Eu me formei em filosofia; e como matéria obrigatória a ser cursada, tive economia — foram, na verdade, dois semestres, economia 1 e 2, na grade. Ao cursar a disciplina, aprendendo os conceitos básicos das ditas “ciências econômicas”, principalmente os clássicos, no entardecer daquelas aulas os meus mestres davam a clara percepção de que a economia era antes um problema político e social moldado por percepções emocionais, mais do que pelo tratar científico, que deveria ser postulado por princípios e verificações desapaixonadas.
Foi durante os tumultuosos dias de impeachment de Dilma Rousseff que eu me formei. A faculdade estava em crise, os professores dividiam as aulas entre dar as matérias e convencer os alunos do absurdo que estava sendo perpetrado contra a companheira petista, e, em tempos assim, a parcialidade escondida na pompa acadêmica é completamente deixada de lado. Além disso, especificamente nas aulas de economia, ao defender o legado do PT na área, muitos professores deixavam a entender que entre a economia e a alquimia das opiniões forjadas no âmago dos sentimentos militantes, que entre as análises econômicas de especialistas esquerdistas e o horóscopo matutino de revistas adolescentes não havia assim tanta distância. Diziam-nos, eu me lembro bem, que entre uma nação rica e uma nação pobre a única coisa que fazia tal desigualdade era a maldade dos ricos e a ganância dos poderosos, ao mesmo tempo que justificavam os fracassos dos países socialistas relativizando até mesmo o conceito de riqueza — valia quase todo malabarismo para, por exemplo, mostrar que Cuba não era um fracasso econômico galopante. Não havia mais que dois goles de ciência na economia ali ensinada e, ao final, existia apenas o bom e velho problema moral e político que nos arrasta desde a queda de Lúcifer, qual seja, o da soberba burra.
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Em pleno século 21, após todos os fracassos das planificações econômicas do socialismo, talvez o mito mais persistente de nossos dias é o do “Estado empreendedor”, do “Estado como via de igualdade, justiça social e desenvolvimento econômico”. Muitos economistas já demonstraram as falácias de tais ideias econômicas à esquerda, mas nenhum deles foi tão dedicado e didático na explanação delas como Ludwig von Mises — digo isso sem nenhuma dúvida ou clubismo. Mises juntou em si aquilo que se espera de um intelectual público, isto é, aprofundamento e capacidade de transformar essa profundidade científica em conteúdo para os leigos. Seu livro As Seis Lições, por exemplo, é um compilado transcrito de palestras completamente palatáveis ao público geral, não à toa se transformou em best seller no Brasil após mostrar que a economia não é esse parque de diversão para militantes chorões e especialistas incompetentes, mas antes uma ciência séria, com postulados e conclusões organizadas.
De todos os absurdos, o mais difícil de combater e, ao mesmo tempo, talvez o mais recheado de exemplos de sua evidente mentira, é a ideia de que o Estado pode planejar economicamente a vida dos indivíduos e gestar, por meio de leis, decretos e tirania, como a economia de um país deve funcionar, isto é, como as pessoas devem gastar seus dinheiros. Podemos dizer que esse é o mito central da economia socialista e fascista, é a parcela ditatorial dos regimes totalitários dedicada à economia.
Para não ser acusado de ostentar conclusões rasas, em sua Magnum Opus, Ação Humana, Mises transpôs a economia, entrando na filosofia e na sociologia a fim de mostrar que a comum liberdade agente do homem impossibilita qualquer nível de planificação de conduta, seja ela econômica, moral ou até mesmo familiar. Um religioso, espera-se, não cobiçará a mulher de outrem, mas existem aqueles que cobiçam, e está para além de nossas capacidades racionais adivinhar e prevenir, mesmo com todas as probabilidades em seu favor, que um virtuoso homem não ferirá esse postulado moral. Como definir centralmente, sem cair em uma brutal tirania, que um homem com R$ 10 deverá comprar dois pacotes de açúcar, e não um pingado e um pão na chapa para um mendigo? Parece tolo tudo isso, mas não é. Um pecador amante, além de sua culpa moral, muito provavelmente mudará o seu padrão de conduta econômica, seja para pagar um motel ou comprar um buquê de flores, mas, se não éramos capazes de prever sua infração moral, jamais cogitar-se-ia a possibilidade desses citados gastos improváveis; o indivíduo que não compra dois pacotes de açúcar quando deveria por necessidade adquiri-los, a fim de comprar um pingado e um pão na chapa, quebra a lógica esperada de sua conduta, tornando impossível a qualquer planejador prever essa ação. Agora multiplique e estenda tais pequenos atos “micro-microeconômicos” individuais, para um panorama macroeconômico de ação conjunta de uma cidade e de um país, contando sempre com a imprevisibilidade agente de cada indivíduo na base de tudo. Como o Estado pode planejar produções de insumos, distribuição de bens e demais engenharias que demandam desse imbróglio indefinível do livre arbítrio humano, sem poder definir de forma exata como cada indivíduo agirá moral, econômica e socialmente? Impossível! Como definir cotas de consumo, espécie de insumos etc., sem retirar dos homens suas liberdades? Igualmente impossível.
