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Claudia Leitte no trio elétrico, no Espaço das Américas, em São Paulo. O show aconteceu neste sábado, dia 27/11 | Foto: Reprodução/Twitter
Edição 89

Para a hipocrisia não há vacina

Claudia Leitte, fofa, estava cantando num trio elétrico em São Paulo para uma multidão que respeitava o distanciamento de 5 centímetros

Ana Paula Henkel
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O ano é 2037. Antony Fauci diz que apenas tomando a 92ª dose da vacina contra a covid-19 você poderá ajudar o mundo a não entrar em colapso. Com base em estudos feitos por John Ioannidis, professor da Universidade de Stanford, na Califórnia, sabemos que estamos lidando com um vírus que tem uma taxa de mortalidade por infecção (IFR) de 0,05 em pessoas abaixo dos 70 anos de idade, mas isso não importa. Se você não ouvir a imprensa de necrotério (como diz Augusto Nunes), não ficar em casa, não tomar quantas doses de vacinas experimentais forem necessárias ou ousar caminhar ao livre sem máscara, você é um ser humano desprezível, egoísta, que não pensa no bem-estar do mundo. Mesmo que o mundo esteja vacinado e usando máscaras.

A cartilha da bondade tirânica está em curso desde o começo de 2020. Igrejas, escolas, parques, comércio, jogos, casamentos, festinhas de criança, esportes… Tudo, tudo, tudo fechado. Afinal, para matar o vírus também é preciso assassinar o bom senso. Isolamento, distanciamento, máscaras, depressão, vacinas experimentais, cirurgias adiadas, CPI fake e mentiras. A economia a gente vê depois — assim como falências, pobreza e fome. Tudo no pacotão do “loquidaun” do bem. É a elite global e sua assessoria de imprensa — a própria imprensa — colocando o mundo em mais uma rodada de pânico, agora com a cepa africana.

Só não entramos em pânico absoluto — ainda — porque nossos governantes dão o exemplo a ser seguido. João Doria, Mandetta, Gavin Newsom, Nancy Pelosi, Joe Biden… Até Claudia Leitte, fofa, que nesta semana estava cantando num trio elétrico em São Paulo para uma multidão que respeitava o distanciamento de 5 centímetros, fez coro com a bondade draconiana. Claudinha, que já gravou vídeos pregando que sem máscaras você é alguém que não se importa com a vida, estava sem máscara. Mas era pelo bem da alegria do Carnaval que se aproxima. Ah, bom… Claudinha estava apenas preocupada com vidas humanas felizes que queriam beijar na boca e pular suadas no calor humano do trio elétrico. Covid? Quem? Não, gente! Pandemia para ti. Não para mim.

Você não estava em São Paulo? Foi lindo! “Estamos juntos nessa”, a frase que ouvimos durante quase dois anos de anunciantes na TV, corporações, amigos nas redes sociais e, é claro, governadores e prefeitos no combate à pandemia, ficou meio perdida ali, naquela multidão cantando com Claudinha. Fofa. “Estamos juntos nessa”, na aglomeração do trio de Claudinha, porque hoje sabemos que, na pandemia, a palavra de ordem dos políticos e de suas celebridades pets é outra: “VOCÊS estão todos juntos nisso”.

Lockdowns gourmet

Desde março de 2020, o mundo vem sendo presenteado com histórias e mais histórias de políticos e burocratas implementando mandatos ou diretrizes restritivas do coronavírus, apenas para serem pegos violando essas medidas. As pet celebridades idem. Basta correr os olhos pelas redes sociais para testemunhar que a vida dessa turma se divide entre lockdowns gourmet e eventos que não seguem os protocolos básicos que tanto martelam em suas contas verificadas. Ora, quem não se lembra do governador de São Paulo, João Doria, trancando o Estado e indo passear na Flórida, aberta desde setembro de 2020? O Estado governado pelo republicano Ron DeSantis tem hoje o menor índice de contaminação entre todos os 50 Estados americanos e é o segundo índice mais baixo em hospitalizações, mesmo com apenas 61% da população vacinada. Liberdade com responsabilidade.

Já na outra costa dos Estados Unidos, na república soviética da Califórnia e seus intermináveis lockdowns, vacinação obrigatória e uso de máscaras 24 horas por dia, os números negativos não dão trégua desde 2020. E quem não se lembra do jantar chiquérrimo do governador Gavin Newsom com mais de 15 pessoas em um restaurante fechado, onde todos estavam sem máscaras e amontoados em volta da mesa? Ou a ida de Nancy Pelosi a um salão de beleza durante a proibição do funcionamento de estabelecimentos comerciais?

