Aos 3 meses de vida, Artur Knupp Xavier foi diagnosticado com atrofia muscular espinhal (AME), doença genética rara e degenerativa que interfere na capacidade de respirar, engolir e se movimentar. Hoje, aos 2 anos de idade, o menino precisa recorrer diariamente às sessões de fisioterapia e a uma fonoaudióloga para manter o corpo ativo.
Somado ao difícil diagnóstico, a família precisou lidar com outra dura realidade: o medicamento usado para tratar crianças de até 2 anos com AME é conhecido como um dos mais caros do mundo. Produzido pela empresa farmacêutica suíça Novartis, o Zolgensma custa mais de US$ 2 milhões (cerca de R$ 11,5 milhões) por paciente.
Além do preço, existem outros obstáculos. Apesar de ter recebido registro da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em 2020, permitindo que seja comercializado no Brasil, o Zolgensma ainda não está disponível no Sistema Único de Saúde (SUS). O remédio é vital, já que produz uma cópia da proteína responsável pelos neurônios vinculados à atividade motora.
A solução encontrada pela família foi arrecadar dinheiro por meio de rifas, sorteios e doações, devido à Justiça ter negado por quatro vezes o pedido para que o Ministério da Saúde comprasse o medicamento. Agora, os pais de Artur aguardam o julgamento em última instância, no Supremo Tribunal Federal (STF).
“Estamos enfrentando uma luta incansável de dois anos e, por se tratar de uma doença progressiva, quanto mais demorar para o Artur tomar a medicação, menos ganhos ele tem”, afirma André Knupp, pai do menino. “Precisamos realizar uma vaquinha, porque infelizmente a nossa justiça é falha.”
Saúde é o tema escolhido por Oeste para, nesta sexta-feira, 02, na última reportagem da série “Desafios do Brasil”, que foi publicada desde agosto sempre de acordo a seguinte ordem de temas na semana: segunda-feira (Educação), terça-feira (Economia), quarta-feira (Agro e Meio Ambiente), quinta-feira (Segurança Pública) e sexta-feira (Saúde). Leia todas as reportagens da série aqui.
Corrida contra o tempo
Assim como Artur, existem outros brasileiros que precisaram buscar, por meio de demandas judiciais, o acesso a serviços e produtos de saúde de alta complexidade. “O processo de luta na Justiça é um processo cansativo”, lamenta André Knupp. “Negar o direito à vida do seu próprio filho é uma coisa que não tem explicação. Não dá para mensurar a tristeza.”
De acordo com um estudo do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), o gasto com medicamentos concedidos pela judicialização da saúde totalizou R$ 1,3 bilhão em 2019. Apesar de ser uma estratégia que garante o acesso ao medicamento, a decisão causa implicações para a economia do Brasil.
Uma dessas implicações corresponde ao alto impacto orçamentário, provocado pelo valor elevado dos medicamentos. Por estarem fora da programação normal de compra e distribuição dos serviços públicos, esses medicamentos de alta complexidade geram pressão no Orçamento da União.
“O impacto da judicialização da União é que não há como prever financeira e anualmente quantos brasileiros farão esse tipo de requerimento”, explica Lindiane Costa, advogada da equipe de Acesso à Saúde, do Escritório Smith Martins, especialista em resolver problemas de saúde de brasileiros, como a falta de remédios no SUS e a dificuldade em conseguir medicamentos, cirurgias, próteses e outros instrumentos pela rede pública.
Segundo a advogada, o problema não está na insuficiência dos cofres públicos. Para Lindiane, a solução seria criar políticas públicas mais efetivas. “Se a União sabe que haverá uma porcentagem de pleitos sanitários com custo elevado no seu Orçamento, os entes federados, por terem responsabilidade solidária quanto à viabilização e distribuição dos serviços de saúde, deveriam criar políticas públicas que tornam o fornecimento do tratamento ou de medicação mais rápido ao paciente”, afirma.
Problemas na distribuição
De todo o dinheiro direcionado pela União, em 2021, para as áreas de atuação do governo federal, somente 11% (equivalente a R$ 161 bilhões) foram direcionados à área da saúde. Desses 11%, somente 7,6% (equivalente a R$ 12 bilhões) foram direcionados para suportes profiláticos e terapêuticos, que compreendem as ações voltadas para a produção, a distribuição e o suprimento de drogas e produtos farmacêuticos em geral.