Mises dedicou quase sua vida toda para mostrar tal realidade humana e econômica, para desfalecer esse mito bizarro de tão infantil e irracional do planejamento central. De uma forma geral, esse foi o assunto de todos os seus livros, de Caos Planejado, Lucros e Perdas, Os Fundamentos últimos da Ciência Econômica, O Cálculo Econômico em uma Comunidade Socialista, para citar apenas 1/3 de suas obras mais famosas. Mas, de longe, o livro mais didático e mais poderoso de Mises sobre esse assunto, até o momento, não se encontrava traduzido para o português, trata-se de Planning for Freedom, que agora sairá pela LVM Editora, ainda este mês, sob o título Planejando para a Liberdade: deixem o mercado funcionar — uma coleção de ensaios e discursos. O livro consiste em ensaios, artigos de jornal e palestras transcritas, organizada por sua editora em vida, e assistente pessoal, Bettina Bien Greaves; como editor da LVM, editora que é a casa das obras do Mises no Brasil, com a pretensão aberta de lançar suas obras completas, posso dizer que poucas seleções de artigos sobre a temática central das ideias de Mises poderia ter sido tão bem realizada, e olha que a Bettina não foi a única a compilar seus textos e publicar.
“Cada ensaio de Planejando para a Liberdade é uma dose de desilusão ante o progressismo econômico centralizador”
Mises, a cada ensaio, mostra uma lógica econômica impressionante, até mesmo para mim que já leio Mises há pelo menos 14 anos. Os ensaios, além de coerentes, com argumentos acessíveis tanto às mentes eruditas quanto às menos intelectualizadas, trazem em si mesmo a chancela de um intelectual que reflete a partir da realidade. Ele é sim um teórico, lida com ideias, mas ideias que são testadas no chão duro da realidade experenciada. Com 17 capítulos, divididos em três partes: 1- A economia de livre mercado contra o planejamento governamental, 2 – Dinheiro, inflação e governo e 3- Mises: crítico do inflacionismo e do socialismo; pode-se dizer que o livro cobre — como nenhum outro de seu espólio literário — panoramicamente todas as suas críticas centrais como economista e pensador, isto é, perpassa sua produção econômica, sociológica e filosófica. Com tradução de Fernando Monteiro D’Andrea, PhD e professor assistente em empreendedorismo da Embry-Riddle Aeronautical University dos Estados Unidos, o livro tem um cuidado editorial único.
Cada ensaio de Planejando para a Liberdade é uma dose de desilusão ante o progressismo econômico centralizador, àqueles que continuam enamorados pelo socialismo econômico marxista, uma espécie de pílula vermelha de Matrix que faz ruir toda trama inebriante de mundinho perfeito de igualdade vendido à militância e demais românticos. Muitos críticos atuais, alguns até nada socialistas, julgam Mises o oposto vendedor de perfeições à direita, o libertário que se assemelha ao comunista ao final do dia, mas Mises é bem mais que isso, é uma espécie de hábil médico que entende o funcionamento do corpo que disseca, um intelectual que se dignificou dizer como a coisa é e não somente como deveria ser, que explicou como funciona e como poderia ser compreendida para servir como motor de benesse comunitária e prosperidade social. Mises nunca prometeu utopias ‒ outros libertários sim, e não foram poucos —, ele prometeu conhecimento factual e ideias poderosas que, se assimiladas à realidade observável, poderiam catapultar a sociedade a um realidade melhor e mais próspera, mas ainda sim, realidade.
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Ao mesmo tempo que somos espoliados sob uma ideologia da igualdade socialista/comunista, ainda temos uma doutrinação religiosa que há muito deveria ter sido revista. A cultura da pobreza, quando um estado sucumbe à ditadura de um socialismo cultural, é aumentada a níveis alarmantes.
É o momento que se vive no Brasil e nas maioria da América Latina.
Acordamos das garras de FHC há pouco tempo e acredito que conseguiremos reverter a doutrinação socialista.
O tempo é de muita atenção contra uma tentativa de controle socialista através de 9 do STF onde um incompetente criou um inquérito idiota das fake news exatamente para controlar o que se deve fazer. Basicamente, ser socialista. Se não não, estará espalhando “fake news”.