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Edição 97

Márcio Coimbra: ‘Seremos um porto seguro para empresas’

Especialista em relações internacionais afirma que, para entrar na OCDE, o país não pode retroceder no combate à corrupção e na responsabilidade fiscal

Cristyan Costa
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O Brasil foi convidado a iniciar um processo formal de ingresso na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Com sede em Paris, a OCDE foi fundada em 1961, para estimular a cooperação entre países europeus após a Segunda Guerra Mundial. Embora o convite não seja garantia de adesão à instituição, abre a possibilidade para que o país se junte ao chamado “clube dos ricos” e passe a ser bem visto na comunidade internacional, atraindo investimentos.

O convite é um forte argumento para convencer os 38 países-membros a aceitar o pedido de adesão. A mudança tem de ser aprovada por todos os integrantes. Por isso, o processo é longo. A estimativa é que dure de três a cinco anos. O Brasil já aderiu a 103 dos 251 instrumentos normativos exigidos para entrar na organização.

A OCDE deixou claro que, para ser aceito, o Brasil terá de seguir rígidos padrões de preservação ambiental, aprovar reformas econômicas e estabelecer mecanismos de combate à corrupção. Para falar sobre o tema, a Revista Oeste conversou com Márcio Coimbra, especialista em relações internacionais e coordenador na Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Confira os principais trechos da entrevista:

Por que é importante para o Brasil entrar na OCDE? Quais áreas da economia se beneficiarão?

O Brasil passará a fazer parte de um clube de boas práticas internacionais. Em síntese, vamos ter um selo de credibilidade, porque a OCDE é prestígio e dinheiro. A OCDE é formada por países que têm arcabouços jurídicos e sistemas de controle confiáveis, economias estáveis, transparência e grau diminuto de corrupção. Ao integrar o “time dos ricos”, o Brasil terá mais confiança perante a comunidade internacional para atrair investimentos. Estaremos no caminho que conduz a uma economia mais liberal, além de fazer uma transição rápida e segura de economia de commodities para economia de serviços. No mundo, fala-se em um novo modelo de economia, com o advento do sistema de telefonia 5G. Seremos um porto seguro para empresas que querem investir capital nesse segmento.

“Os governos Lula e Dilma são os culpados pelo Brasil ainda não ter entrado na OCDE”

O que o Brasil perde estando na OCDE?

Ao entrar na OCDE, vamos competir com outros países de igual para igual. Por isso, perderemos o tratamento privilegiado concedido a países em desenvolvimento pela OMC [Organização Mundial do Comércio], como a tolerância com o protecionismo. Esse “escudo” promete ajudar países em crescimento das garras da competição externa. Avalio que essa perda não será prejudicial, porque o protecionismo, na verdade, mantém os países na pobreza. Quando se criam entraves para o mercado, tem-se a manutenção do subdesenvolvimento. Precisamos de uma economia competitiva e forte, e não dos cuidados de uma babá.

Quais são os próximos passos?

Cumprir as exigências da nova etapa que se impõe e não retroceder no que já foi assegurado até aqui, como o teto constitucional de gastos. Embora o teto não seja um pedido da OCDE, podemos usá-lo como prova de que o país tem um meio de controle das contas públicas. Por isso, é preocupante ouvir propostas que objetivam estourar esse teto. Daqui para a frente, faz-se necessário reduzir a participação do Estado na vida das pessoas, gerar emprego e renda, reduzir os níveis de pobreza e o alto número de homicídios anual. Precisamos também de segurança jurídica e de uma percepção positiva de enfrentamento da corrupção. Se o país estiver disposto a fazer isso e quando alcançar esses instrumentos, entrará para a OCDE.

Essa perspectiva de acesso dá sinais de que a economia brasileira está se recuperando bem?

Não necessariamente. O convite da OCDE para iniciar os debates, que podem culminar na entrada do Brasil na organização, é meramente formal. Não tem a ver com a situação econômica do país, embora ela não esteja ruim. Lembro que, além do Brasil, a OCDE mandou cartas para a Argentina, para a Bulgária, a Romênia, entre outros. Em linhas gerais, o convite significa que esses países conseguiram vencer algumas etapas importantes e que novos desafios estão no horizonte. Compete às nações cumprirem os requisitos do clube até conseguirem entrar.

“O Brasil tem muito a aprender com a Colômbia no que diz respeito ao combate ao crime organizado”

O Brasil está preparado hoje para entrar na OCDE?

O caminho vai ser longo. O Brasil conseguiu cumprir cerca de 40% das exigências da organização. Para alcançar o restante, é essencial viabilizar a agenda de reformas internas e ampliar o combate à corrupção. Nesta semana, um relatório da ONG Transparência Internacional mostrou que retrocedemos no enfrentamento dos corruptos. A OCDE não coaduna com isso, porque afeta a credibilidade de seus membros e é uma das exigências da organização. Se quisermos atingir as metas para aderir à OCDE, teremos de ter um próximo governo, seja este ou outro, com uma base forte no Congresso Nacional e boa vontade do Parlamento, de modo a acelerar a aprovação de boas medidas para o país. Temos de dar valor ao sinal positivo que recebemos da OCDE, ao pavimentar caminho para a nossa entrada.

Em qual país o Brasil pode se espelhar para conseguir cumprir as metas?

O Brasil tem muito a aprender com a Colômbia no que diz respeito ao combate ao crime organizado. Hoje, a Colômbia não é mais refém dos cartéis do tráfico, como nos anos 1990. O governo deles começou a exercer sua autoridade ao enfraquecer a bandidagem. Eles fizeram o dever de casa. Não se pode esquecer também que os colombianos tiveram presidentes compromissados com reformas econômicas. A Colômbia é um país que sempre seguiu o mesmo caminho: o da estabilidade, de ter governos liberais, de centro-direita. Em 2018, a OCDE formalizou um convite para iniciar as discussões que, dois anos mais tarde, culminaram na adesão do país à organização. Naquele ano, eu estava na Colômbia e vi que o Brasil pode se espelhar nesse exemplo.

