A capacidade de sedução das flores é fundamental para a reprodução e a sobrevivência da planta. As flores são belas e perfumadas para seduzir seus polinizadores: insetos, aves e morcegos. Até os humanos são atraídos pelo perfume e pela beleza das flores, capazes de um verdadeiro encantamento. Eles seguiram o exemplo dos vegetais. Em sinal de afeto, amor e paixão, oferecem flores. Para seduzir, perfumam-se com fragrâncias e aromas retirados das flores.
Diversos papiros do Egito antigo atestam a fabricação de perfumes e unguentos aromáticos a partir de lírios e várias flores. São muitas menções a perfumes na Bíblia. É emblemático o gesto da mulher rompendo um vaso de alabastro, repleto de perfume de nardo, lá das proximidades do Himalaia, e derramando-o sobre Jesus, ungindo-o da cabeça aos pés (Mt 26,7).
No passado, os perfumes eram extraídos de rosas, jasmins, lírios, laranjeiras e outras flores através do vapor, da fumaça. Daí a origem latina da palavra: per fumum, “pelo fumo”, pela fumaça, pelo vapor. E por meio de borrifadas vaporizadas, per fumum, as fragrâncias ainda se espalham no corpo humano e no ambiente.
O Livro da Química de Perfumes e Destilados, escrito pelo químico árabe Alquindi no século 9, apresenta centenas de receitas de óleos de fragrâncias, águas aromáticas ou imitações para drogas caras, além de mais de uma centena de métodos e receitas para a perfumaria. Essa presença árabe segue no nome de instrumentos da produção de perfumes, como alambique. No século 10, o médico e químico persa Avicena sistematizou a extração de óleos de flores pela destilação. Seus ingredientes e sua tecnologia da destilação marcaram a perfumaria ocidental até hoje.
A produção de flores é uma das obras-primas praticadas por pequenos agricultores. No Censo Agropecuário do IBGE de 2017, dos 5 milhões de estabelecimentos agropecuários recenseados no Brasil, 12.000 declaram ser floricultores lato sensu (flores, folhagens, mudas, sementes…), presentes em quase metade dos municípios brasileiros (mapa 1). Parte significativa desses floricultores possui uma organização empresarial e tecnológica avançada e intensiva. Atividade competitiva, nessa floricultura moderna estão mais de 8.000 floricultores profissionais. Seus cultivos têm área média de 1,5 hectare, segundo o Instituto Brasileiro de Floricultura. A área total da floricultura ultrapassa 15.000 hectares. Parece pouco, comparado à de soja ou milho. Não é. A área mundial é da ordem de 190.000 hectares. A brasileira representa cerca de 8%.
Além desse grupo, existe uma fração de floricultores, de 3.000 a 4.000, em escala muito local, menos integrada aos mercados. Segundo pesquisa da Embrapa Territorial, em janeiro de 2022, dos pequenos agricultores com Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAP), 3.152 declararam-se produtores de flores, além de outras atividades, com expressiva presença no Nordeste e até na Amazônia (mapa 2).
No Brasil, aproximadamente 9% das flores e plantas são cultivadas em estufas, 3% sob telados ou sombrite e 88% em campo aberto ou ao ar livre. Das 350 espécies e suas 3.000 cultivares, nativas e exóticas, 30% são flores e folhagens de corte, 39% são plantas e flores de vaso e 31% plantas ornamentais e para paisagismo.
Intensiva em capital e mão de obra, a floricultura emprega, em média, 3,8 trabalhadores por hectare. A cadeia de produção e comercialização envolve diretamente 200.000 pessoas: 50% nas propriedades, 40% no varejo, 4% na distribuição e o restante em atividades complementares. Nas pequenas propriedades, apenas 20% da mão de obra é familiar, os outros 80% são contratados. Boa parte da mão de obra é feminina. As mulheres demonstram maior destreza, habilidade e cuidado no manuseio de flores e plantas. Floriculturas vendem beleza e embelezamento, associados à presença de mulheres nos pontos de venda.
A Lei de Proteção de Cultivares, de 1997, viabilizou a entrada no mercado brasileiro de novos cultivares e lotou as prateleiras de floriculturas e pontos de venda com uma gama ampla de cores e formatos até então desconhecidos dos brasileiros, aumentando a oferta e a diversidade.
O valor bruto da produção passou de R$ 0,3 bilhão, em 2004, para R$ 11 bilhões, em 2021. São Paulo responde por praticamente 70% desse valor. O consumo de flores cresceu, no mesmo período, de R$ 15/habitante/ano para cerca de R$ 65 (US$ 12), ainda muito aquém do consumo na Suíça (US$ 174), na Alemanha (US$ 98), na França (US$ 69) e nos EUA (US$ 58).
