“Justiça determina retorno à escola de criança em ensino domiciliar”. “Mantida multa a casal que não matriculou filho em escola.” “Conselho Tutelar ameaça tirar guarda de pais que optaram pelo homeschooling.” Há quatro anos, essas e outras manchetes se tornaram frequentes na mídia, e podem continuar a sê-lo.
O tema ganhou notoriedade depois de ser incluído no programa de governo do presidente Bolsonaro, porém é um problema que se arrasta há anos e precisa de uma solução quanto antes. O Brasil tem 7,5 mil famílias que optam pelo homeschooling, conforme a Associação Nacional de Ensino Domiciliar (Aned).
A maioria desses pais atua na ilegalidade, passando por constrangimentos que vão de visitas do Conselho Tutelar à ameaça de perderem a guarda dos filhos. Atualmente, o Código Penal também condena a adoção da educação domiciliar, considerando-a abandono intelectual, sob pena de 1 mês de detenção e multa.
Esse cenário de insegurança se deu em virtude de uma decisão de 2018 do Supremo Tribunal Federal (STF). Naquele ano, a Corte entendeu que os pais não podem ter a exclusividade sobre o ensino dos filhos, mas, sim, reparti-la com o Estado. Portanto, caberia uma resposta do Executivo e do Legislativo.
Educação é o tema escolhido por Oeste nesta segunda-feira, 8, dentro da série de reportagens “Desafios do Brasil”, que será publicada até o dia 30 de setembro, sempre seguindo a seguinte ordem de temas na semana: segunda-feira (Educação), terça-feira (Economia), quarta-feira (Agro e Meio Ambiente), quinta-feira (Justiça e Segurança Pública) e sexta-feira (Saúde). Veja aqui as reportagens do projeto Desafios do Brasil.
Hoje, o homeschooling é reconhecido, permitido ou regulamentado em mais de 60 países, estando presente nos cinco continentes. Na América do Sul, abrange apenas Colômbia, Chile, Equador e Paraguai. A exemplo de nações vizinhas, como o Peru e a Argentina, o Brasil não tem uma legislação federal sobre isso.
Projeto sobre homeschooling está parado no Senado
Em maio deste ano, a Câmara dos Deputados aprovou um projeto de lei que autoriza o homeschooling no país. O texto, contudo, está parado no Senado, onde pode sofrer mudanças. Se for alterado, volta para as mãos dos deputados.
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), disse que a medida não é uma prioridade de sua gestão à frente da Casa. Portanto, deve ficar parado nas gavetas das comissões, sobretudo porque o país está em ano eleitoral.
Ricardo Dias, presidente da Aned, debita a polêmica do ensino domiciliar na conta da falta de conhecimento sobre a prática no Brasil. “A frase ‘lugar de criança é na escola’ foi repetida por décadas, em vários governos ao longo da história do país”, observa. “É um discurso fácil, que ficou arraigado no tecido social. Por causa disso, não conseguimos pensar no ensino fora do modelo tradicional.”
Dias acredita no potencial dos pais de mediar e conduzir os filhos nos estudos. O especialista ressalta os benefícios da dedicação a matérias específicas, como a liberdade. “A coisa é tão engessada que introjetamos no vocabulário a expressão ‘grade curricular’”, disse. “No homeschooling, o estudante vai além disso ao escolher o que vai priorizar. Ele pode seguir estudando uma disciplina por um mês inteiro, por exemplo, sem prejudicar o aprendizado geral.”
Quais etapas do ensino poderiam ser feitas em casa?
O texto aprovado pelos deputados prevê que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação seja alterada para admitir o ensino domiciliar na educação básica, isto é: pré-escola, ensino fundamental e médio.
Qualquer família poderia fazer?
Pelo projeto, nem todas as famílias poderão aderir ao ensino domiciliar. Para optar por essa modalidade, os responsáveis terão de formalizar a escolha em uma instituição de ensino credenciada, fazer matrícula anual do estudante e apresentar os seguintes documentos:
- Comprovação de escolaridade de nível superior, inclusive em educação profissional tecnológica, em curso reconhecido nos termos da legislação, por pelo menos um dos pais ou responsáveis legais pelo estudante;
- Certidões criminais da Justiça Federal e Estadual ou Distrital dos pais ou responsáveis.
A proposta estabelece um período de transição em relação à exigência de comprovação de escolaridade de nível superior, caso os responsáveis escolham homeschooling nos dois primeiros anos após a regulamentação entrar em vigor.
A transição prevista no projeto permite:
- A comprovação, ao longo do ano da formalização da opção pela educação domiciliar, de que pelo menos um dos pais ou responsáveis legais está matriculado em curso de nível superior;
- Comprovação anual de continuidade dos estudos, com aproveitamento, por pelo menos um dos pais ou responsáveis legais, no curso de nível superior em que estiver matriculado;
- Conclusão, por pelo menos um dos pais ou responsáveis legais, do curso de nível superior em que estiver matriculado, em período de tempo que não exceda em 50% do limite mínimo de anos para sua integralização.
Quais seriam as obrigações?
A proposta aprovada na Câmara estabelece também regras para as instituições de ensinos e responsáveis legais no desenvolvimento da educação domiciliar:
- Manutenção de cadastro, pela instituição de ensino dos estudantes em educação domiciliar nela matriculados, a ser anualmente informado e atualizado no órgão competente do sistema de ensino;
- Cumprimento de conteúdos curriculares referentes ao ano escolar do estudante, de acordo com a Base Nacional Comum Curricular, admitida a inclusão de conteúdos curriculares adicionais;
- Realização de atividades pedagógicas que promovam a formação integral do estudante, contemplando seu desenvolvimento intelectual, emocional, físico, social e cultural;
- Manutenção, pelos pais ou responsáveis legais, de registro periódico das atividades pedagógicas realizadas e envio, à instituição de ensino em que o estudante estiver matriculado, de relatórios trimestrais dessas atividades;
- Acompanhamento do desenvolvimento do estudante por docente tutor da instituição de ensino em que estiver matriculado, inclusive mediante encontros semestrais com os pais ou responsáveis, o educando e, se for o caso, do profissional que acompanha o ensino domiciliar;
- Garantia, pelos pais ou responsáveis legais, da convivência familiar e comunitária do estudante;
- Realização de avaliações anuais de aprendizagem e participação do estudante nos exames do sistema nacional de avaliação da educação básica e nos exames do sistema estadual ou sistema municipal de avaliação da educação básica.