendo num campo de soja | Foto: Shutterstock

Para as civilizações do Hemisfério Norte, o equinócio de primavera era muito significativo. O ano babilônico, egípcio, grego e romano começava no equinócio de primavera boreal. Lá pelo 20 ou 21 de março. Para a tradição judaica, nesse dia, Deus criou o Universo. O dia da Criação ou do Big Bang.

Que Jesus nasceu um dia, ninguém nega. Para fixar e festejar a data, com os ciclos cósmicos, a Igreja ficou em 25 de março, no equinócio de primavera boreal, a anunciação e a concepção de Maria. O dia da Nova Criação. Nove meses depois, nasceu Jesus, em pleno solstício. A Rua 25 de Março, centro comercial paulistano, relembra a Imaculada Conceição e a criação legal do Brasil, em 1824, quando Dom Pedro I outorgou a primeira Constituição.

Podem-se plantar árvores o ano todo. Na primavera, chuvas e luz ajudam

O cristianismo deslocou o início do ano do equinócio de primavera austral para o tempo da manifestação pública do Senhor: 1º de janeiro. Resultado: o mês 7, setembro, virou 9 no calendário. O mês 8, outubro, virou 10, e por aí vai. Em Portugal, o cristianismo foi mais longe. São Martinho de Dume, húngaro de nascimento, fecundo escritor e famoso bispo de Braga, por volta do ano 560, mudou o nome dos dias da semana. Seria indigno de cristãos chamar os dias por nomes pagãos: lunae dies, martis dies, mercurii dies… saturni dies e solis dies. São Martinho usou a terminologia eclesiástica para designá-los: segunda-feira, terça-feira… sexta-feira, sábado e domingo. O português foi a única língua latina a substituir a terminologia pagã pela cristã na semana. Sinal da profundidade e do alcance da cultura cristã em terras lusitanas. Até os nomes pagãos dos planetas São Martinho tentou cristianizar, sem o sucesso obtido nos dias da semana. Se conseguisse, onde teria parado o bispo de Braga? Mudando o nome de continentes, países… Vai saber.

O dia da árvore (e do fazendeiro) antecede o do equinócio de primavera. Lembra o tempo de plantar árvores, em cidades e fazendas. É comum promoverem plantios em campanhas escolares, municipais e empresariais no Dia Mundial do Meio Ambiente (5 de junho). Data importada. No hemisfério boreal, lá no Norte, é primavera. Faz sentido plantar árvores. Aqui não. As mudas sofrem com secas e queimadas. Poucas sobrevivem. Podem-se plantar árvores o ano todo. Na primavera, chuvas e luz ajudam.

A beleza dos ciclos celestes está no trabalho rural, ao cultivar a terra no ritmo da natureza. Um produtor japonês de Apiaí, São Paulo, certa vez me disse: “Na agricultura, todo ano é primeiro ano”. A cada ano, tudo recomeça. Boa safra o ano passado não garante nada neste ano. Como no Sol de Primavera, de Beto Guedes, as chuvas virão. Os produtores, como sempre, preparam máquinas, sementes e planejam. Deus ajuda quem cedo madruga. Face aos riscos e desastres climáticos, e até desta vida passageira, cabe recordar a orientação do regimento das naus portuguesas do século 16: “Prepara-te para o pior, espera o melhor e cuide do que vier”.

Leia também “Nas festas juninas, a tradição rural invade a cidade”

21 comentários
  1. ANGELO MANSUR MENDES
    ANGELO MANSUR MENDES

    A conectividade entre clima e agricultura, isso é um fato, porém o Dr. Evaristo nos convida a entender melhor e assim, os conhecimentos científicos e populares encontram-se numa linguagem que nos enriquece. Muito obrigado por mais um interessante texto.

  2. Robson Oliveira Aires
    Robson Oliveira Aires

    Mais um brilhante texto do Prof. Evaristo. Que aula. Parabéns Prof. Evaristo.