O faturamento do setor cresce entre 12% e 15% anualmente. São cerca de 600 empresas atacadistas no mercado de flores e mais de 25.000 pontos de venda. Mais da metade do consumo se concentra no Estado de São Paulo e 85% no Sudeste. O mercado nacional absorve 97,5% da produção. Só uma pequena porcentagem é destinada à exportação. Os principais polos de produção estão no Estado de São Paulo, em Arujá, Atibaia, Holambra e Ibiúna. Outros em Andradas, Barbacena, Munhoz (MG); Nova Friburgo, Petrópolis, Serra da Mantiqueira (RJ); Vale do Caí (RS); Joinville (SC); e Serra da Ibiapaba (CE). Flores e folhagens tropicais são produzidas em localidades no litoral do Nordeste (AL, PE, RN e BA).
Ambiente de trabalho ornado com flores não é mais exclusividade de mulheres. Homens presenteiam e são presenteados com flores
A floricultura sofreu com os lockdowns no início da pandemia: cancelamento de festas, casamentos, batizados, bodas e outros eventos. Houve queda brutal na demanda por decoração com flores de corte (rosas, crisântemos, astromélias, lírios…). O tratamento do consumo de flores como algo supérfluo no início da pandemia foi revertido graças a campanhas intensas dos produtores, sobretudo no varejo, em supermercados e floriculturas.
Pessoas em home office, confinadas, buscaram maior reconexão com a natureza. Os floristas propuseram opções: da decoração com flores e até no cultivo limitado de plantas ornamentais, para tornar o ambiente de trabalho mais prazeroso e dar maior aconchego e bem-estar às casas. Durante o isolamento, a jardinagem passou a ser praticada nas casas e se tornou um hobby de muitos brasileiros. Isso ampliou e diversificou a demanda. E exigiu novas soluções em buquês, ramalhetes e plantas, além do comércio de vasos, ferramentas, pequenos sistemas de irrigação, estufas e outros. Flores de vaso, orquídeas, suculentas, cactos, antúrios e até bonsais ampliaram as vendas.
Jardinagem e plantas para decoração ajudaram no crescimento do mercado de flores entre 2020 e 2021. E, mesmo com o recuo da covid, jardins e ambientes com flores ainda se mantêm. Somaram-se a essa demanda, novos hábitos. Ambiente de trabalho ornado com flores não é mais exclusividade de mulheres. Homens presenteiam e são presenteados com flores.
A floricultura e os floristas investiram e inovaram em comunicação e comércio digital. Criaram sites, ampliaram sua inserção em redes sociais, telemarketing e aperfeiçoaram os serviços de delivery. Cresceu a venda no varejo. Floristas já eram pioneiros em entrega de flores em domicílio, mesmo à distância. Agora, ganharam uma escala maior e mais sofisticada.
Após as perdas, as vendas de 2021 superaram as de 2020 e, em alguns segmentos, até de anos anteriores. A demanda cresceu. Maio é um mês das flores, com o Dia das Mães. Junho também, com o Dia dos Namorados. As duas festas somam quase 40% das vendas ao longo do ano. Aqui, o Dia dos Namorados é na véspera da festa de Santo Antônio, e não no dia de São Valentino.
Associar flores, namorados e Santo Antônio é natural. Ele foi um pregador culto e apaixonado, com grande devoção aos pobres. Veneradíssimo no Brasil como o santo dos amores e dos casamentos, ele abre o ciclo das festas juninas. Ao tornar-se monge, ele adotou o nome Antônio ou “flor nova”, anto nous: do grego ánthos “rebento, broto, flor”, presente em antúrio, e da expressão latina novus “novo”. Antônio foi mesmo uma nova floração para o Cristianismo na Europa e um expoente da Ordem dos Franciscanos.
Na floricultura, todo dia se planta e se colhe. A busca da perfeição é absoluta. Não pode haver defeito ou mancha nas flores. Se não, são descartadas. Esse perfeccionismo é associado à sustentabilidade. Nas estufas, se a temperatura sobe demais, o floricultor a resfria, e vice-versa. A água gerada pelos sistemas de refrigeração ou das chuvas é recuperada e utilizada na produção. Cada vez gasta-se menos água por vaso produzido, graças à eficiência dos sistemas de irrigação, à gestão dos melhores horários para irrigar etc. O setor investe muito em energia solar. Teme falta de energia ou um fornecimento de má qualidade, capaz de comprometer seus equipamentos sofisticados.
Em São Paulo, a Feira Internacional de Paisagismo, Jardinagem, Lazer e Floricultura reúne mais de 200 expositores nacionais e internacionais. Outros cartões-postais da floricultura são a Expoflora, em Holambra (SP), e a Festa das Flores de Joinville (SC). Esses eventos técnicos e turísticos reúnem milhares de produtores, fornecedores de equipamentos, insumos e centenas de milhares de visitantes. Como as feiras agropecuárias e as de peão, as festas das flores são vitrines para o consumidor urbano da potencialidade da agropecuária e dos pequenos agricultores tecnificados.
Uma frase conhecida dos floristas foi adotada por muitos. As flores transformam uma casa em lar. Vale para o agro e para o país.
