“Yes, nós temos bananas!
Bananas pra dar e vender.”
Alberto Ribeiro & João de Barro
Um exemplo de sucesso do agronegócio brasileiro é a produção de frutas frescas. Ao longo do ano, não faltam laranjas, bananas, maçãs, mangas, uvas, abacaxis, morangos, melões, mamões e outras frutas. Variedades melhoradas geneticamente ampliaram o calendário das colheitas. A irrigação garante a produção permanente de frutas saborosas. Em 2021, o Brasil exportou mais de 1,2 milhão de toneladas de frutas frescas, 18% a mais que o registrado em 2020. O faturamento, de mais de US$ 1 bilhão, cresceu 20%. Um recorde histórico.
A história da fruticultura no Brasil ainda não foi escrita. Poucos a conhecem. Ela começou no Reino de Portugal. No século 16, Portugal já possuía experiência empírica consolidada em seleção e melhoramento de frutas. Era o processo de “educação” de plantas. A ponto de Luís de Camões evocar o melhoramento obtido no pêssego (Prunus persica L.), em Os Lusíadas:
O pomo que da pátria Pérsia veio,
Milhor tornado no terreno alheio.
Canto IX – Est. 58
Em 1563, o físico d’El Rei D. João III, Garcia d’Orta, amigo de Martim Afonso de Souza e de Luís de Camões, a partir de 30 anos de observações, de experimentos agrícolas em seu horto botânico em Goa e viagens de coleta no Oriente, publicou uma grande revisão científica dos compêndios de botânica da Antiguidade e da Idade Média. Seu livro Colóquio dos Simples, e Drogas e Coisas Medicinais da Índia e Assim de Algumas Frutas Achadas Nela (…) e Ooutras Coisas Boas para Saber já indicava as espécies selecionadas e introduzidas no Brasil. A edição foi logo traduzida para diferentes línguas, resumida, ilustrada, reproduzida e comentada.
O cultivo e o melhoramento de frutas, especiarias e madeiras eram políticas de Estado. Em 4 de novembro de 1796, a rainha D. Maria I, por carta régia, ordenou implantar um jardim botânico em Belém do Pará. Ele integraria uma rede de jardins criados de Lisboa a ilhas e arquipélagos do Atlântico.
O pedido não surpreendeu o governador da capitania, D. Francisco M. de Souza Coutinho. Ele já trabalhava na criação de um espaço botânico para permuta e aclimatação de fruteiras e especiarias. Ele executou a ordem real, designou local, funcionários e criou o Horto Público de São José.
Desde 1789, a barbárie da Revolução Francesa criara um caos sem precedentes na Guiana Francesa, uma terra sem lei, governada por sucessivos jacobinos, vivendo o bloqueio marítimo inglês, insurreições de escravos e dezenas de execuções. O governador do Grão-Pará mantinha severa vigilância na fronteira e montara uma rede de espionagem na Guiana. Seus espiões, além de informações, traziam secretamente exemplares de plantas raras, com potencial econômico para a Amazônia, do jardim botânico La Gabrielle, em Caiena, a Habitation Royale des Épiceries.
A abolição desestruturara a produção agrícola local, a ponto de a escravatura ser restabelecida na Guiana, em 1802. Com o clima conturbado em Caiena, proprietários rurais franceses migraram. Alguns pediram permissão para atravessar a fronteira e foram autorizados pelo governador do Pará. Eles foram úteis no cultivo de espécies exóticas na Amazônia e suas histórias estão bem documentadas.
Em 1798, o conde de Linhares ordenou instalar viveiros de plantas em Olinda, Salvador, São Paulo, Goiás, Vila Rica e São Luís, em carta a D. Francisco Coutinho: “Sua Majestade não só aprova (…) mas espera, que V. S. faça que esse Jardim sirva de modelo a todos os outros, que se devem estabelecer nas outras Capitanias do Brasil e que lhe dê uma extensão, que do mesmo possam ir para as outras Capitanias, as plantas exóticas e indígenas que V. S. tem cultivado”.
