O economista Javier Milei, de 51 anos, tornou-se um popstar da política argentina. Dono de uma retórica inflamável e de um estilo inconfundível, o candidato a deputado federal por Buenos Aires aposta no libertarianismo para dinamitar o establishment político de seu país, historicamente assolado pelos peronistas, pelos kirchneristas e pelos liberais envergonhados.
No lançamento de sua candidatura para as eleições legislativas que serão concluídas neste domingo, 14, Milei proferiu um eloquente discurso diante de uma multidão eufórica na Praça Holanda, localizada na capital portenha. “Não vim aqui para guiar cordeiros, vim para despertar leões”, bradou, enquanto recebia os aplausos de milhares de apoiadores.
O fruto da estratégia eleitoral agressiva foi colhido nas primárias das eleições legislativas, que foram realizadas em 12 de setembro. A coalizão La Libertad Avanza, liderada por Milei, consolidou-se como a terceira força política de Buenos Aires ao alcançar 13,6% dos votos. Esse desempenho garantiu ao candidato libertário uma vaga no Congresso Nacional.
Para a cientista política Maria Eugênia Assis, a ascensão de Milei ocorre especialmente em virtude de seu comportamento irreverente diante do público. “Ele vende a imagem de um rockstar, e isso chama a atenção das pessoas, sobretudo dos jovens”, explicou, em entrevista a Oeste. “Há ainda uma postura politicamente incorreta, que vai de encontro à velha política.”
Libertarianismo
Milei é adepto da Escola Austríaca de Economia, cujos preceitos enfatizam a importância do livre mercado e das liberdades individuais. Para o líder da coalizão La Libertad Avanza, o Estado deve abster-se das atividades que podem ser desempenhadas pela iniciativa privada. Nesse sentido, o mercado assume o posto de produtor e fornecedor de bens e serviços.
Como um libertário, o futuro congressista defende a união civil entre pessoas do mesmo sexo, a legalização das drogas e o armamento da população. Ao mesmo tempo, posiciona-se contrariamente ao aborto, à pena de morte, à ideologia de gênero, à arrecadação de impostos, às cotas para minorias e à política de Direitos Humanos adotada pelo Estado argentino.
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Em entrevista ao jornal Presente, o candidato outsider explicou as bases de seu pensamento. “Filosoficamente, sou anarquista de mercado”, revelou. “Acredito nos indivíduos, na ordem espontânea, no autogoverno.” Esses conceitos foram elaborados sobretudo por Ludwig von Mises, Friedrich Hayek e Murray Rothbard, os principais expoentes da Escola Austríaca de Economia.
Segundo a jornalista Maria Laura Assis, Milei precisará ceder em suas posições para conseguir desempenhar as atividades no Congresso. “Ele perceberá que muitas de suas ideias não são possíveis de ser aplicadas, porque o mundo da política é complexo”, observou, em entrevista a Oeste. “No entanto, os próximos dois anos atuando no Legislativo devem servir de aprendizado.”
Derrocada do kirchnerismo
A ascensão meteórica de Milei ocorre ao mesmo tempo em que o kirchnerismo começa a desfalecer. Os candidatos da coalizão Frente de Todos, comandada de facto pela ex-presidente Cristina Kirchner, perderam 18 dos 24 distritos da Argentina. A derrota inclui a Província de Buenos Aires, reduto histórico do peronismo e responsável por 40% dos votos em nível nacional.
A coalizão Juntos por el Cambio, liderada pelo ex-presidente Mauricio Macri, venceu em distritos tradicionalmente avessos ao kirchnerismo, como Mendoza e Córdoba, mas também conquistou a preferência popular em Províncias que costumam rejeitar os candidatos à direita, como Chaco, La Pampa, Terra do Fogo, Misiones e Santa Cruz — o berço político dos Kirchners.
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Os resultados representam um duro golpe nas pretensões do presidente Alberto Fernández. O triunfo irretocável dos macristas e o surgimento de uma coalizão libertária, que promete romper com a polarização partidária no país, acendem o alerta para as eleições presidenciais de 2023. O prefeito da capital, Horacio Rodríguez Larreta, e o outsider Milei ganham força.
