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O ator Will Smith deu um tapa na cara do comediante Chris Rock na cerimônia do Oscar | Foto: Reprodução/Academy of Motion Picture Arts and Sciences
Edição 106

Um Oscar para o Oscar

Se você, assim como eu, há muito tempo não assistia à cerimônia, certamente agora você já sabe que Will Smith decidiu dar um tapa na cara de Chris Rock

Ana Paula Henkel
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E aqui estamos falando do Oscar. Eles conseguiram. Depois de anos de vertiginosa queda na audiência das transmissões da entrega de prêmios daquela que já foi a festa mais espetacular e mais assistida de Hollywood, o mundo finalmente parou novamente para falar da cerimônia que há alguns anos se tornou uma bolha progressista de artistas afetados e desconectados da realidade. E o motivo não foi nenhum filme espetacular ou uma atuação magnífica de algum ator ou atriz, mas um tapa na cara do apresentador da cerimônia desferido pelo vencedor da estatueta de melhor ator.

Foi-se o tempo das manhãs de ressaca por ter ido dormir de madrugada depois de passar horas assistindo à cerimônia e torcendo para o filme A ou a atriz B levarem a famosa estatueta. Hollywood há alguns anos se tornou um show de hipocrisia, ataques políticos a apenas um lado do espectro político-ideológico e piadas sem graça feitas por e para os hedonistas da indústria. Se você, assim como eu, há muito tempo não assistia à cerimônia, certamente agora você já sabe que Will Smith decidiu dar um tapa na cara de Chris Rock durante a transmissão do Oscar no último domingo. Depois de esbofetear o mestre de cerimônia, Smith voltou ao seu lugar e gritou: “Mantenha o nome da minha esposa fora da m… da sua boca”, mostrando estar consternado com uma piada que Rock fez sobre o cabelo raspado de Jada Pinkett Smith, esposa de Will. Jada tem uma condição chamada alopecia, que resulta em perda de cabelo, e Chris brincou sobre ela estar em G.I. Jane 2, referindo-se a uma continuação de G.I. Jane, filme estrelado por Demi Moore, em que ela raspa a cabeça para encenar uma mulher que passa por um treinamento de operações militares. Poucos momentos depois do tapa, antes que alguém pudesse realmente digerir a cena vista no palco, Smith ganhou o prêmio de melhor ator e em seu discurso se desculpou, em lágrimas, com a Academia, dizendo que sentia que precisava defender sua família.

Pôster do filme G.I Jane | Foto: Divulgacão

Will Smith é um conhecido ator de blockbusters, como Homens de Preto, no entanto, não foi a primeira vez que o estrelato de Will Smith foi definido mais por sua vida pessoal do que por seus papéis na tela. Recentemente, ele documentou sua perda de peso em um programa no YouTube chamado Best Shape of My Life. Ele também apareceu na série do Facebook de sua esposa Red Table Talk, para discutir o casamento que há anos demonstra sinais de uma crise permanente com assumidos casos de traição por parte dela. Na série Welcome to Earth, do gigante Walt Disney, Smith testou sua coragem pessoal em aventuras na natureza ao redor do mundo. Em novembro do ano passado, revelando segredos profundos, o ator escreveu em Will, seu livro de memórias e que esteve durante vários meses nas listas de best-sellers: “O que você passou a entender como ‘Will Smith’, o aniquilador de alienígenas, a estrela de cinema maior que a vida, é em grande parte uma construção — um personagem cuidadosamente elaborado e afiado — projetada para me proteger”. Em uma recente entrevista, Jada Smith, que já admitiu ter tido outras relações fora do casamento com Will, declarou que gostaria de viver um “casamento aberto” e que “casamento não é prisão”.

YouTube video

Enquanto muitos debatiam quem estava com a razão na bofetada agora vista por milhões e milhões de pessoas no mundo, se a piada de Chris Rock foi apenas uma piada de mau gosto ou um ataque à honra de Jada Smith e, por isso, Will estava coberto de razão em defender a honra de sua esposa, eu, como moradora da Califórnia há muitos anos e observadora das ações, reações e estratégias da bolha hollywoodiana, não pude deixar de contemplar alguns aspectos, no mínimo curiosos, no episódio. Como se trata de Hollywood, eu também não descartaria a hipótese de uma encenação.

