Pesquisar na grande mídia sobre as Jornadas de Junho, que completam uma década nesta semana, parece um misto de mistério insondável com referências óbvias ao impeachment de Dilma dois anos depois, à prisão de Lula em 2018 e à eleição de Jair Bolsonaro no mesmo ano — ou, como repete goebbelsianamente a velha mídia, a “ascensão da extrema direita” no Brasil.
Tem-se a impressão de que os protestos que tomaram o país a partir do aumento do preço da passagem de ônibus em São Paulo em 20 centavos foram uma convulsão espontânea e irracional, legando uma direita — ou “extrema direita” — a um Brasil que considerava Alckmin e Serra grandes nomes contra a esquerda. Mesmo livros de intelectuais esquerdistas, como Mascarados, de Ester Solano, Bruno Paes Manso e William Novaes, ou A Forma Bruta dos Protestos, de Eugenio Bucci, parecem mais confessar as dúvidas de seus próprios autores do que traçar um panorama.
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Mas é possível farejar fatos além das notícias. A revolta dos 20 centavos, que chegou a ter apoio de 89% da população, começou com o preço da passagem e passou a ser por saúde, educação, contra a Copa e culminou com a escalada dos black blocs, mudou o país de ponta cabeça.
E foi planejada, pensada por intelectuais, discutida por lideranças, exposta em livros. Quase envolveu uma Constituinte — e terminou com a esquerda requisitando os mesmos mecanismos de controle e repressão de que se dizia vítima no fatídico junho de 2013, censurando os mesmos meios de que usou para criar a revolta e… com um inquieto elo entre a os transportes em São Paulo, a Justiça brasileira e o PCC.
Por que os 20 centavos? E por que transporte?
São Paulo é uma cidade acostumada a mais de uma centena de “protestos” por ano — contando só a região central e da Avenida Paulista. A cada três dias, algum grupo reivindica a área para uma manifestação. No 6 de junho de 2013, a notícia de que um monte de estudantes tomava ruas contra o aumento da passagem foi tomada como uma obviedade: seria mais um dia de trânsito.
O tal Movimento Passe Livre (MPL), entidade por trás do protesto, já existia há pelo menos uma década em 2013. Havia testado as “Revoltas da Catraca” em julho de 2004, em Florianópolis, depois partindo para Salvador, Belo Horizonte, Curitiba, Belém, Rio de Janeiro, Campinas, Sorocaba e na capital paulista.
José Serra, como prefeito, enfrentou mobilizações no seu primeiro mês no cargo. Sua atuação prosseguiu: em 2015, o movimento estaria participando do “churrascão da gente diferenciada”, exigindo a inauguração do Metrô Higienópolis, bairro nobre da capital, quando uma moradora supostamente teria criticado a ideia.
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A escolha dos revolucionários em se focar na pauta dos transportes, como relatado em seu próprio livro, 20 Centavos: a Luta Contra o Aumento, e também no e-book Movimentos em Marcha: Ativismo, Cultura e Tecnologia (um preparatório em minudências de como iriam preparar a revolução), foi simples: pautas esquerdistas, como aborto ou indigenismo, não tinham apelo entre a população. Já a causa dos transportes sempre mobilizava pessoas além de sua bolha, como observavam desde os anos 2000.
A inspiração era a Marcha da Maconha. A Marcha sempre reunia apenas os mesmos jovens hedonistas e desacreditados pela população. Quando era suprimida pela polícia, virava “Marcha Pela Liberdade”. Jornalistas estrilavam sobre os riscos à democracia e à liberdade de expressão (tema que saiu completamente de moda pós-Trump). Imagens de jovens sendo empurrados por policiais estampavam jornais. Aí, o apoio popular “além da maconha” crescia até 1000%.
O transporte é um tema primordial em grandes capitais — que dirá uma megalópole como São Paulo. Quase todo prefeito foi apeado do cargo por algum problema com transporte, como o “Fura Fila” de Celso Pitta, a máfia das lotações para Marta Suplicy, os aumentos para Serra e Kassab. Nem é preciso lembrar das denúncias de corrupção envolvendo uma poderosa família petista na capital, que chegam até a Santo André de Celso Daniel… O tema também é universal: não afeta apenas pobres ou moradores da periferia. Linhas de transporte são o primeiro alvo de ataques no caso de guerra.