Entre o século 18 e início do 19, jardins estavam criados em São Paulo (onde fica hoje o Jardim da Luz), Rio de Janeiro, Olinda e Vila Rica (1798). Carta de D. Maria I ao governador do Pará retrata esse objetivo: “Ordena Sua Alteza Real, que V. S. deixe disposto o modo porque se hão de ir sempre aumentando particularmente as espécies preciosas, quais árvores de pão, caneleiras, pimenteiras, cravo-da-índia, árvores de café, árvores de construção: e como desses viveiros se hão de ir distribuindo para as outras Capitanias, V. S. deve oferecê-las aos seus respectivos Governadores logo que as tenha em maior abundância”.
Com a chegada da Família Real, em 1808, a rede de jardins botânicos ganhou força. A Guiana foi tomada pelas tropas joaninas e Portugal controlou o jardim de La Gabrielle. O primeiro envio de espécies ao Horto Público de Belém foi realizado em 1809, por Joseph Martin, administrador de La Gabrielle. Ele assinou a lista de plantas e as instruções de plantio: 82 espécies foram embarcadas em seis caixas. Uma nova variedade de cana-de-açúcar fez sucesso nos canaviais brasileiros e ficou conhecida como cana-caiana (ou caiena). E mudas também chegavam de outros continentes.
Por mais de três séculos, os portugueses promoveram o aumento da biodiversidade brasileira e a mudança dos hábitos alimentares, com a introdução de grande variedade de espécies vegetais: cana-de-açúcar, manga, bananas, carambola, melão, melancia, arroz, feijões, trigo, aveia, sorgo, inhame, uva, coco, figo, fruta-pão, jaca, laranjas, limão, tangerinas, tamarindo, café, cravo, canela, pimenta-do-reino, caqui, sapoti, gengibre, romã, amoras, nozes, maçãs, peras, pêssegos, pinhas, graviolas, além de hortaliças, temperos e ervas medicinais. Os animais domésticos e da pecuária são todos importados: cães, gatos, galinhas, patos, gansos, pombos, bicho-da-seda, abelhas, coelhos, bovinos, equinos, asininos, ovinos e caprinos.
O sucesso das introduções transcontinentais de espécies foi de natureza ecológica. Transportadas sem suas principais pragas nem doenças, as novas culturas cresceram melhor no Brasil. As bananas asiáticas foram cultivadas e observadas na Madeira, em Cabo Verde e Santo Tomé e Príncipe. As melhores mudas, produtivas e sadias, levadas ao Brasil. Da mesma forma, seringueira, cacau, mandioca e abacaxi tiveram um excelente desenvolvimento ao ser introduzidos na Ásia, África e Oceania, hoje seus maiores produtores.
O mercado europeu é um atestado da ausência de resíduos de pesticidas ou fungicidas nos produtos brasileiros
Hoje, a dieta do brasileiro é composta de feijão, arroz, saladas, leite e derivados, ovos, macarrão, pão, biscoitos, açúcar, carne bovina, suína e de frango. Todos produtos exóticos. As frutas mais consumidas, como laranjas, bananas, mangas e uvas, também foram introduzidas. Nas exportações, destacam-se produtos trazidos pelos portugueses, pelo comércio que estabeleceram e lhes sucedeu: carne bovina, suína, de aves, açúcar, álcool, café, soja, algodão, suco de laranja e frutas.
Intensiva em mão de obra (poda, colheita e pós-colheita), a fruticultura lidera a geração de empregos na agropecuária: cerca de 5,5 milhões de empregos diretos, segundo a Associação Brasileira dos Produtores Exportadores de Frutas e Derivados.
