(J. R. Guzzo, publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 10 de abril de 2024)
É da natureza das ditaduras, mesmo as ditaduras judiciais, cometer um delírio em suas decisões e depois ter de cometer um segundo, para sustentar o primeiro — e depois um terceiro, e assim por diante. É onde se encontra o Brasil neste momento, pela conduta cada vez mais anormal do STF em geral e do ministro Alexandre de Moraes em particular. Sua última realização foi abrir um inquérito, por suspeita de “obstrução de justiça, inclusive em organização criminosa” e “incitação ao crime”, contra o empresário Elon Musk, atual controlador do X (antigo Twitter).
É uma decisão histérica. Moraes, com o apoio da sua torcida, quis mostrar que é o macho-alfa da democracia brasileira — aquela mania de colocar a si próprio como a autoridade máxima do pedaço, ameaçar todo mundo com prisão e gritar: “Sabe com quem você está falando?” Tudo o que conseguiu foi montar uma farsa intensamente ridícula. Não vai acontecer nada. Ele manda tanto em Musk como no movimento de translação da Terra — e se obrigar o X a sair do Brasil, como a esquerda ameaça, a única certeza é que o empresário estará pouco ligando para o desfecho.
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“Seria risível, não fosse tão perigoso para o país, o fato de um único ministro do STF se arvorar em leão de chácara da democracia”, escreveu o Estadão em editorial sobre mais essa chanchada da nossa “Suprema Corte”, como diz Lula. Porque a indignação contra Musk? Ele diz, para se ficar ao centro da questão, que o ministro Moraes censurou e censura postagens no X, proibiu usuários de escreverem em seus espaços e bloqueou perfis inteiros na plataforma — ou seja, proibiu as pessoas de dizerem o que ainda não tinham dito. É mentira, ou “desinformação”, alguma dessas afirmações? Qual o crime que pode ser atribuído ao autor, por qualquer delas? Musk pediu também a aplicação do artigo da Constituição que garante a liberdade de expressão no Brasil. Por acaso é proibido fazer isso?
Alexandre de Moraes descreveu as declarações de Elon Musk como “ameaças”
As declarações de Musk foram descritas pelo sistema de apoio de Moraes como “ameaças”. Ameaça? Como alguém pode ameaçar o Brasil e o STF pedindo para se aplicar as leis e a Constituição? O empresário prometeu restabelecer os perfis cassados por Moraes – o que foi tido como “recusa de cumprir decisões judiciais”. É mais uma bobagem rasa. O fato de alguém dizer que “não vai” cumprir uma decisão da Justiça não é crime nenhum; para haver infração é indispensável que o suposto infrator, de fato, desobedeça a uma sentença. Musk acusou o ministro Moraes de trair “descaradamente” a Constituição; também disse que ele é um ditador e que deveria renunciar ao cargo. E daí? Se Moraes se sente vítima de uma injúria por causa disso, basta processar na Justiça quem ele acha que o ofendeu. Muitos brasileiros, aliás, dizem exatamente as mesmas coisas em público, há muito tempo. Estrangeiro não pode dizer?
Musk foi enfiado no inquérito policial perpétuo e integralmente ilegal que Moraes dirige há cinco anos seguidos — uma aberração que não tem similares em nenhuma democracia do mundo. “Este episódio só reafirma o caráter arbitrário que os tais inquéritos das milícias digitais e das fake news assumiram, em prejuízo dos princípios democráticos mais comezinhos”, diz o editorial do Estadão. O problema maior talvez nem seja Moraes, observa-se ali — e sim “a obsequiosa cumplicidade de seus pares diante de suas decisões cada vez mais extravagantes”. O ministro e o STF, na verdade, não têm e nunca tiveram a menor intenção de impedir a circulação de notícias falsas. O que eles querem, mesmo, é proibir as notícias verdadeiras.