Não existe cota feminina nas eleições brasileiras. Ao contrário do que o imaginário popular pensa, a Lei Eleitoral do Brasil não faz menção a uma cota só para mulheres. O que de fato existe é uma cota de gênero, que estabelece que o número total de candidatos em um partido, deve ser composto por no mínimo 30% e no máximo de 70% de postulantes para cada gênero (masculino e feminino).
O texto está na lei 9.504 97, no artigo 10, criada em 2009. O que ocorre é que as mulheres geralmente ficam com a cota de 30%, e os homens com a de 70%. O advogado eleitoral Marcellus Ferreira explica que, caso surja um partido composto por maioria feminina no Brasil, pelo menos 30% das vagas devem ser destinadas ao gênero masculino.
“Não existe cota feminina”, afirmou o especialista. “Essa cota de gênero é uma garantia mínima. Os partidos usam desse dispositivo para criar um teto de participação da mulher, mas, o objetivo da lei é incentivar uma participação mínima para cada gênero, o que deveria ser benéfico também para as mulheres.”
Caso os partidos não cumpram a cota estabelecida, ele precisa diminuir o número de candidaturas majoritárias para estabelecer o critério de proporcionalidade entre os gêneros. Contudo, se as legendas não fazem isso, e ainda desejarem registrar uma candidatura com 80% homens e 20% mulheres, ele será impedido de concluir os registros de candidaturas na Justiça Eleitoral.
Relacionadas
“Nesse caso, os partidos precisam diminuir a cota de 70% (majoritária) até chegar na proporção”, observou o especialista. “Se a legenda desejar registrar a candidatura sem o reajuste proporcional de gênero, não vai conseguir. Além disso, o partido pode perder parte do valor do fundo eleitoral e sofrer outras escalas de punições.”
Não adianta a lei trazer essa garantia no papel, pois isso nem sempre se confirma na vida real, defende o advogado. Desde 2020, o esquema de candidaturas laranjas de mulheres para driblar a cota mínima de gênero já levou à cassação de 17 vereadores nos três maiores colégios eleitorais do país (Rio, São Paulo e Minas Gerais).
A Justiça Eleitoral puniu os postulantes, pois os partidos inscreveram representantes femininas apenas para alcançar o índice mínimo de 30%, para cumprir a lei. Contudo, as campanhas foram fictícias e os votos da chapa foram invalidados.
Conforme um levantamento do jornal O Globo, do início deste ano, existiam casos em que as candidatas sequer sabiam que estavam concorrendo e outras que nem se empenharam na campanha para a eleição. Esse procedimento é conhecido como candidaturas laranjas.
Em Conceição do Pará (MG), por meio de um áudio, a candidata Maristela Galvão (PV), que teve três votos, reconheceu que emprestou o nome apenas para preencher a cota, sem interesse de concorrer. A defesa dela alegou que a prova é ilícita, porque a conversa foi gravada sem autorização prévia.
No mesmo Estado, Marcos Antônio da Silva (PSC) perdeu o mandato em Ouro Fino depois da denúncia de uma das seis mulheres lançadas pelo partido. A candidata laranja participou de um churrasco da sigla, assinou uma lista de presença e disse que, posteriormente, foi lançada sem o seu consentimento.
Ela diz não ter assinado a ficha de filiação e que soube estar concorrendo por meio de um conhecido na cidade, que viu o nome dela na lista de um site local. O PSC negou as acusações e disse que a baixa votação de mulheres é uma característica do município.
Nas eleições municipais de 2016, por exemplo, o Tribunal Superior Eleitoral identificou que pouco mais de 14 mil candidatas terminaram a eleição sem ter recebido sequer um voto, nem o seu próprio. Mesmo com o incentivo na lei para candidaturas proporcionais de gênero, as fraudes ainda acontecem e o cenário de desigualdade parece não mudar. “Enquanto a cultura machista não for mudada no Brasil, pode vir o que for: poder Judiciário, Executivo ou Legislativo, que não resolve o problema”, defende o especialista.
Baixa representatividade?
