As mortes da influenciadora Karol Eller, de 36 anos, da jogadora de vôlei Walewska Oliveira, de 43 anos, e, mais recentemente, do youtuber PC Siqueira, de 37 anos, e da jovem Jéssica Canedo, de 22 anos, lançaram um holofote sobre um tema que gera desconforto, sendo ainda tabu: o suicídio.
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De acordo com a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), o Brasil é o país com maior prevalência de depressão na América Latina.
A psiquiatra capixaba Thaís Martins trabalha para desmistificar a doença. “O tratamento da depressão é simples”, afirma, antes de ressaltar que o tratamento eficaz ajuda a evitar suicídios. “É rápido e proporciona uma melhora absurda; salva milhares de vidas todos os anos.”
Thaís lembra que as crianças também sofrem de depressão. Conforme enfatiza, é preciso atentar para os sinais de alerta entre o público mais jovem. “A criança fica mais isolada, perde o apetite, chora facilmente”, diz. “Não quer mais ir à escola e tem falas negativas.”
Ao contrário do que se pensa, porém, a depressão não é a única causa do suicídio, explica a psiquiatra. “Muitas vezes, o suicida pode estar sofrendo de transtorno bipolar”, explica Thaís, ao mencionar outra doença. “Ele pode ser dependente químico, esquizofrênico ou sofrer com outros transtornos psicóticos.”
O suicídio é um problema de saúde pública
Em dez anos, a taxa de suicídio entre adolescentes aumentou em torno de 80% no Brasil; entre crianças, o crescimento foi de cerca de 113%, segundo indicadores do Ministério da Saúde. “O suicídio já é a segunda maior causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos, perdendo apenas para acidentes de trânsito”, diz a psiquiatra.
No último dia 22, a jovem Jéssica Canedo, do interior de Minas Gerais, entrou para as estatísticas de suicídios no Brasil. Alvo de difamação propagada por perfis de fofocas nas redes sociais — como Choquei, Garoto do Blog e Alfinetadas dos Famosos —, ela, que sofria de depressão, resolveu tirar a própria vida. As três páginas de fofocas, que espalharam o conteúdo difamatório, que apontava Jéssica como novo affair do humorista Whindersson Nunes, seguem no ar. A família da jovem indica a intenção de processar quem divulgou tais materiais fraudulentos.
A médica ressalta que esse percentual é alto em número relativo. Já em análise por cem mil habitantes, o suicídio é maior entre os idosos.
Os números totais apontam para um problema de saúde pública. A cada 40 segundos, uma pessoa se mata no mundo. No Brasil, isso ocorre a cada 45 minutos, totalizando 32 pessoas por dia. Noventa por cento delas enfrentam algum transtorno mental.
Segundo a Opas, a pandemia de covid-19 agravou a situação, aumentando os desequilíbrios emocionais.
Especialistas afirmam que, nem sempre, a causa é única. “Quem tira a própria vida, não quer morrer, quer parar de sofrer, diz Thaís. “Então vê a morte como única saída.”
A psiquiatra orienta que, dificilmente, um suicida não dá sinais. “É muito frequente ele buscar um médico, não necessariamente um psiquiatra, entre um e três meses antes do suicídio”, conta. “Nem sempre ele fala diretamente sobre o suicídio com o médico, mas vai na esperança de que alguém perceba e o ajude.”
Dificuldade no atendimento do SUS
Thaís conta que as consultas com psiquiatras pelo Sistema Único de Saúde (SUS) são difíceis de conseguir: “Vejo pessoas na fila por até dois anos e não conseguem marcar consulta.”
Diante da ineficiência do SUS, entidades filantrópicas saem em socorro aos mais pobres. Inácio José do Vale, doutor em psicanálise, trabalha exclusivamente com a população carente de Pouse Alegre, no sul de Minas Gerais. O Estado mineiro ocupa a segunda posição no ranking de suicídios no Brasil, ficando atrás apenas de São Paulo.
Os tratamentos são realizados por uma pastoral católica financiada por doações. Em média, Dr. Inácio, como é conhecido pelos pacientes, diz atender gratuitamente quatro pessoas com tendências suicidas por mês.
Convencional se une ao “alternativo”
Os leigos chamam de “alternativo”; os profissionais de saúde, de “integrado”. São as Práticas Integrativas e Complementares em Saúde. Cada vez mais, a medicina convencional e as práticas holísticas dão sinais de união.
A neurocientista norte-americana Sara Lazar, PhD da Escola de Medicina Harvard, nos Estados Unidos, foi uma das primeiras cientistas no mundo a analisar os efeitos da meditação no cérebro. Usando a técnica mindfulness, de tradições budistas, ela apresentou a tese de que meditar altera fisicamente o órgão.