Em pronunciamento realizado depois do pleito, Fernández admitiu a vitória da oposição. “Algo não fizemos bem para que as pessoas não nos tenham acompanhado, e todos aqui escutamos o veredicto”, disse. “Há uma demanda que não satisfazemos, e à qual prestaremos atenção a partir de amanhã. Tenho dois anos de governo pela frente, não vou ficar de braços cruzados.”
Surra nas urnas
A explicação desse castigo eleitoral está na realidade. Reportagem publicada na Edição 68 da Revista Oeste mostra a catastrófica gestão dos peronistas, que foram emparedados pela pandemia e pela crise política. No ano passado, a Argentina adotou um dos mais severos lockdowns do mundo, mas os índices de contaminação e mortes não arrefeceram.
Na economia, a situação não fica melhor. O governo fechou as fronteiras, impediu a abertura do comércio e trancou a população dentro de casa. Poucos meses depois, com o fim das restrições, os principais índices econômicos do país ficaram em frangalhos. A retração de quase 10% do Produto Interno Bruto (PIB) é um símbolo da inépcia de Fernández.
Disputa eleitoral
As primárias são realizadas para eleger os candidatos que disputarão as legislativas. Neste ano, será renovada metade da Câmara dos Deputados e um terço do Senado. O ensaio eleitoral observado em setembro mostra uma tendência, visto que os argentinos antecipam suas preferências. Em 2021, a participação popular ficou em torno de 68%.
Se o resultado observado nas primárias for confirmado neste domingo, a Frente de Todos poderá perder seis senadores, o que significaria o fim do controle da Casa. Além disso, os kirchneristas deixariam de ter nove deputados no Parlamento. A coalizão governista possui 120 cadeiras na Câmara, de um total de 257, e seu objetivo — agora descartado — era alcançar a maioria (129).
Alternativa
É nesse cenário que surge o professor de economia Javier Milei, conhecido pela presença assídua em magazines de notícias e talk shows, nos quais manifestava efusivamente suas posições libertárias. Assim como Donald Trump e Jair Bolsonaro, os principais símbolos da direita no continente, o argentino se apresenta contrário ao establishment político.
O líder da coalizão La Libertad Avanza é graduado na Universidade de Belgrano e pós-graduado em duas instituições: na Universidade Torcuato di Tella, em Buenos Aires, e no Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social (Ides). Milei é autor de nove livros, nos quais trata majoritariamente de economia, sempre com foco nas liberdades individuais.
Indagado se não seria um contrassenso participar da política, tendo em vista que os libertários rejeitam a existência do Estado, Milei não hesitou. “Isso não significa abandonar a batalha cultural”, disse à Agência France-Presse. “Se você atua apenas na batalha cultural, deixa de agir na vida prática. Os torcedores do Barcelona foram legais, mas os gols foram marcados por Messi.”
Agora, os argentinos esperam que o candidato libertário seja o artilheiro das eleições legislativas, que serão concluídas ainda hoje.
Tenho acompanhado a política na Argentina neste ano e de fato Milei foi a maior novidade. No entanto, a recém bancada liberal eleita em 14.11 deverá ser liderada por José Luiz Espert, economista que se consolidou como a terceira via na Província de Buenos Aires e cujo discurso – menos teatral e mais realista do que o de Milei – poderá render mudanças mais concretas junto à bancada ‘macrista’. A imprensa brasileira deveria prestar atenção nesse nome.
Todavia, não dá para se entusiasmar muito ao saber que os Kirchneristas ainda terão 118 cadeiras entre as 257 do Congresso Nacional argentino. Difícil a vida lá, como cá.
E bom de palanque, espero que dê certo. A Argentina precisa de uma correção de rumos, urgente.
Que prevaleça a vontade popular tanto no Brasil quanto na Argentina, o restante é consequência.
Temos que nos preocupar é que esse CIRCO POLÍTICO do brasil! parlamento inoperante e omisso!
Quando se fala em dois anos para adquirir “experiência política “ seria para que o “mecanismo” tivesse tempo de “enquadra-lo”, e voltar a ditar as ordens como o centrão fez com Bolsonaro?
Olá, Andre. Obrigado pelo comentário.
Para se ter uma ideia, Milei é favorável à extinção do Banco Central — veja, extinção, não independência. Imagine, então, a dificuldade de uma medida como essas ser aprovada pelos políticos argentinos. É nesse sentido que entra a história da “experiência política”, entende? Não será fácil.