Em 2021, a manga, originária da Índia, foi a fruta mais exportada: 273 mil toneladas, aumento de 12% em relação a 2020. O faturamento da maçã cresceu 79% em relação a 2020 e o volume exportado, 58%. Foram 99 mil toneladas enviadas ao mercado internacional, principalmente à Europa e para novos países, como Colômbia, Honduras e Nicarágua. A uva aumentou em 55% o volume exportado. Mamão, limão e melão tiveram crescimentos expressivos. A recente abertura do mercado chileno para o limão taiti reduz a dependência das exportações concentradas na Europa.
A Europa representa 70% das exportações das frutas brasileiras. Exigente, o mercado europeu é um atestado da ausência de resíduos de pesticidas ou fungicidas nos produtos brasileiros. O consumidor pode ficar tranquilo. As frutas exportadas possuem certificações internacionais, como Global Gap, Rainforest Alliance, Grasp, Fair Trade, Tesco Nurture, BSCI e HACCP.
Fruta vem do latim fructus, a mesma raiz do verbo fruir. Evoca o aproveitar, desfrutar, curtir e saborear. Use o fruto. Usufrua. Graças à Coroa Portuguesa, o agronegócio pode dizer e cantar como na marchinha: “Yes, nós temos bananas!”. E mangas, melões, abacaxis, uvas, maçãs, mamões e muito mais. Como no século passado, o exuberante chapéu de frutas da luso-brasileira Carmem Miranda já prenunciava.
Leia também “Cultivar é preciso”
Parabéns pelo excelente artigo. Além de informação atualizada sobre a fruticultura no Brasil, traz cultura histórica, que é elemento de grande importância na formação cívica de qualquer povo.
Parabéns para o Evaristo de Miranda. Sua coluna permeia história , filologia além do tema central muito bem construido e de fácil assimilação. A OESTE tem uma equipe sensacional. Vamos em frente com um jornalismo limpo compromissado com a VERDADE
O Dr. Evaristo nos ensina a reverenciar a história do nosso agro. Nela encontramos visão, tecnologia, empreendedorismo, dedicação, vontade e amor. Trazer todas estas frutas e alimentos em séculos passados foi uma aposta na grande nação agrícola que hoje somos. Vamos valorizar e manter essa conquista de famílias, respeito à propriedade privada e desenvolvimento tecnológico.
Parabéns ao colunista !
Um show !
Boa tarde Evaristo! Tudo bem? Depois de duas semanas agitadíssimas nos Emirados Árabes torcendo e retorcendo sem sucesso pelo Palmeiras fizemos uma breve parada na França. Dentro do trem retornando da Alsácia (Estrasburgo) para Paris, consegui ler seu maravilhoso texto sobre a fruticultura brasileira. Aliás, já havia recebido quase uma dezena de vezes em vários grupos. Você realmente é uma jóia humana! Uma enciclopédia! Que brilhante informações sobre esse setor que estou envolvido há 30 anos e nem sabia! Obrigado! A fruticultura agradece. Sensacional! Forte abraço!
Estupenda a aula de história! Vivi a história pois morava em Atibaia, nos anos 60 e conheci ponkan e uva Itália, antes dessas frutas entrarem no mercado em grande escala. Antes disso, vi alcachofra em Caucaia do Alto, nos anos 50. Realmente, fui privilegiada.
Fenomenal Evaristo. Apenas uma observação: não se trate limão tahiti e sim de lima ácida ou apenas ‘lime’
Seus artigos como sempre, são muito esclarecedores, este falando das nossas frutas, e tb um pouco da história do Brasil séculos 18 e 19, com a colonização Portuguesa. A Riqueza só solo brasileiro, na produção e variedade de frutas, hoje temos uvas de excelente qualidade, que nos diga o VINHO BRASILEIRO!!
Belo, esclarecedor e magnificamente ilustrativo artigo, a história do nosso agro através do tempo.