O carioca Sandro Neves, psicólogo clínico especializado em mindfulness, explica que “o paciente é levado a incluir o ingrediente do presente na construção da sua identidade”.
Essa “construção” é realizada por meio de uma sequência de práticas com a inclusão gradual da atenção aos sentidos. Depois, de acordo com o psicólogo, trabalha-se pensamentos e sentimentos.
Sandro, que também atende adolescentes e faz trabalho voluntário com população de rua, assegura que tal procedimento é um “acordar”. “As áreas cerebrais responsáveis pela produção de pensamentos são ativas demais”, explica. “Por isso, o excesso de pensamentos causa distorção na identidade, desencadeando uma série de problemas.”
O psicólogo destaca que a revolução digital, na virada do milênio, trouxe uma mudança drástica na forma como lidamos com as informações que transbordam pelas telas dos celulares: “Isso diminuiu a nossa capacidade de prestar atenção, de estar presente, trazendo uma mente ruminante”, diz. “Daí a necessidade de incluir terapias que envolvam a desaceleração da mente”.
Acupuntura, a delicadeza das agulhas
Em 2021, a enfermeira Nativania Severino estava em atendimento voluntário na igreja que frequenta quando “G” (que terá a identidade preservada), de 22 anos, chegou. A jovem tinha os punhos cortados. Era o resultado da quarta tentativa de suicídio.
Nativania imediatamente a levou para um hospital do SUS. “Mesmo sendo referência em psiquiatria, não tivemos sucesso”, lembra. “Não havia psiquiatra de plantão.”
A enfermeira teve, então, a intuição de pedir ajuda ao seu acupunturista. O professor Márcio Higa atendeu a jovem “G” imediatamente e, pelos dois meses seguintes, enquanto aguardavam o encaixe psiquiátrico do SUS, em Volta Redonda, no sul fluminense.
O resultado das agulhas foi significativo: “Quando conseguiu ser atendida na rede pública, ela já tinha estabilizado o surto”, conta a enfermeira.
Seis meses depois do tratamento com sessões de acupuntura, “G” formou-se no ensino médio. Nativania, seu “anjo da guarda”, esteve presente. “A última vez que a vi, ela já estava fazendo curso técnico para trabalhar em clínica veterinária. O sonho dela é ser veterinária.”
O caso de “G” não foi o único desse tipo atendido por Higa. Chegam à clínica dele pessoas com “ansiedade, pensamento acelerado, pânico, depressão, insônia, solidão, luto, problemas financeiros, dentre outros”.
Alguns o procuram de forma espontânea, outros encaminhados por médicos: “Também indico a cooperação de psicólogos, médicos e nutricionistas”, diz o acupunturista. “No decorrer do tratamento, mantenho diálogo com esses profissionais”.
Ele explica que a medicina tradicional chinesa não trata a doença, mas as síndromes. “Síndromes são sinais e sintomas”, diz. “No caso de sintomas mentais, como ansiedade e depressão, existem diversas interpretações, nas quais são identificadas a síndrome correspondente, tratando as questões mentais, incluindo a prevenção do suicídio.”
“Sobreviventes do suicídio”
Pela singularidade do luto, os familiares dos suicidas são chamados na saúde mental de “sobreviventes do suicídio”. Eles carregam em sua dor sentimentos como vergonha e culpa, sem receber da sociedade a clássica frase de consolo: “Era a vontade de Deus”.
Em 2017, o filho de Viviane Simmer tentou suicídio pela primeira vez. No ano seguinte, com o rapaz em tratamento, ela participou da sua primeira maratona. Bruno a esperou com um cartaz de incentivo: “A chegada é só o começo”. No entanto, dois meses depois, ele morreu. Cometeu suicídio, aos 23 anos.
Viviane transformou a frase do filho em seu “lema de vida”. Depois de três anos de luto, ela voltou a participar de maratonas e passou a compartilhar sua história nas redes sociais. “Esporte sempre foi a minha forma de enfrentar os desafios da vida.”
Logo foi procurada por outras pessoas com a mesma dor. Hoje eles têm um grupo de apoio no WhatsApp. Uma vez por mês, os 65 enlutados cadastrados se reúnem pelo Google Metting para mais que uma reunião on-line protocolar. É o momento do “acolhimento das dores”.
“Percebo uma grande dificuldade na sociedade para encontrar ouvidos que nos escutem”, relata Viviane. “Ou palavras realmente relevantes de ajuda.”
Serviços gratuitos de apoio
Centro de Valorização da Vida — 188 (24 horas).
Casa do Caminho — 32 3216-9616 ou 32 3017-4002 (24 horas).
Pode Falar — atendimento on-line a jovens de 13 a 24 anos (de segunda a sábado, das 8h às 22h).
Mapa da Saúde Mental – Site com traz unidades de saúde mental gratuitas.