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, mais da metade da população brasileira (51,13%) é feminina, e elas representam, segundo o TSE, 53% do eleitorado. Entretanto, as mulheres ocupam hoje apenas 15% das cadeiras na Câmara dos Deputados; 13% no Senado Federal; e 161 foram eleitas no último pleito nas assembleias legislativas.
Desde 1889 (início da República), o Brasil teve apenas uma presidente mulher, Dilma Rousseff, e 16 governadoras. Desse número, somente oito foram eleitas para o cargo, as outras eram vice-governadoras que assumiram o posto com a saída do titular.
As oito governadoras eleitas administraram seis Estados: Maranhão, Rio Grande do Norte (RN), Pará, Rio de Janeiro, Roraima e Rio Grande do Sul. O RN ainda é pioneiro quando o assunto é participação feminina na política. Em 1927, o Estado foi o primeiro a permitir que as mulheres votassem e fossem votadas. Além disso, também foi o pioneiro quando elegeu uma prefeita, Alzira Soriano, na cidade de Lajes.
Conforme o TSE, nas eleições deste ano, o número de mulheres que se candidataram é maior do que o das últimas três eleições gerais.
- 2014: 8.139
- 2018: 9.221
- 2022: 9.353
O pleito deste ano tem 28.288 candidaturas registradas. O número é 7,71% maior do que as eleições de 2014, mas cerca de 3% menor do que o de 2018.
Isso é um problema?
A jornalista e analista de política Mariana Brito Garschagen defende que as cotas não trazem resultados efetivos. “Apesar de muitas leis terem sido criadas para tentar garantir igualdade de gênero na política, os homens continuam ocupando a grande maioria dos cargos”, explicou. “Essas cotas, na verdade, só geraram um terrível e corrompido efeito colateral.”
A baixa representatividade das mulheres na política não é, de fato, um problema, afirma Mariana. Para ela, é fácil falar de desigualdade para atender a uma pauta ideológica, no entanto, é preciso olhar a questão com profundidade. “Talvez as mulheres não participem da política simplesmente por não verem a política como uma área de interesse”, explicou.
A analista de política destaca que é preciso olhar as coisas de outro modo. A política tem uma razão de existir e ela se dá pela vocação das pessoas, pelo interesse. “Isso não se resolve com cotas”, observa. “Resolvemos permitindo que quem tem talento para a política possa servir a população. E não existe nada, hoje, que impeça uma mulher de se candidatar. Ao contrário, por mais que as pessoas insistam nesse argumento de que as mulheres não estão na política por serem mulheres, a realidade se impõe e diz o oposto.”
Mariana cita o exemplo da ex-presidente Dilma, eleita duas vezes, mas que passou por um processo de impeachment em 2016, por crimes de responsabilidade, pedaladas fiscais e créditos suplementares sem autorização legislativa.
“Será que as pessoas decidiram tirá-la do poder 6 anos depois porque ela era mulher? Ou será que o fizeram porque ela apresentou problemas graves em sua gestão? A gente sabe a resposta”, explicou a analista. “Ou seja, essa discussão de que não há espaço para a mulher na política e que, por isso, precisamos de cotas, é apenas um espantalho do movimento feminista.”
A jornalista Fernanda Salles (Republicanos-MG), candidata a deputada estadual, entende que ninguém precisa de cotas. “Se as mulheres querem maior espaço na política, obviamente devem se candidatar aos cargos públicos”, explicou. “Cabe ao povo julgar nas urnas. Não faz diferença se o representante político é homem ou mulher. A frase ‘mulher vota em mulher’ é uma das maiores bobagens feministas que já ouvi.”
Fernanda ainda compreende que existe desigualdade entre homens e mulheres na política, mas que isso é um sinal de que as mulheres não têm tido interesse o suficiente nessa área. “E está tudo bem!”, afirmou. “Nem todas conseguem conciliar a maternidade com a vida política, por exemplo. E nem precisam. Forçar a ideia de que precisamos alcançar uma igualdade de sexos dentro da política é ridículo. Homens e mulheres diferem e, em sua maioria, se interessam por profissões diferentes.”
Por fim, a candidata ainda ressalta que ninguém deveria escolher votar em um candidato pelo seu sexo, mas pela postura, pautas, valores e histórico político.