Você poderia pensar que, depois que um punhado desses relatos ganhou as manchetes, nossos “líderes” entenderiam a dica de fazer o que pregam. No mínimo, talvez, eles ficariam mais cautelosos em exibir seus próprios decretos ou se esforçariam mais para não serem pegos. Recentemente, a Heritage Foundation lançou uma plataforma chamada “Covid Hypocrisy” (A hipocrisia da covid), uma ferramenta abrangente e interativa que documenta casos de políticos que violaram seus próprios decretos e restrições ao coronavírus. Olha aí uma boa ideia para ser copiada no Brasil! A ferramenta não é usada apenas para uma exposição política no melhor estilo “Te peguei!”. Trata-se sobretudo de proteger e restaurar a confiança nas instituições de governo.

O brasileiro é resiliente por natureza diante de qualquer desafio. Nunca tivemos uma revolução como a Francesa ou a Americana, mas já passamos por bons bocados e mostramos uma resistência digna dos melhores livros de história. No entanto, depois de quase dois anos de lockdowns forçados, fechamento de escolas, igrejas, locais de entretenimento e meios de subsistência perdidos, governantes deveriam viver como todos nós, de acordo com o conjunto de regras estapafúrdias que parece não se aplicar àqueles em posições de autoridade. Será que é pedir muito que esses políticos mostrem o senso mais básico de integridade? Ok, a pergunta foi retórica. O problema é que as intermináveis violações da confiança das pessoas são muito mais prejudiciais do que apenas sinais de hipocrisia. Esses políticos minam nossas próprias instituições e a confiança do cidadão nelas.

Talvez em nenhum outro momento tenha sido mais importante para os brasileiros confiar em nossos líderes e acreditar que eles desejam o melhor para nós, principalmente diante de uma insegurança jurídica histórica a que somos submetidos diariamente por parte do novo “Poder Moderador”, o Supremo Tribunal Federal. Lá fora, o mundo está ficando cada vez mais perigoso, e o princípio mais importante depois do direito à vida — o direito à liberdade — está sendo sufocado a passos largos. A lista de desafios que encaramos todos os dias fica mais longa. Se realmente desejamos enfrentar esses desafios e superar o que, sem dúvida, são obstáculos e adversários descomunais, nossos governantes terão de desempenhar um papel vital na liderança do país.

É óbvio que a hipocrisia em altos cargos não é novidade. Mas quando funcionários do governo — nossos funcionários — violam as regras da covid estabelecidas por eles próprios, não estão apenas mostrando ao país que são desonestos. Estão demonstrando que as regras não são tão importantes quanto dizem — e que as instituições não são sólidas o bastante para estar acima de suas vontades. Diante do declínio da confiança entre as instituições, os meliantes de alto escalão pioram o problema quando dão provas tangíveis de que não merecem confiança. Isso torna mais difícil convencer as pessoas a se sacrificarem.

O controle social através do pânico tornou-se a vacina do poder contra homens livres

O mais preocupante, no entanto, é o que faz com que as pessoas percam a confiança no sistema como um todo e a essencial convicção para o devido funcionamento de uma república. A hipocrisia dos políticos não apenas mina sua credibilidade pessoal, mas também prejudica o já frágil sistema de confiança que faz a sociedade funcionar. Se houvesse apenas incidentes esparsos de políticos infringindo as regras, poderíamos atribuir isso a apenas algumas maçãs podres. Mas estamos vendo um padrão duplo em todo o sistema.

No Brasil, governadores e prefeitos impuseram restrições draconianas e as desprezaram sem pestanejar no momento em que elas se tornaram inconvenientes. Como podem esperar, portanto, que os cidadãos comuns se comportem de maneira diferente? Se o dano à reputação pessoal é o problema imediato — e o único com o qual eles parecem se preocupar —, a questão intermediária é o dano causado à esfera médica e científica. Especialistas sérios em saúde pública concordam que o distanciamento social pode reduzir a propagação do vírus — e há razão em dizer às pessoas para terem cautela —, mas quando políticos desconsideram esses próprios avisos, isso faz com que se pense que a coisa toda pode ser falsa. As ações imprudentes dos políticos causarão maiores problemas de saúde pública no futuro do que o próprio vírus.

O efeito a longo prazo dessa hipocrisia nem mesmo se limitará à comunidade médica e científica. Ver políticos quebrando suas próprias regras constantemente minou a fé no governo e nas elites. No livro Trust in a Polarized Age (“Confiança em uma Era Polarizada”), o professor Kevin Vallier explica que “a queda da confiança política dificulta a formulação de políticas públicas eficazes, pode ameaçar o governo democrático e a estabilidade política, além de gerar desigualdades excessivas de poder, corrupção e violações de direitos básicos”. A sociedade exige confiança, e a hipocrisia flagrante no topo a destrói de maneira quase irrecuperável.

Ainda não há vacinas que evitem totalmente a transmissão do vírus chinês. A pandemia também mostrou que não há vacinas contra a hipocrisia. Entre os muitos mortos pelo mundo, a covid também matou a capacidade de pedir desculpas e a humildade em reconhecer erros por um bem maior. O controle social através do pânico tornou-se a vacina do poder contra homens livres.