Orgulha-nos ter entre nossas autoridades agrícolas Evaristo de Miranda, que sempre enaltece nossas origens lusitanas, tradicionalmente depreciada por nossos historiadores. Que rico artigo, parabéns mestre Evaristo.
Orgulho de ser BRASILEIRO! Parabéns ao AGRO! Nossa Bandeira é Verde e Amarela!
Que aula! Que artigo brilhante. Parabéns Evaristo de Miranda.
Magistral, Evaristo….texto que enriquece a todos que o desfrutam, e corrobora seu grande acervo cultural
Evaristo Miranda é um craque.
Conhecedor do Agro, sabe que cresceremos apesar de governos ruins……
Quando temos um Bolsonaro, incentivador e reconhecedor desse potencial, a coisa vôa!
Graças a Deus por essas excelentes notícias do agronegócio.
Neste seu substancioso artigo, além de tomarmos consciência da gênese da agricultura de frutas em nosso Brasil, recebemos uma aula de História do Brasil, da geopolítica dos séculos 18 e 19, e da excelência da colonização portuguesa nesse tema.
Esse artigo do Professor Evaristo suplanta os anteriores.
É o que me deu vontade de comentar.
Depois fiquei pensando que este comentário terá que ser repetido a cada duas semanas…
Artigo ótimo! Gostoso de ler. Na história da fruticultura brasileira, pena que não tenhamos investido na domesticação das frutas brasileiras, tão boas e abundantes no cerrado, mata atlântica e amazonia
Fiquei contente, quando li em seu artigo, o aumento das exportações de frutas.
O Brasil vai se tornando cada vez mais o celeiro do mundo.
Então a ideia de criar a Embrapa vem desde a colonização né não?
Um abraço
Essa História no início de tudo é uma delícia ! Mto bom saber da sagacidade da coroa portuguesa, e como ainda hoje desfrutamos disso. E ainda mais , saber q.a fruticultura é segura e certificada! Parabéns , novamente, por mais um artigo.
Semana sim, semana também, os artigos do professor Evaristo nos contam a história de nossa agricultura com riqueza de detalhes de sua origem. Este das frutas, fruto de sua vasta cultura, é mais um desses.
Uma afirmação passageira seria dizermos que esse foi o melhor de seu trabalho na Revista Oeste pois em sete dias já teríamos que refazê-la.
Como sempre, porém de forma mais detalhada, hoje a coluna do Dr Evaristo mergulhou na história e trouxe a importância da ciência no contexto da dispersão das frutas, de seus centros de origem até nossa terra abençoada! Uma verdadeira aula sobre a importância nada elaboração da estratégia, tática e operação na consolidação de um território que precisava se fortalecer na produção de alimentos.
Muito conhecimento, obrigado por compartilhar Dr Evaristo! Sempre excelente referência do agronegócio brasileiro
Muito interessante e instrutivo sobre a nossa história econômica.
Até que enfim um artigo útil por parte dessa revista. Mais lembre-se, o agro brasileiro só mantém o mercado interno com os piores produtos e ainda cheio de pesticidas com a anuência do assassino, esse débil mental presidente de vcs
Excelente artigo. Uma visão impecável da história da introdução e do desenvolvimento desse grande, colorido e perfumado segmento da nossa agricultura!
Achei
Pensei que imbecis não liam artigos desta magnitude, porem Dr. Evaristo de Macedo consegue milagres.
Show.
Muito bom o artigo, como sempre, principalmente por saber que gera muitos empregos e divulga a diversidade de alimentos q temos no Brasil
Agora desfrutar de uma manga tera outro sabor
Obrigado Dr Evaristo e parabéns pelis artigos.
Através de seu conhecimento os Brasileiros e oarte do mundo tem conhecido o Brasil orodutivo. As historias de sucesso e os caminhos do setor produtivo por sua voz. Obrigado
Delícia de artigo! Parabéns ao Dr. Evaristo de Miranda uma das maiores e mais respeitadas autoridades mundiais do agronegócio.