  3. Alice Helena Rosante Garcia
    Alice Helena Rosante Garcia

    Pronto ! Agora vou ter que ir a Macapa para ver que nao haverá sombra de postes no dia 22 de setembro !!
    O Evaristo nos remete a cenários numa antes imaginados. Nos presenteia sempre com seus artigos geniais. Aprendi sobre os meses e sobre a sempre maravilhosa presença de Jesus nas nossas vidas. Grata

  4. Verbena Neves Reis
    Verbena Neves Reis

    Ilustre Mestre Evaristo! Com toda sua sensibilidade e conhecimento vc nos deu uma verdadeira aula do movimento climático, das estações do ano sua influência na Agricultura, no momento do plantio e da colheita. MUITO lindo a foto do sol nascendo em um campo se soja.
    Como é lindo ver a floração dos Ipês, a natureza tem o seu Rito de sabedoria.
    Aprendi muito com seu belo artigo, na conexão natureza,ciência e total sabedoria do Criador.
    Para este artigo vc o escreveu com toda sua Mística..

  5. Nelson Ramos Barretto
    Nelson Ramos Barretto

    “No 22 de setembro, equinócio, faça chuva ou faça sol, o dia durará 12 horas. E a noite também”. Quanta explicação e ensinamento da natureza neste extraordinário artigo do Dr. Evaristo. Diferente de certos ambientalistas que se acham “professores de Deus”. O cientista com humildade e observação estuda as leis da natureza e faz essa multiplicação das colheitas.

  6. Flavio Pascoa Teles De Menezes
    Flavio Pascoa Teles De Menezes

    Professor Evaristo, sempre um colírio para os olhos e um deleite para a mente, seus artigos.
    É o que acontece quando a erudição, o bom senso e o espírito atilado convivem em uma mesma pessoa!

    1. Gustavo Amaral
      Gustavo Amaral

      Show! Que venha a nova safra, com recorde de produção, preservação, emprego e renda para o povo brasileiro. Fé é o que move nosso Agro.

  7. Elcio Tau
    Elcio Tau

    Parabéns Evaristo, como sempre, um banho de cultura para todos.

  8. José Menezes
    José Menezes

    Prof. Evaristo. Seus artigos sempre repletos de ensinamento nos trazem satisfação e uma melhor compreensão da época em que vivemos.
    Meus agradecimentos

  9. Luiz Gonzaga Neto
    Luiz Gonzaga Neto

    Excelente como sempre este artigo do nosso grande pesquisador e escritor Evaristo de Miranda. Adoro essa ligação entre natureza, ciência e espiritualidade, que ele persegue muito bem e de forma fecunda. Parabéns também à revista.

  10. Alan Coelho de Séllos
    Alan Coelho de Séllos

    Verdadeira prece, que inspira e renova a esperança. Obrigado, Professor Evaristo!

  11. Claudio Haddad
    Claudio Haddad

    PARABENS EVARISTO….CLARO E CONCISO COMO SEMPRE

  12. Cláudio Francisco Orlando
    Cláudio Francisco Orlando

    Banho de cultura, parabéns.

  13. Antonio Carlos Neves
    Antonio Carlos Neves

    Muita sabedoria, e frequentemente enaltece nosso agronegócio. Não entendo porque não é destaque brasileiro na diplomacia com o exterior tão necessária nesta guerra do clima, meio ambiente e produtividade detonada por ONGs internacionais e por maus brasileiros outrora no poder.

  14. Jose Luiz Fritscher
    Jose Luiz Fritscher

    Parabens pelo artigo. Coloca bem como a natureza segue seu ciclo.

  15. Francisco de Assis Bonfati
    Francisco de Assis Bonfati

    Dr. Evaristo, quanto aprendizado em apenas uma coluna de revista. O Sr. tem uma maneira leve de nos passar as informações.
    Ler (e reler) a sua coluna na Revista Oeste é um dos meus momentos de prazer.
    Eu acabei de ler em voz alta para a minha esposa durante o nosso café da manhã deste domingo. Parabéns!

  16. PATRICIA DE OLIVEIRA ZAMBRANO
    PATRICIA DE OLIVEIRA ZAMBRANO

    Aprendo demais com você. Obrigada

  17. Edson Carlos de Almeida
    Edson Carlos de Almeida

    Show ! muito instrutivo .

  18. Manoel Graciano
    Manoel Graciano

    Quase todos os artigos da Oeste são ótimos, porém o artigo do Evaristo é o máximo.

  19. Silvia Passos
    Silvia Passos

    Adoro sua coluna!! Quanto aprendizado!!

    1. Rosângela Baptista da Silva
      Rosângela Baptista da Silva

      Concordo com vc, Silvia. Toda semana temos uma verdadeira aula. Todas interessantíssimas. Obgd, Sr. Evaristo.

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