Esperança, fé e origamis japoneses foram a receita que o cirurgião usou para se recuperar de dez dias no respirador com covid-19
Médico e cirurgião proctologista na Prevent Senior em São Paulo, o doutor Jorge Khuma não se preocupou ao sentir mal-estar no início de abril. Aos 66 anos, hipertenso, mas bastante ativo, ele imaginou que a febre que sentia era apenas reação à vacina de gripe que, como profissional de saúde, foi obrigado a tomar no dia anterior.
Segundo o próprio médico, depois de três dias de febre constante, ele mesmo percebeu que o problema era outro. “Fiz uma tomografia que mostrava um quadro [de pneumonia viral, típico de coronavírus] controlável em casa”, relata Khuma. “Comecei a tomar os remédios, voltei para fazer o controle três dias depois e fiquei internado, havia piorado”.
A comunicação direta com o agora paciente durou enquanto ele esteve internado num quarto comum. “Foram só dois ou três dias de internação antes da UTI”, diz a mulher de Jorge, Cristina Sototuka. “Conseguíamos falar pelo celular e tinha uma visita por dia”.
Para Christie Sototuka, bióloga e filha caçula dos Sototuka, o importante naquele momento era ter o máximo de informações possíveis para tentar adivinhar que rumo o caso do pai tomaria. “Acabei procurando amigos que tinham relatos de pesquisas em outros países, como estava sendo a recuperação ou não.”
Ida para a UTI e intubação
Na madrugada de 5 de abril, no entanto, a cientista da família começou a entender que nem sempre as estatísticas são as melhores amigas da realidade: o pai idoso e hipertenso teve de ser colocado sob sedação na ventilação, na Unidade de Terapia Intensiva, com 20% de chances de melhoras.
Para Cristina, a dor era ainda maior: “Nesse período, como ele estava intubado, não fui, porque sou do grupo de risco também”, conta. “Passávamos o dia tensos, aguardando qual seria a posição da noite. Essa parte foi a pior para a gente”. O hospital liberava apenas um boletim médico ao dia, no horário da visita à UTI, à noite.
Já para Jorge Khuma, os dez dias passados na terapia intensiva são de total “apagão”. “Na verdade, está caindo a ficha agora de como foi grave. No começo estava achando que eu tinha ficado na UTI, intubado com um respirador, por uns dois ou três dias apenas”, espanta-se o médico, que diz não lembrar de nada durante a internação.
A esposa de Khuma, no entanto, relata que o médico não só sabia que teria de ser ligado ao respirador, como deixou o telefone da esposa com uma médica amiga dele de longa data para que ela pudesse dar a notícia à família.
Do dia 5 ao dia 14 de abril, além do coronavírus, o cirurgião, inconsciente, também teve de lidar com um rim que insistia em parar e com insuficiência hepática, efeitos colaterais da medicação usada para mantê-lo vivo: hidroxicloroquina combinada a azitromicina desde o princípio do tratamento.
Voltando nas asas dos tsurus
“Manter o controle a gente manteve, mas foi horrível, uma aflição danada e acho que o pior foi quando tentaram extubá-lo uma vez e não conseguiram”, rememora a esposa. O pulmão do Dr. Khuma estava muito fraco e ele só pôde sair da ventilação no dia seguinte.
“O grande desejo de todos que trabalham nessa área é que o paciente restabeleça seu equilíbrio com brevidade”, explica o Dr. Lucas Próspero, médico geriatra que acompanhou o paciente durante a internação. No entanto, ele completa: “O paciente só consegue sair de respiração mecânica após restabelecida a função adequada de seu sistema respiratório e isso pode variar em cada paciente. No caso do Dr. Jorge foram necessários nove dias de terapia ventilatória”.
Ao conversar com a família, um fato é sempre colocado em destaque e, por incrível que pareça, não é o de Jorge ter sobrevivido à pandemia e sim, dele ter, enquanto estava na UTI, recebido… origamis de tsurus!
O tsuru é um pássaro e, segundo uma crença japonesa, se você fizer mil dobraduras dele, você consegue alcançar aquilo que deseja.
A vontade de ver o médico bem novamente uniu a família Khuma em torno de uma força-tarefa para fazer as dobraduras e se estendeu entre amigos e conhecidos que se sensibilizaram com a história: “Sei que, no fim, tiveram três mil tsurus. Foi fantástico!”, emociona-se o médico-paciente. “Tive muito apoio e acho que isso fez diferença”.
Quem também renovou a fé e a esperança com a união em torno da saúde de Khuma foi Christie: “Mesmo as crianças pequenas do meu grupo de escoteiros ficaram superencantadas porque falaram que o tsuru funcionou”.
Por causa da pandemia, as dobraduras não puderam seguir a tradição de serem feitas por um grupo de pessoas reunidas num mesmo local. Então, todos que as faziam, mandavam fotos. “Ele queria doar para alguém o excedente, mas falei que agora não dá, já fizeram na intenção dele. Não tem jeito”, brinca a esposa.
Agora em casa, o Dr. Khuma enfrenta um longo processo de recuperação, após ter perdido aproximadamente 50% de sua massa muscular e força até para se manter em pé. “Depois de uma semana em casa, fazendo fisioterapia, comendo o que dá, estou dando meus primeiros passos ainda”. Os três filhos do casal se mantêm por perto e fazem questão de conversar diariamente com o pai e apoiá-lo.
“Não só a volta para casa foi comemorada, fomos comemorando todos os dias com ele”, ensina a caçula. “Aprendemos a ter muita paciência e que todo dia é um passinho, sem se precipitar”.
Fé, tsurus e paciência. Em todos os depoimentos dos Sototuka, a mensagem é a mesma: o melhor remédio não só para o coronavírus, mas para qualquer doença ainda é o apoio das pessoas a quem se ama.
“Nos sentimos conectados e não é fácil se sentir conectado nesta época”, conclui Christie Sototuka. Para ela e para a família, a covid-19 serviu não apenas para renovar a esperança, mas para trazer as pessoas que foram e são presentes ainda mais para perto.
Parabéns, muito bom saber que há esperança, e a energia dos três mil tsurus foi muito valiosa,a família faz toda diferença, que Deus abençoe.
Grata por compartilhar uma reportagem que promove esperança e fé a todos que tem um parente ou amigo se recuperando da corona vírus.
Linda reportagem, bastante esclarecedora e como é importante o relato do amor incondicional dessa familia demonstrando apoio e carinho de diferentes formas e crenças,sem falar da enorme capacidade dos nossos profissionais da saúde!
Ótima reportagem! Traz esperança! Parabéns a Oeste em divulgar os curados pelo vírus!