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Seu texto é uma aula magistral, como sempre, Evaristo! O de hoje, me remeteu aos primeiros floricultores de Atibaia, nos inícios de 60′, amigos de meu pai e mais tarde nos 90′, quando convivi com os holandeses em Holambra devido ao meu cargo. Tínhamos que adequar o calendário escolar e es escolas ao calendário da cidade. Foi uma experiência muito interessante e fiz amigos com os holandeses porque talvez nos identificassemos por eu ser filha de imigrantes e muito envolvida no trabalho pioneiro deles.
O aroma e a estética faz parte da natureza
EVARISTO DE MIRANDA ACABA DE SER AGRACIADO COM O PREMIO “ENGENHEIRO AGRONOMO DO ANO” OUTORGADO PELA AEASP- ASSOC ENG. AGRONOMOS DO ESTADO DE SÃO PAULO… PÁRABENS EVARISTO POR MAIS UM RECONHECIMENTO DO AGRO
Desta feita nosso Mestre Evaristo nos brinda com uma abordagem sobre as flores em suas aulas semanais de agronomia. Com certeza será um incentivo ao setor que já vem crescendo sob o aspecto econômico e para felicidade daqueles que vem na natureza, em especial na floricultura, uma prova da existência Divina.
Um texto florido.
Texto brilhante. Sensacional. Parabéns. Prof. Evaristo de Miranda.
Que bom aprender sempre e principalmente dessa forma leve que nos proporciona o Dr Evaristo. Mais um excelente artigo. Grata por nos mostrar seu conhecimento.
Pena q retiraram das rosas seu aroma alegando q atraia muitos insetos que “estragavam” as rosas…
A beleza salvará o mundo, já nos disse Dostoievski, quer beleza maior que as flores.
Beleza das flores presente na vida humana, nos perfumes, nos cheiros, nos aromas, perfume ao pés de Cristo, flores nos Altares de Santo Antônio, dias das mães e namorados.
Sou muito agraciada, por ter
Um nome de uma flor:
Verbena; seu perfume é cítrico, presente nas colônias,
Shampoo, cremes e sabonetes, por tanto minha flores preferida é
Verbena!!!viva as flores.
Dr. Evaristo de pesquisador a trovador das flores. Quanto trabalho de nossos produtores até chegar ao louvor a Deus com Santa Maria Madalena até o nosso Santo Antônio. Meus parabéns!
Maravilhosos delicioso artigo do Dr. Evaristo. Valeu!!!
Dr. Evaristo sabe nos apresentar os grandes volumes de produção e riquezas do Agronegócio, como também valorizar a beleza encantadora, perfumada e vivificante das flores! Parabéns por essa harmonia que nos seduz!
Mais um excelente artigo muito rico em informações e agradável de ler. Parabéns.
O Professor Evaristo nos brinda com mais um artigo pleno de informações históricas, econômicas, agronômicas e sociais.
Mas desta vez com uma cereja a mais no bolo: o perfume não das flores mas sim da floricultura!
Dono de vasta e eclética cultura, seus artigos primam pelos detalhes em uma leitura agradável e informativa.
Prof. Evaristo, meu voto a membro de uma Academia Brasileira de Excelência!
Poesia sem rima, amor sem paixão e razão sem emoção sucumbem ante a simplicidade sofisticada do perfume das flores. O Dr. Evaristo nos ajuda a conectar as origens com as alegrias do presente. Muito bom também constatar a recuperação pós Covid. Os produtores fazem um grande e relevante trabalho.
Muito conhecimento, obrigado por compartilhar!
Excelente artigo do Dr. Evaristo, o que não surpreende por todos que já li por aqui. Gosto muito da retrospectiva histórica que sempre nos leva a lugares e situações das mais pitorescas e interessantes. A leitura parece uma pequena viagem pelo tempo de certa forma, e, ademais, sempre trás o assunto para a atualidade e sua importância.
BRAVO !!
“Somos quem podemos ser
Sonhos que podemos ter”…
Como é enriquecedor o conhecimento que o professor transmite, da SOJA às FLORES passando por peixes, abelhas, pecuária, irrigação, fertilizantes e defensivos, transporte e logística de nossos empreendimentos agropecuários e ambientais, que maus brasileiros e ONGs internacionais tem o prazer de destruir.
Flores me encantam, as matizes exuberantes de cores, perfume a perfeição das folhas, da pétalas e tantas outra belezas…por exemplo,mirando,horas… um campo florido, descobrimos uma perfeição da Mãe Natureza em cada planta. Amo, descobrir o lado romântico de Deus, ao fazer o planeta terra. Glória.
Beatriz Caldeira Olchenski
Nesse jardim de ciência e beleza, que é a coluna semanal do Professor Evaristo, encontramos sempre o perfume do Bem e da Verdade, em meio a uma profusão de ideias e informações que inebriam e alegram o espírito e a inteligência.
Viva !!!!!
NOVAMENTE MEUS PARABENS AO EVARISTO DE MIRANDA., SEMPRE TRAZENDO ASPECTOS IMPORTANTES DO AGRO