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Sem uma popularidade muito grande, partidos de extrema esquerda se juntaram com estratégia: entre todas as suas pautas, o foco deveria ser o transporte. Daí ganhariam esteio para suas demais demandas, formando lideranças carismáticas e lançando-se na velha política.
Claro, partidos evitavam usar seus nomes e bandeiras em época não-eleitoral (o Psol ainda era uma piada naqueles idos). PSTU, PCdoB, PCB (unidos) e membros do PCO e do próprio PT sabem que uma “manifestação do Psol” não rende quórum — nem mesmo trânsito. A saída é usar “coletivos”, até com outras cores e bandeiras, como o “Juntos!” do Psol ou a Assembléia Nacional dos Estudantes – Livre (Anel). Pelo nome que não junta bem as palavras, só poderia ser do PSTU – Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado, que só não se chama Partido Unificado dos Trabalhadores Socialistas porque a sigla seria “Puts”. Da reunião de diversos coletivos (além de outras designações de partidos), surge o “apartidário” Movimento Passe Livre — depois de a própria mídia perceber a mutreta, preferiram clamufar-se um pouco como “movimento transpartidário”.
No livro 20 Centavos, Elena Knijnik, Luciana Piazzon e Pablo Ortellado (hoje colunista da Folha de S.Paulo) confessam algo que dificilmente encontramos na mídia da época: o MPL, tratado como um coitadinho ignorado, tinha uma reunião marcada na prefeitura de São Paulo no primeiro dia de protestos, mas preferiu simplesmente ignorá-la: “A manifestação passa rapidamente pelo prédio da prefeitura em direção ao Vale do Anhangabaú e dali à Avenida 23 de Maio […]. A ação foi inesperada e por essa razão demorou para que a Polícia Militar adotasse uma estratégia eficiente para dispersar os manifestantes” [p. 29]. Já no primeiro dia, incêndios de pneus e barricadas fecham as vias expressas e respiratórias de quem queria voltar para casa.
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Ou seja, o objetivo não era exatamente resolver a encrenca dos 20 centavos, e, sim, “apostando na estratégia clássica do Passe Livre” (já muito testada), criar o caos social: “Alguns minutos depois, o Batalhão de Choque foi acionado e deu início a uma verdadeira batalha campal, que se espalhou por toda a região central (…). Para o bem ou para o mal, a ação policial na Avenida 23 de Maio, ao dispersar os manifestantes a esmo, multiplicou as frentes de ação em inúmeros focos” [p. 29-30]. Ao todo, 15 manifestantes são detidos.
Imagine-se alguém confessando querer um confronto com a polícia com tais termos em 2023, depois de CPIs e inquéritos secretos investigando até quem critica políticos em conversas privadas, e após o 8 de janeiro.
2013, o ano dos protestos
Após duas semanas de caos organizado por pessoas que raramente usavam transporte público — os protestos na era Serra e Kassab, além dos experimentos em outras cidades, não eram próximos um do outro, fazendo com que as pessoas se esquecessem dos revoltados – as imagens de manifestantes com sangue no rosto começaram a chocar o país.
De uma semana aparentemente normal (o que é São Paulo com trânsito?) para outra, a Revolta da Catraca de 2013 conseguiu o que queria, e que falhara em 2004: apoio popular. O mote passa a ser “Não é pelos 20 centavos”. É a dialética negativa de Adorno: revelar apenas contra o que se é, o que não se é, nunca definindo-se o que se faz de verdade. A população compra a ideia: no fim da terceira semana, os protestos já são praticamente diários. Com dezenas e até centenas de milhares de pessoas. Em muitas cidades. Sem nenhuma pauta, além de dizer que a pauta já não era mais pelos 20 centavos.
As Jornadas de Junho, nesse momento, tornaram-se o que é chamado pela ciência política de movimento de massa. Com essa terminologia técnica, pega de empréstimo a autores como Ortega y Gasset, Eric Hoffer e Elias Canetti, não se tenta descrever qualquer movimento político com muitas pessoas, mas a massa aberta, ou seja, sem pauta clara.
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O PT, por exemplo, fazia piquetes e greves por aumento de salários para metalúrgicos nos anos 80. Não era um movimento de massa neste sentido. É bem diferente de uma causa aberta, como a Marcha da Maconha virando “Marcha pela Liberdade”, ou uma manifestação por 20 centavos (pauta que não era aceita pela maioria da população), de repente, tornar-se uma massa informe, sem clareza, gritando por “educação” ou “saúde” e contra a Copa das Confederações naquele ano.