O montante foi ainda menor em 2022, quando, de todo o dinheiro direcionado pela União, somente 9% (equivalente a R$ 91 bilhões) foram para a saúde. Desses 9%, mais de 8% (equivalente a R$ 7 bilhões) foram direcionados para suportes profiláticos e terapêuticos.
O sistema de aquisição de compras de medicamentos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) é organizado em quatro componentes:
- Básico: disponibiliza medicamentos que tratam os principais problemas e condições de saúde da população brasileira;
- Estratégico: oferece medicamentos e insumos para tratar doenças com potencial de impacto endêmico, como esquistossomose, Chagas e dengue;
- Especializado: entrega de medicamentos para combate de doenças crônico-degenerativas e raras;
- Programa Farmácia Popular: disponibiliza medicamentos gratuitos para o tratamento de diabetes, asma e hipertensão, dislipidemia, rinite, doença de Parkinson, osteoporose, glaucoma, anticoncepção e fraldas geriátricas para quase 10 milhões de pessoas todos os anos.
Os medicamentos disponibilizados pelo SUS estão na Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (Rename), uma lista orientativa elaborada por cada município, os quais estabelecem sua própria relação de medicamentos, segundo as características epidemiológicas da região.
“O Brasil possui um sistema de saúde com ramificações funcionais em sua estrutura. Se esse sistema contasse com um repasse maior, além da sobrevida de muitos brasileiros, evitaria a judicialização tocante aos requerimentos não atendidos pelos cidadãos administrativamente em face do SUS”, afirma a advogada Lindiane Costa.
Apesar das iniciativas, o Brasil tem o segundo menor gasto público em saúde em porcentual do PIB, segundo uma lista com outros 13 países membros da Organização de Cooperação para o Desenvolvimento Econômico (OCDE), grupo o qual pleiteia adesão. Somente 3,8% do PIB nacional em 2019 correspondeu ao setor — último dado disponibilizado pelo Ministério da Economia. Na lista, a maior despesa relativa de governo em saúde pertenceu à Alemanha, com 10% do PIB.
Em contrapartida, o Brasil tem o maior gasto privado de saúde da lista da OCDE. Em termos nominais, famílias brasileiras, ONGs e Igrejas desembolsaram R$ 427 bilhões para arcar com medicamentos, aparelhos, planos de saúde e outros serviços, de acordo com a pesquisa Conta-Satélite de Saúde 2010-2019, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), feita a partir das bases do próprio instituto, Ministério da Saúde, Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). O valor correspondeu a quase 6% do PIB em 2019.
O que falta?
Assim como as outras famílias brasileiras, os pais de Artur Knupp Xavier precisaram encontrar alternativas para garantir o acesso ao Zolgensma, medicamento mais caro do mundo. Uma solução foi a mudança para a Itália em maio deste ano, onde o menino pôde tomar o remédio a partir da comprovação de cidadania italiana.
“Partimos depois de outra negativa da Justiça ao direito à vida do Arthur”, conta André. “Viemos para cá sem falar o idioma, com cara e coragem. Infelizmente não tenho a condição de comprar a medicação, mas enquanto eu tiver força farei tudo que for possível.”
Hoje, a família aguarda oportunidade no exterior, ao mesmo tempo em que espera o julgamento pelo STF no Brasil. Além disso, as campanhas de arrecadação de dinheiro continuam. Para ajudar a salvar a vida de Artur, clique aqui.
Segundo a advogada Lindiane, o investimento na indústria farmacêutica brasileira ajudaria na distribuição ainda maior dos medicamentos na rede pública. Quase 95% dos medicamentos no país dependem de matéria-prima originária principalmente da China, que teve as exportações afetadas devido à imposição de lockdown para conter a nova onda de casos de covid-19.
Incrível. 5 bi de fundo eleitoral não “apertam” o orçamento, 1.3 bi para salvar vidas sim.
O STF está mais preocupado com a política, principalmente em abrir inquérito contra Bolsonaro e seus apoiadores! STF não está nem aí com os problemas reais do Brasil, mas sim em perseguir o governo!
Matéria incrível!!
Se alguém da família de algum dos iluministros tivesse essa doença do pequenino Artur Knupp Xavier…. !!!???