Depois de décadas em cativeiro e uma viagem rodoviária de 2,7 mil quilômetros, Mara finalmente ganhou a liberdade
A fronteira entre a Argentina e o Brasil seguia fechada pela pandemia do coronavírus há quase dois meses quando, no início de maio, um comboio incomum se aproximou do posto de controle em Porto Iguaçu, cidade argentina que faz divisa com o Brasil. Eram 15 pessoas, todas com poucas horas de sono, e seis veículos, incluindo um guindaste e um grande caminhão.
Atrás do caminhão estava uma caixa de transporte que abrigava uma carga nada convencional: uma elefanta chamada Mara, com cerca de 50 anos, que passou os últimos 25 num espaço empoeirado no zoológico no bairro de Palermo, no centro de Buenos Aires.
Durante anos, o zoológico foi um local prestigiado da capital argentina e Mara dividiu um recinto, inspirado num templo hindu, com dois outros elefantes africanos. Por não serem de sua espécie, os animais não se davam entre si. Por isso, os tratadores se viam obrigados a mantê-los separados: enquanto a elefanta estava dentro do local, os outros dois estavam fora. Quando ela saía, eles eram colocados para dentro.
Mara costumava passar horas balançando a cabeça em círculo, um comportamento considerado sinal de estresse em elefantes em cativeiro. Os visitantes observaram o mesmo comportamento em um urso polar, Winner, antes dele morrer em razão de uma onda de calor em 2012.
Protestos em defesa dos animais
Protestos começaram a acontecer, não só pela elefanta, mas por todos os animais presos no zoo de Palermo: eram 2,5 mil espremidos em apenas 42 acres em 2016. Afinal, a cidade deveria melhorar as condições do parque ou se aprofundar na questão e buscar novos lares para os animais?
A segunda opção venceu. O espaço do zoológico se transformou em um ecoparque e os antigos moradores começaram a ser transferidos: três ursos para um santuário animal no Colorado; a orangotango para o Centro de Grandes Macacos em Wauchula, na Flórida. E, Mara, decidiu-se, viria para um santuário para elefantes em Mato Grosso, Brasil.
A burocracia para o transporte da elefanta
Entretanto, para fazer a transferência era preciso reunir a papelada que contasse a história do animal e documentar tudo, para só então pensar no transporte.
Assim, descobriu-se que a elefanta havia sido comprada pela família Tejedor, na década de 1970, com outros dois elefantes do Tierpark Hagenbeck, um zoológico em Hamburgo, na Alemanha. O zoológico, por sua vez, havia trazido Mara de um campo de cativeiro da Índia.
A elefanta viajou com o circo dos Tejedor pela Argentina, Uruguai e até mesmo pelo Brasil, fazendo espetáculos para multidões.
Quando tinha 12 anos, em 1980, foi vendida pela família ao Circo Rodas, da família Sciolla. O problema é que, a partir de então, Mara já não se comportava mais como o esperado. Ou seja, já não fazia mais os malabarismos habituais. Pior: o circo contratou o antigo treinador dela para tentar resolver a questão. E ela o matou.
Antes de ser confiscada e levada para morar no zoológico, Mara foi encontrada acorrentada em um estacionamento.
O zoo representou apenas uma melhora relativa nas condições de vida do animal e, depois de duas décadas e meia, Sciolla estava desesperado para tirar Mara de lá. O plano de partida exigia intensa coordenação com vários ministérios e dois governos nacionais, mas finalmente as peças se encaixaram: Mara se mudaria para o santuário no Brasil em março deste ano. Ninguém contava que os planos para sua transferência seriam atropelados pela pandemia do coronavírus.
Foram precisos inúmeros telefonemas e arranjos do antigo dono da elefanta para que finalmente ela pudesse começar sua viagem.
A jornada rumo ao santuário no Brasil
E assim, depois de uma vida longa e complicada, Mara se viu dentro de uma caixa, em meio a uma pandemia, esperando na fronteira fechada entre as duas nações. Apenas quatro dos acompanhantes foram autorizados a cruzar a divisa e levar o animal até o santuário.
No caminho, um desafio extra – mover a elefanta exausta para um caminhão que aguentaria os 40 quilômetros finais de estrada irregular. Enfim, a caixa chegou ao seu destino e Mara recebeu a recompensa mais que merecida: espaço aberto, grama e árvores.
Ela rapidamente criou laços com outra elefanta asiática chamada Rana. A conexão foi tão instantânea e intensa que algumas pessoas presentes se perguntaram se elas se conheciam da infância, o que foi descartado.
Finalmente, a elefanta estava fora da caixa, do circo e do zoológico, esticando as pernas, arranhando as costas nas árvores, fazendo uma amiga. Vivendo a liberdade que, um dia, no futuro, todos os animais merecem ter. Longe das grades e perto da natureza, em seu verdadeiro lar.
Adaptado do The New York Times
Que bom!!!
Vida longa e com saúde à Mara !
Legal.