Primeiro, não pude deixar de notar que os dois grandes patrocinadores do Oscar neste ano eram dois grandes nomes das big pharmas: Biontech e Pfizer. Sim, a Pfizer da pandemia e das controversas vacinas. Devido à condição capilar de Jada Smith, exposta pela “piada” de Chris Rock, a alopecia foi um dos assuntos mais debatidos e procurados nas ferramentas de busca nas 48 horas após o Oscar. Dentre os milhões de cliques e links, a cura para a doença estava entre as palavras mais pesquisadas. Curiosamente (coloque seu chapéu de alumínio agora!), em 2018, a Pfizer iniciou testes para um medicamento chamado Allegro 2b/3. Em agosto de 2021, a farmacêutica anunciou os resultados positivos dos testes finais da medicação e agora, em 24 de fevereiro, o NIH (National Institute of Health), o órgão administrador de pesquisas médicas dos EUA, publicou oficialmente os resultados do Allegro2b/3, que — curiosamente — promete tratar e curar a alopecia, a doença de Jada Smith que causa a queda de cabelo. Exposição planejada?

Jada Pinkett Smith | Foto: Reprodução/Instagram

Bem, teorias conspiratórias à parte, o que não consegui deixar de notar foi a série de eventos hipócritas dentro de um evento bizarro, ensaiado ou não. Voltemos a fita um pouco. Há alguns anos, Hollywood encabeçou a criação do “Me Too”, movimento de “empoderamento feminino” contra o assédio sexual na indústria. Muitas atrizes de Hollywood que hoje são festejadas como “quebradoras do silêncio” passaram anos numa bizarra mudez alimentando uma perturbadora cumplicidade com produtores endinheirados e que acabou protegendo predadores sexuais. Enquanto roteiros de filmes eram trocados e fotos no tapete vermelho com vestidos de grife eram tiradas, outras mulheres sem a mesma projeção que as “empoderadas” de Hollywood eram vítimas de estupros e assédio sexual.  Por que demoraram tantos anos para se tornar “a voz das mulheres”?

Manifestação do movimento Me Too, em 2018 | Foto: Elvert Barnes Protest Photography/Wikimedia Commons

Enquanto essas mulheres poderosas e milionárias davam belos discursos com os olhos marejados sobre o assédio e a violência contra a mulher, elas também fingiam não saber quem eram os predadores, alguns deles na plateia, como Harvey Weinstein. Celebridades, homens e mulheres consagrados que escolheram se calar por anos e anos contra os algozes de quem não tinha a mesma voz. Perdoem meu francês, mas como respeitar mulheres que descem a roupa para subir mais rápido na vida e depois de conquistar todo dinheiro e sucesso posam de porta-vozes contra o assédio e a violência sexual? Quantas mulheres tão ou mais talentosas e aptas para seus postos abriram mão de estar no topo para manter a própria dignidade? É bom deixar bem claro: os vilões dessas histórias de assédio são evidentemente os assediadores, mas quem topa voluntariamente trocar sexo por uma promoção ou um caminho mais curto para a fama não merece prêmios nem respeito pelo simples motivo de que muitas mulheres, na mesma situação, recusaram a oferta. Outras ainda denunciaram seus agressores, correndo todo tipo de risco para que esses monstros não cometessem mais crimes e fizessem mais vítimas. E isso é só uma parte de Hollywood.

E se Chris Rock fosse um comediante branco fazendo uma piada horrorosa com uma mulher negra?