Qual o método? Contra quem? A favor de quem? Como uma pauta como “mais saúde” ou “contra a Copa” traduz-se na prática?
Era uma dinâmica comum em um ano logo após a Primavera Árabe, o Occupy Wall Street, a Revolução Kitchenware (Búsáhaldabyltingin) na Islândia, os Indignados, ou 15-M, na Espanha, a Mobilização Estudantil de 2011 no Chile, que quase legou uma “Greta” chilena. Os países que conseguiram livrar-se de seus governantes os trocaram por um autoritarismo bem pior.
No Brasil, a confusão testemunhava um prefeito petista, Fernando Haddad, observando de seu gabinete bandeiras de partidos anexos do PT – e do próprio PT – marchando diante da prefeitura, em um protesto com crianças, idosos, fogo, bandeiras de partidos e pessoas dizendo-se contra partidos, tudo junto e misturado.
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Haddad e Alckmin começam uma curiosa parceria que apenas aumentaria na década seguinte. O povo mais ordeiro também sentia uma certa adrenalina em estar contra a polícia uma vez na vida: viaturas eram incendiadas e capotadas, com pais de família passando pelo lado. Renata Loprete, da GloboNews, criaria um termo que seria repetido em todas as manifestações: a “minoria de vândalos”. Todos os protestos, todos os dias, seguiam o mesmo ritual: eram pacíficos até certa hora da noite. Dali em diante, ao redor de prédios públicos, o caos acontecia. E logo entrariam em cena os black blocs.
Um momento em que o Brasil quase virou a chave foi durante um protesto em Brasília, no qual manifestantes foram protestar diante… do Itamaraty, e não do Ministério da Justiça ali ao lado. Por que dirigir-se a um Ministério que não cuida de assuntos internos (manifestantes relatam empurrões direcionando a massa)? Porque o Itamaraty tem sua segurança feito pelas Forças Armadas, e não pela polícia.
A velha narrativa da esquerda de que luta contra as ditas FFAA… enquanto ministros de Dilma já aproveitavam para redigir uma nova Constituição. Consultados por FHC, engavetaram o projeto e apenas sugeriram o Mais Médicos à população que clamava por “saúde” sem clareza. Na prática, dinheiro para a ditadura de Cuba.
Ninguém foi investigado ou chamado de “antidemocrático” por isso. Nem mesmo quando se tentou invadir o Congresso Nacional com todos os políticos lá dentro — não há menção à palavra “golpista” na mídia, na política ou no Judiciário, nem alguma CPI para investigar e nem uma narrativa de “golpe de Estado” em curso para transformar metade da população em culpa de ser ditadora, exigindo-se um novo ordenamento processual no lugar.
Onde há fumaça, há fogo –— e ocasionalmente o PCC
Enquanto políticos não sabiam o que fazer (Alckmin chegou a tweetar, no meio do caos, parabenizando “toda a população de Guaratinguetá pelos 383 anos da cidade”), as ruas incendeiam-se, literalmente, com o MPL concretizando o que ameaçou em uma resolução de 9 anos antes: “Todos temos o sangue pela vitória dessa atividade, pois ela vai desencadear um processo de revoltas simultâneas jamais visto no Brasil!”.
O Nobel de Literatura Elias Canetti escreve, em Massa e Poder, que a massa sempre vai cercar prédios públicos e fechar as vias mais simbólicas de uma cidade. Já Ortega y Gasset, em A Rebelião das Massas, destaca que a massa reivindica pão, e a forma como o exige geralmente é incendiando padarias.
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Os ônibus que foram mote dos 20 centavos apareciam constantemente em chamas pela TV. O que começou a inquietar aquela população que foi dar apoio a uma revolta que já não era mais “pelos 20 centavos”.
Mas a principal notícia daqueles dias passou com uma nota de rodapé. Ônibus costumam ser queimados em represália à polícia, principalmente quando causa uma baixa em algum criminoso com elos com crimes maiores. Em 2013, os incêndios a ônibus tampouco foram gratuitos, anárquicos e aleatórios: o grosso da população jamais sairia com coquetel molotov na mochila para pedir por mais hospitais e menos preocupação com a Copa.
Ao todo, 132 ônibus foram incendiados em 2013. O número salta para assustadores 662 no ano seguinte — 268 apenas no estado de São Paulo. Como um dos estados mais seguros do país tem tantos crimes com ônibus?