A maioria das exigências que a OCDE fez ao Brasil foram alcançadas por qual governo?

O passo fundamental veio na administração Michel Temer, responsável por solicitar a entrada do Brasil na organização, em 2018. Durante a gestão Bolsonaro, o então ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, deu continuidade à política de entrada do Brasil. O chanceler criou um cargo para cuidar especificamente dessa questão, de modo a acelerar os trâmites de adesão do nosso país. De um modo geral, o trabalho interno para entrar numa organização desse porte é muito difícil, porque envolve negociação com políticos, há interesses, e muitas reformas acabam não andando, sobretudo em ano eleitoral. Precisamos ficar atentos para um possível governo de esquerda no Brasil, o que dificultaria ainda mais o processo.

Quais os deveres de um país-membro da OCDE? Qual a autoridade de cada nação no grupo?

Os integrantes têm de cumprir regras definidas e não retroceder no que já foi feito de positivo em seu país. Estar na OCDE não é garantia de permanência. Para isso, deve-se respeitar uma série de normas, senão, perde-se o lugar. Diferentemente de um organismo internacional, não há um poder supremo ali. Ela é um “clube dos ricos” que exige merecimento, “pagamento de mensalidade” e cumprimento de uma série de regras para fazer parte do grupo. Na OCDE, é possível fortalecer relações com os membros, expandir negócios, entre outros benefícios. Além dos países-membros, a OCDE também possui um grupo de nações consideradas “parceiros-chave”. Esse é o status do Brasil na organização desde o início dos anos 1990. Isso significa que os parceiros-chave têm um papel maior em diferentes órgãos da OCDE, passando a aderir aos instrumentos legais da instituição, além de ser convidados para reuniões do Conselho Ministerial da OCDE.

Durante a campanha eleitoral de 2020, críticos do governo Bolsonaro diziam que, com uma eventual vitória de Joe Biden, os EUA atrapalhariam a entrada do Brasil na OCDE. No entanto, vimos algo diferente. O que houve?

Os norte-americanos não são de criar barreiras. Como eles já haviam dado sinalização positiva para a entrada do Brasil na organização, não descumpririam a palavra. Contudo, isso não quer dizer que, com Bolsonaro ou Lula, a gestão Biden dê novos votos de apoio, sobretudo em razão dos conflitos externos com que eles têm de lidar agora. A relação especial que havia entre Trump e Bolsonaro ajudou bastante, mas não existe mais. Ressalto ainda os esforços do ex-ministro Ernesto Araújo com o ex-chanceler dos EUA Mike Pompeo. Tudo foi fundamental para chegarmos onde estamos. Atualmente, com o chanceler Carlos França, considero que seguimos o mesmo curso de antes, logicamente com algumas dificuldades.

No passado, os governos petistas foram contra a adesão do Brasil à OCDE. Em uma eventual vitória de Lula em 2022, como isso pode impactar na entrada do país na organização?

Uma possível vitória da esquerda é bem preocupante. O Brasil, mesmo em uma época de crescimento econômico durante o primeiro governo Lula, nunca pleiteou a entrada na OCDE. O PT não concorda com os objetivos da instituição, como a disciplina fiscal, a transparência e o combate à corrupção. Em várias declarações públicas, Lula disse que vai acabar com o teto de gastos, rever a reforma trabalhista, entre outras coisas. Já deveríamos ter entrado faz tempo na OCDE. Se, depois da gestão FHC, tivéssemos um governo Serra, por exemplo, não teria dúvidas de que o Brasil já teria aderido à instituição. Os governos Lula e Dilma são os culpados pelo Brasil ainda não ter entrado na OCDE. O Brasil vai retroceder muito se o PT voltar ao poder.

Leia também “A China pode unir ou contagiar o Ocidente”

11 comentários
  1. Marcelo Gurgel
    Marcelo Gurgel

    Espero que escapemos dessa tragédia PTralha.

    1. Cristyan Costa

      Caro Marcelo, obrigado pela leitura e pelo comentário. Abração

  2. Robson Oliveira Aires
    Robson Oliveira Aires

    Excelente entrevista. Parabéns.

    1. Cristyan Costa

      Obrigado pela entrevista, Robson. Abraços

  3. Marcos Antônio Braz lucas
    Marcos Antônio Braz lucas

    FHC e Serra tão corruptos quanto o Lula e o corja do PT , entendam isto de uma vez por por todas.A nossa pobreza não é só culpa do PT , mas, do PSDB,PMDB , PDS ,entre outros e há muitos anos.

  4. Silas Veloso
    Silas Veloso

    Muito boa entrevista

    1. Cristyan Costa

      Obrigado pela mensagem e pela leitura, caro Silas. Forte abraço

  5. Francisco Wellington Franco De Souza
    Francisco Wellington Franco De Souza

    Tem que combinar com o nosso judiciário, em particular o STF, que adora os corruptos de colarinho branco e soltar amigos do tráfico.

    1. Cristyan Costa

      Obrigado pela leitura e pelo comentário, Francisco. Abraços

  6. Georgs Rozenfelds
    Georgs Rozenfelds

    Tem que fazer o impeachment de alguns integrantes do colegiado, começando pelo projeto de tiranete Alexandre de Morais.

  7. Georgs Rozenfelds
    Georgs Rozenfelds

    O maior entrave para o Brasil ser aceito como membro da OCDE é a insegurança jurídica, caoitaneada pelo STF. Tem que

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