Nos últimos anos, temos sido bombardeados com a vil agenda do atual progressismo segregacionista. Mulheres contra homens, filhos contra pais, negros contra brancos, homossexuais contra heterossexuais. É a máxima da estratégia de guerra, tão usada pela seita marxista: dividir para conquistar, agora de roupa nova. No caso de Hollywood, de roupa de grife. Há quanto tempo escutamos que tudo é racismo, tudo é misoginia, tudo é homofobia… Tudo é tudo! O que faz com que todos sejamos racistas, homofóbicos, misóginos, ninguém, de fato, é. Na nação mais livre e empreendedora do mundo, onde a ascensão através do trabalho árduo anda de mãos dadas com oportunidades, parte doente da atual sociedade norte-americana vive entoando que a América é dominada pelo racismo estrutural, presente no seu DNA. O racismo sistêmico, assim pregam, está por todo lado. Policiais matam negros apenas por causa da cor de sua pele. Negros não conseguem lugares de destaque na racista sociedade norte-americana e discursos em festas como o Oscar pregam a injustiça contra pessoas negras que não têm oportunidades no seletíssimo clube hollywoodiano. O fato curioso da semana, ou a realidade esbofeteando a bolha, é testemunharmos três personagens milionários da nata do entretenimento — três afro-norte-americanos —, moradores de bairros ricos e elegantes de Los Angeles e do Estado com o maior PIB dos EUA e o quinto do mundo, sendo protagonistas no polêmico evento visto por milhões e milhões de pessoas no mundo. O ingresso mais barato do show de Chris Rock passou de US$ 80 para US$ 350.

Outros pontos interessantes sobre a bofetada são perguntas que deixaram a esquerda norte-americana confusa e sem resposta: se Jada Smith teve sua honra ferida por uma piada de gosto duvidoso (seja lá o que honra signifique para o casal que vive em um casamento aberto), o que aconteceu com a tal “masculinidade tóxica”? Homens defendendo suas esposas? Um pilar do conservadorismo norte-americano? Shame! Onde já se viu isso, progressistas? Mulheres empoderadas não precisam de homens! Como é mesmo a frase que as feministas do “Me Too” costumam dizer aqui? Ah, é… We are enough, ou nós somos suficientes. Hum.

Outra pergunta que é impossível não fazer: e se Chris Rock fosse um comediante branco fazendo uma piada horrorosa com uma mulher negra? E se Chris Rock tivesse feito uma piada com uma doença de uma atriz branca e seu marido loiro de olhos azuis tivesse se levantado e dado um tapa na cara do comediante negro? Sim, estaríamos na Terceira Guerra Mundial. E mais: a turma que prega amor entre todos os seres humanos, como é mesmo que eles dizem?…Ah! Love is love, agora valida a agressão física quando ofensas verbais são proferidas, ou temos que analisar antes a cor da pele, o gênero, a orientação sexual e, claro, o lado no espectro político-ideológico? A pergunta é retórica.

A Academia disse na quarta-feira que iniciou processos disciplinares contra Will Smith por violar seus padrões de conduta, “incluindo contato físico inadequado, comportamento abusivo ou ameaçador e comprometer a integridade da Academia”. Smith terá pelo menos 15 dias para responder sobre suas violações e poderá oferecer uma resposta por escrito. As punições podem incluir suspensão, expulsão ou outras sanções, disse o comunicado da Academia. O conselho se reúne novamente em 18 de abril. Na segunda-feira, Smith pediu desculpas a Chris Rock, à Academia e aos espectadores do programa em um post no Instagram, chamando seu comportamento de “inaceitável e imperdoável”.

Em Hollywood e para Hollywood, tudo é possível. Se o tapa foi pura encenação, só o tempo dirá, mas, assim como nas telas, é claro como o brilho das estatuetas que estas celebridades escondem verdades inconvenientes para blindar uma vida de festas, glamour, dinheiro e mentiras. Hipocrisia e atuações dignas de um Oscar.

Leia também “Uma agressão às mulheres”

17 comentários
  1. Rosa DeSouza
    Rosa DeSouza

    O meu marido participou de um filme com Will Smith em Atlanta, Malcom X.
    W. Smith foi extremamente racista, nem permitiu que o meu marido se aproximasse. Falta dizer que ele é puro branco. Não somos racistas. Temos uma neta mulata, linda e inteligente que nasceu e vive em Atlanta, Ga.