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A ferida aberta de 2013 e 2014 talvez tenha diagnóstico um dado pouco explorado: dos 66 veículos queimados na capital, apenas sete eram micro-ônibus, que pertencem a cooperativas.
As cooperativas foram criadas como substituição aos antigos ônibus clandestinos – uma espécie de “regulamentação” do problema que mais gerava notícias negativas para Marta Suplicy: os constantes assassinatos por disputas de pontos de lotação. Segundo relatório do Gaeco, grupo do Ministério Público que investiga o crime organizado, metade das cooperativas de São Paulo têm elos com o PCC, que cobrava aluguel e chegava à diretoria das cooperativas.
Essas cooperativas estariam incendiando ônibus para eliminar a concorrência. Portanto, 90% dos veículos incendiados seriam de empresas — as cooperativas quase não sofrem ataques. Quem incendeia ônibus, portanto, parece evitar aqueles de cooperativas “coincidentemente”.
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O MP, na época, denunciou o deputado Luiz Moura, então no PT, depois no PDT, por alegados elos entre cooperativas e o PCC. Luiz Moura já havia sido condenado por dois roubos a supermercados em 1993, tendo cumprido pena em uma penitenciária paulista. Foi um dos responsáveis pela implementação do Bilhete Único durante a gestão de Marta Suplicy, tendo sido presidente de honra da Transcooper Leste.
A Transcooper, acusada de ter dois sócios envolvidos em esquema de lavagem de dinheiro para o PCC, foi próxima de muitas das pessoas mais poderosas do país. Até hoje alguns mistérios envolvendo as transportadoras e a política de segurança em São Paulo são guardados a 7 chaves.
Autoritarismo encomendado
A resposta das autoridades ao 2013 marcaria um paradigma desta década política. Se não era possível cancelar a Copa das Confederações (e a Copa do Mundo em 2014, as Olimpíadas no Rio em 2016 etc), ao menos era possível fazer uma coisa e dizer o exato oposto. “Não vai ter Copa e vai ter Copa”, afirmou Ivana Bentes, uma das ideólogas dos coletivos por trás dos protestos.
Mais ainda, como transformar um protesto “por saúde e educação” em uma pauta tangível? A princípio, com populismo barato. Com o PT no poder, aproveitou-se o discurso das ruas para se instituir o programa Mais Médicos — um programa no qual médicos não tinham direito de conversar com a população, eram controlados em território brasileiro tiranicamente pela ditadura cubana e tinham condições de trabalho análogas à escravidão. A única vantagem do programa é que, pela primeira vez no mundo, acabaram com o mistifório da “saúde cubana de primeiro mundo”, com centenas de denúncias de erros médicos gravíssimos já no primeiro mês.
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O Mais Médicos — ressuscitado no governo Lula 3 — não foi apenas um programa político, mas um paradigma. O projeto demonstra que a classe política pensa ainda com uma defasagem média de uns 60 anos em relação ao que ocorre diante de seus narizes.
Seria trágico nos anos de Guerra Fria — vira uma catástrofe civilizacional numa era em que toda a cultura mundial vira do avesso a cada meia década. O mundo mudou mais de 2016 até 2023 do que do fim da Guerra Fria até 2016. Mais ainda depois de 2020. Mas as respostas da classe política continuam defasadas, ultrapassadas, viciadas em observar oportunidades para aumentar seu próprio poder. O Mais Médicos foi só um exemplo: seja o PL das Fake News ou uma típica aprovação de uma política por outro Poder da República, parece que o único norte moral de nossos políticos e burocratas é saber o quanto conseguem controlar mais a população, seu dinheiro e, mais importante do que tudo hoje, seus pensamentos.
Muita coisa na política mudou de 2013 até hoje. Mas os mistérios mais incendiários daqueles dias são ainda o tema mais candente do país.
Temos que descobrirum mote para as massas (parecido com os 20 centavos de 2013) para derrubar este desgoverno ?
Vamos colocar a cabeça para funcionar !!!!!
ATÉ que ENFIM escreveram A VERDADEIRA de 2013… Simplesmente Perfeito!!!
Leiam e repassem!!!
O acordo escondido a sete chaves envolve Xandao famila Tatto, Tucanos Alckmin PTRALHAS eee CLARO!!!
PCC
Leiam e repassem!!!
O acordo escondido a sete chaves envolve Xandao famila Tatto, PTRALHAS eee CLARO!!!
PCC
1932 é logo ali!