A Warner Bros. lançou há poucas semanas Mickey 17, uma quase superprodução — para os padrões da Warner — que mistura ficção científica, aventura espacial, fantasia, invasão alienígena e tudo isso com uma dose de humor negro. Dirigido por Bong Joon Ho, o famoso diretor sul-coreano vencedor do Oscar por Parasita, o filme traz no elenco Robert Pattinson, o astro britânico de franquias de sucesso como A Saga Crepúsculo, Harry Potter e Batman. Uma receita de sucesso… só que não: Mickey 17 estreou em 28 de fevereiro na Coreia do Sul e depois de duas semanas arrecadou módicos US$ 14,6 milhões. Já no dia 7 de março o filme fez sua estreia na América do Norte (Estados Unidos e Canadá) e a venda de ingressos contabilizou US$ 19,1 milhões. Como comparação — e guardadas as muitas proporções —, o brasileiro Ainda Estou Aqui já arrecadou em todo o mundo mais de U$ 35 milhões e seu custo de produção não ultrapassou U$ 7 milhões.
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Não é por acaso que nos corredores de Hollywood já tenham feito até piada: se a Warner Bros. pudesse reimprimir dinheiro da mesma forma que os cientistas reimprimem o corpo de Robert Pattinson, tudo estaria resolvido. Na história de Mickey 17, Pattinson interpreta Mickey Barnes, um trabalhador comum escolhido para uma perigosa missão de colonização espacial. Tão perigosa que ele morre algumas vezes, só que a avançada ciência consegue replicá-lo no momento que quiser. A premissa não é novidade, mas é o tipo de história que chama a atenção. Foi o que a Warner imaginou. O fato é que somando uns trocados aqui, mais outros ali, Mickey 17 ainda não alcançou a marca de U$ 100 milhões em arrecadação.
Isso se torna um baita problema para os executivos da Warner Bros, já que o filme custou mais de US$ 180 milhões para ser produzido e cerca de mais US$ 100 milhões para ser promovido em todo o mundo. Ocorre que esses mesmo executivos também sabem que problema, no mundo dos negócios, significa desafio. Não é a primeira e certamente não será a última vez que o centenário estúdio vive essa experiência.
Quatro irmãos e um empréstimo bancário: nascia a Warner Bros.
A Warner Bros. foi fundada pelos irmãos Warner: Harry, Albert, Sam e Jack (nascidos como Wonskolaser e adaptado para Warner), judeus que saíram da Polônia, na época parte do império Russo. Eles entraram para o mundo dos negócios abrindo uma pequena sala de cinema, em 1903. De exibidores, eles logo passaram também a distribuir títulos nacionais e estrangeiros. Com algum dinheiro entrando, novas oportunidades também apareciam e em 4 de abril de 1923 os irmãos resolveram fazer filmes e criaram oficialmente a Warner Brothers Pictures, em Burbank, nos arredores de Los Angeles. Detalhe: para viabilizar o negócio, eles tiveram de fazer um robusto empréstimo bancário.

É interessante descobrir que a história, em todas as partes do mundo, parece guardar certas semelhanças. No Brasil, o patriarca Walther Moreira Salles gerou quatro filhos. Somente dois deles, Walter e João, decidiram fazer cinema. Os irmãos Salles criaram a produtora VideoFilmes, empresa audiovisual independente fundada em 1987. Para os padrões brasileiros, a VideoFilmes é considerada uma referência no mercado cinematográfico, com mais de 100 projetos de filmes para o cinema e séries de televisão. Ainda Estou Aqui, a primeira produção brasileira a conquistar o Oscar de Melhor Filme Internacional, leva a assinatura da VideoFilmes. Mas, ao contrário dos Irmãos Warner, os Salles não precisaram pedir empréstimo bancário para abrir sua produtora. Os Salles são banqueiros.
A tal piada que corre Hollywood sobre a Warner certamente não fez os executivos do estúdio acharem graça. Afinal, investir quase U$ 300 milhões dos próprios cofres em uma produção que vai se apresentando deficitária não é nada engraçado. Aqueles que hoje administram o estúdio conhecem a história e sabem que os Irmãos Warner, que um dia fizeram empréstimo no banco, tinham pleno conhecimento de que empreender no mundo capitalista é sempre arriscado. Mickey 17, com valor exorbitante para ser produzido e péssimos resultados nas bilheterias que só dificultam o caminho para a lucratividade, é a prova disso. No Brasil, ao contrário, não existe empreender no mundo do cinema. Também não há risco e nem é preciso fazer empréstimo. Aqui existe um Estado que preza pela cultura e distribui dinheiro por meio de leis de incentivo. Se houver lucro, ótimo. Caso contrário, ótimo também, já que o dinheiro é público. Não é piada, mas os cineastas brasileiros sempre riem.