  2. Fábio Araujo Mendes
    Fábio Araujo Mendes

    Ana Paula muito perspicaz, como sempre… Rsss, Hollywood é uma “festa”.

  3. Gabriela Sudbrack Crippa
    Gabriela Sudbrack Crippa

    Ótimo artigo.

  4. JOSE FERNANDO CHAIM
    JOSE FERNANDO CHAIM

    Continuo achando que foi incenação e o tapa, foi muito mal dado!!!!

  5. Jorge Apolonio Martins
    Jorge Apolonio Martins

    Eu acho que foi encenação para atingir exatamente o resultado que surtiu: tornar a cerimônia falada em todo o mundo. Veja que não foi um soco, foi um tapa. Se não fosse encenação, teria sido um soco.

  6. Eduardo
    Eduardo

    Com razão a colunista. Desse mundo hollywoodiano pode se esperar qualquer coisa!

  7. Robson Oliveira Aires
    Robson Oliveira Aires

    Ana mais uma vez parabéns. Excelente texto. Faço minhas as suas palavras.

  8. Silvio T Correa
    Silvio T Correa

    Ana, acho que esse foi o melhor, ou um dos melhores, texto que você escreveu.
    Parabéns!

  9. Roberto Fakir
    Roberto Fakir

    Esse Oscar foi armação. Hollywood decadente, ator em iminência da decadência, muito rico abastecendo a academia e seus “patrocinadores” com cena midiatica. Assisti a encenação ridícula, dos dois lados, e conclui que se Will desse mesmo um tapa pra valer no engraçadinho, ele teria ido parar na plateia. Alguém pagou com dinheiro ou com favores os atores. Smith talvez apareça fazendo comerciais de produtos para alopecia.

  10. Walter Cesar Gomes
    Walter Cesar Gomes

    Nunca antes neste p…., ops!, digo: Nunca antes ouve nada igual na ” festa ” de Oscar…

  11. Ana Cláudia Chaves da Silva
    Ana Cláudia Chaves da Silva

    Parabéns, Ana! Sua analise dos fatos foi perfeita. Antes de ver a cena da bofetada ouvi vários comentários de pessoas, apoiando o Will Smith, indignadas com a grosseria do apresentador do Oscar. Mas quando vi a cena, juro que me senti mal pois achei que tudo não passou de uma encenação e mais um golpe de marketing. Senti até culpa por me achar pouco empática com a situação. Mas lendo sua análise percebi que nao sou tão insensível assim rsrsrsr

  12. José Marcondes Teixeira de Abreu Filho
    José Marcondes Teixeira de Abreu Filho

    Ana Paula. Parabéns pelo artigo!

  13. José Antonio Braz Sola
    José Antonio Braz Sola

    Ótimo artigo, Ana Paula; parabéns !
    Para mim, foi tudo combinado, sendo uma ideia bolada pelos laboratórios patrocinadores com a concordância dos três participantes da farsa.
    Percebe-se que o tapa dado foi precedido de um preparo na posição do agredido.
    Como se dizia nos meus tempos de criança, foi marmelada !

  14. Luzia Helena Lacetda Nunes Da Silva
    Luzia Helena Lacetda Nunes Da Silva

    Acho, simplesmente, que aquilo foi demais para Will e ele foi impulsionado pela raiva. A raiva é poderosa, como sabemos. Instinto pouco evoluído, mas que evita infartos e lava a alma.

  15. Marcílio Ribeiro Sodré
    Marcílio Ribeiro Sodré

    Imagine o mimimi danado se fosse Michael Douglas esbofeteando o Chris Rock, para defender a linda Zeta Jones!!

  16. Carlos Benedito Pereira da Silva
    Carlos Benedito Pereira da Silva

    Ana, você está demonstrado ser uma gande jornalista Parabéns. Imagino que Smith quis dar uma demonstração de que se importa com a esposa, mesmo que ela “pule a cerca” O escândalo só não foi maior, por tratar-se de fato envolvendo dois negros.

  17. Roberto Gomes
    Roberto Gomes

    Bah! Arrasou Ana. O melhor texto que li sobre esse episódio.

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