Leia também “Assassinar a justiça em nome do poder”

15 comentários
  1. Hugo Ferreira Saar
    Hugo Ferreira Saar

    Não existe vacina contra a hipocrisia, que nada mais é do que praticar aquilo que se condena, todavia, existe o remédio, que é a exposição da verdade.

    O artigo nós trás uma dose dele.

  2. Robson Oliveira Aires
    Robson Oliveira Aires

    Excelente texto. Parabéns. A parte final do artigo foi a melhor de todas. Reproduzo aqui: “O controle social através do pânico tornou-se a vacina do poder contra homens livres”.

  3. Paulo Gustavo Pinto Cesar De Carvalho
    Paulo Gustavo Pinto Cesar De Carvalho

    “Fofa!” foi demais!!!! Parabéns Ana Paula!

  4. COLETTO ASSESSORIA EM SEGURANÇA DO TRABALHO LTDA
    COLETTO ASSESSORIA EM SEGURANÇA DO TRABALHO LTDA

    NOVA..GENOCIDA OU NÃO???.

  5. Paulo jacomo negro
    Paulo jacomo negro

    Retrato fiel da realidade , para onde caminha a humanidade ? não sabemos .
    Mas sabemos que nossa liberdade corre perigo .
    O egoísmo é uma tragédia .

  6. Renata Mumme Pesciotto
    Renata Mumme Pesciotto

    SENSACIONAL, Ana Paula!
    Outra palavra que me marcou nessa pandemia: INCOERÊNCIA!

  7. Erasmo Silvestre da Silva
    Erasmo Silvestre da Silva

    Será que alguém da NOM, alguém dos 100 mil membros do PCC chinês, alguém dos comandos dos governos, alguém dos laboratórios farmacêuticos, tomou essa vacina ?
    Nós somos a unidade de rebanho, isto é, somos o gado de corte, os humanos vacinados que estamos no corredor da morte, mais cedo ou mais tarde. É a agenda 2030

  8. Luiz Americo Lisboa Junior
    Luiz Americo Lisboa Junior

    No Brasil a hipocrisia é tão grande que inventaram até o carnaval sem aglomeração.

  9. Natália prado Nogueira Brandão
    Natália prado Nogueira Brandão

    Sensacional!

  10. Paulo Fernando Vogel
    Paulo Fernando Vogel

    A Ana toca no que vemos, e o que vemos não é o que toca pra “eles”. Nos meus 50 anos de experiências de vida pessoal, profissional e empresarial, aprendi que somos, em essência, egocêntricos(*) em princípio, altruístas e generosos, eventualmente. A base da hipocrisia de políticos é o interesse próprio na preservação das benesses imediatas e futuras. Uma pandemia como esta tem criado quase diariamente as mais diversas “oportunidades” para “sendo o feijão pouco ou farto” o meu primeiro (estou sendo o mais educado possível!!).

    (*) O que não significa obrigatoriamente prejuízo para outro indivíduo.

  11. Sandro Luis Batista Soares
    Sandro Luis Batista Soares

    Querida Ana, você esqueceu de mencionar a primeira dama da Argentina, que foi o país com um trancamento mais duradouro. A festa que ela fez na sede do governo.

  12. Vanessa Días da Silva
    Vanessa Días da Silva

    O que me assombra é ver que quem está no comando da pandemia, não só no Brasil, mas no mundo todo, que deveria ter uma visão técnica e conhecimento científico, ou não sabe nada ou age de má fé.

  13. Gilberto de Oliveira Novaes
    Gilberto de Oliveira Novaes

    O discurso seletivo e oportunista é um expediente antigo.
    O que incomoda mesmo é constatar a quantidade enorme de pessoas que deixam a inteligência e bom senso de lado para aderir às opiniões dos oportunistas, capitaneados pelas grandes mídias, como a Rede Globo.

  14. Carlos André Lopes Borges
    Carlos André Lopes Borges

    O Dória também veio ao Rio de Janeiro para ficar sem máscara tomando sol, junto a inúmeras cadeiras a beira da piscina, sem máscara obviamente.

  15. Arlete Pacheco
    Arlete Pacheco

    ARTIGO EXCELENTE! O MAL DE MUITOS POLÍTICOS É QUE ELES SEQUER SABEM
    COMO SE COMPORTAR DIANTE DA RESPONSABILIDADE SOCIAL QUE ASSUMIRAM!!!
    SUA VISÃO É LIMITADA E QUANDO VOTAM, MUITAS VEZES ENTENDEM QUE ESTÃO
    PROTESTANDO CONTRA OS GOVERNANTES QUANDO, EM VERDADE, ESTÃO VOTANDO CONTRA OS INTERESSES DO PAÍS. IGNORAM QUE OS GOVERNANTES, SEJA LÁ QUEM FOREM, SÃO FIGURAS PASSAGEIRAS, MAS A SOCIEDADE É PERMANENTE E SOFRE AS CONSEQUÊNCIAS.

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